Tese aborda participação da mulher em bandas filarmônicas do Nordeste e de Portugal
Estudo foi realizado pelo professor Marcos dos Santos Moreira, do curso de música. Índícios apontam que foi no município de Rio Largo, em Alagoas, que surgiu a primeira banda formada só por mulheres
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Diana Monteiro - jornalista
Abordar a musicologia histórica, psicologia social, sociologia e educação musical centralizadas na participação de mulheres em bandas filarmônicas é o estudo concluído pelo professor Marcos Moreira dos Santos, do curso de Música da Universidade Federal de Alagoas, que resultou na tese de doutorado defendida na Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Como parte prática do doutorado, no próximo sábado, 3, haverá a apresentação da Filarmônica Feminina Inácia de Almeida, assim denominada para homenagear a primeira musicista trombonista registrada em estatuto filarmônico no ano de 1703, em Portugal. A banda é composta por 25 musicistas da Bahia, Sergipe e Alagoas, estados brasileiros alvos do estudo. Filarmônica é uma palavra de origem grega que significa "amante da música" e é usada para orquestras financiadas por sociedades privadas.
A apresentação, com entrada franca, será no Instituto Federal da Bahia (IFBA), em Salvador, a partir das 18h, está na programação do Fórum de Filarmônicas, promovido pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), com o objetivo de discutir a situação institucional, política, administrativa e financeiras das bandas baianas.
O professor Marcos Moreira adianta que indícios apontam que teve origem no município de Rio Largo, no Estado de Alagoas, a primeira banda composta só por mulheres foi a Banda de Música Gustavo Paiva. A banda foi fundada em 1937 e teve como primeiro regente o maestro Aquino Costa Japiassu.
Atualmente com 73 anos, a alagoana Neuza Gomes participou na adolescência da banda feminina de Rio Largo a convite do então maestro Japiassu de quem recebeu todo o ensinamento para tocar o instrumento tuba, que tanto desejava aprender por achá-lo bonito. Neuza integrou a banda de mulheres durante o tempo em que trabalhou na fábrica têxtil do município.
A influência musical de Neuza foi passada para duas gerações de sua família. O filho Cícero Carlos Gomes da Silva, desde jovem toca trompete e atualmente é da Banda da Polícia Militar de Alagoas. A nora Maria Ione Gomes e a neta Kelly Gomes, são flautistas (flauta transversal). A neta Keila Oliveira, estudante de Relações Públicas da Ufal e bolsista da Assessoria de Comunicação (Ascom), toca clarinete desde os 12 anos e integra a banda da Igreja a qual frequenta.
Resgate
O foco do estudo realizado pelo professor Marcos Moreira para o doutorado é inédito e também um resgate histórico: o objeto da pesquisa está relacionado às questões de gênero e suas ramificações como patriarcado e feminismo, assim como enfoca questões políticas e as implicações que impediram a entrada das mulheres durante tantos anos nas filarmônicas do Nordeste do Brasil e Norte de Portugal.
“Existe um estudo sobre a temática na área de Psicologia Social e Sociologia, mas mesmo assim, não se trata do assunto de forma integral e exclusiva, nem tão pouco entre dois países simultaneamente. É o primeiro estudo a tratar de uma pesquisa intercontinental”, afirma Marcos Moreira. Além de coordenador de Estágio Supervisionado em Música da Ufal, o professor integra o Grupo de Metodologia Instrumental – CNPq – Instituto Piaget Viseu (Portugal) e é membro da Sociedade Portuguesa de Investigação em Música (SPIM).
Etapas
Para o estudo foram pesquisadas seis bandas, três do Nordeste do Brasil (Alagoas, Pernambuco e Bahia) e as demais, basicamente em Aveiro, Norte de Portugal. Consistiram das etapas coletas de dados em bibliotecas e entrevistas. No Nordeste Brasileiro, assim como em Portugal, o sistema patriarcal foi determinante na elaboração de atas oitocentistas, já que muitas delas são instituições centenárias que proibiam a participação de mulheres.
Sobre o Estado alvo do estudo que atualmente tem registrado um crescimento da participação de mulheres em bandas, Marcos Moreira destaca que nas décadas de 30 e 50, em contradição são apontadas umas sete bandas de música exclusivamente femininas idealizadas por maestros de vanguarda, mas que são casos raríssimos.
“Proporcionalmente falando, essa realidade se torna relativa quando foi analisado todo o recorte que denominamos de micro, ou seja, as seis filarmônicas, e não há condições de apontarmos nessa relação qual o Estado pesquisado com mais mulheres em bandas”, destaca o professor e complementa que no censo macro quantitativo realizado foram verificadas 91 filarmônicas nos três estados nordestinos e 21 oriundas do Norte de Portugal.
Escolha de instrumentos
Outro resultado importante dentro da temática central é a que se refere à falta da livre escolha, pelas mulheres, para os instrumentos musicais que desejavam tocar. Segundo o professor Marcos Moreira, na verdade, a escolha foi por muito tempo gerida pelos maestros que determinavam instrumentos musicais de palheta e madeira como clarinetas e flautas, como os ditos “femininos”.
Ele acrescenta que atualmente há uma evidência de saxofones, mas percebe-se que a mudança dos sistemas de ensino, a capacitação dos maestros e, consequentemente a mudança de comportamento social dos mesmos, possibilitou um aumento relativo a instrumentos de metais, considerados mais pesados e por muitos ditos “masculinos”.
“A apresentação do dia 3 de agosto da Banda Filarmônica Feminina Inácia de Almeida, em Salvador, demonstrará a atuação significativa das mulheres e musicistas atuando em instrumentos não muito comuns visto em mulheres, como trombones e tubas. Há muito ainda a se investigar, mas afirmo que a música não depende de gênero sexual e sim por competência”, destaca Marcos Moreira.
Sobre o repertório a ser apresentado pela filarmônica feminina o pesquisador diz que consistirá de quatro famosos dobrados brasileiros. O dobrado é um gênero musical de bandas bastante executado no Nordeste e mesmo tendo influências nas marchas e no Passo Doble espanhol, as características são bem brasileiras. Marcos Moreira Informou que posteriormente será dada a continuidade ao projeto objetivando a ampliação de musicistas de outros estados da Região Nordeste.