Vice-presidente da SBC fala sobre Cidades Inteligentes

A Sociedade Brasileira de Computação e a Ufal foram parceiras no evento que debateu os desafios das chamadas cidades inteligentes, ocorrido em Maceió na semana passada


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Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Computação, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Lizandro Granville | nothing
Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Computação, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Lizandro Granville

Manuela Soares - jornalista

Para quem está no século 21, conviver com as transformações do mundo moderno exige uma habilidade diferente de quem já nasceu inserido num ambiente pulverizado de tecnologias. De uma forma ou de outra, soa mais comum e familiar hoje em dia, falar de internet, redes wifi, avanços na ciência médica ou, dispositivos eletrônicos de segurança. Os olhos governamentais e empresariais estão voltados às tecnologias que visem soluções para melhorar a qualidade de vida nos centros urbanos que agregam cada vez mais problemas em diversas áreas.

Pesquisadores, professores e estudantes se reuniram durante uma semana em Maceió para discutir quais são os desafios das chamadas “Cidades Inteligentes”. E foi sobre isso que conversamos com o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Computação, o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Lizandro Granville.  

Qual o conceito de cidade inteligente? 

Como se trata de expressão popular, a definição dos conceitos não é algo totalmente claro, então “Cidades Digitais” ou “Cidades Inteligentes” podem significar coisas diferentes, academicamente falando. Mas existe um consenso entre coisas mínimas que a gente pode encontrar, por exemplo, quando a gente fala de cidades inteligentes estamos relacionando à tecnologias e soluções que visam melhorar a qualidade de vida em grandes metrópoles atacando problemas típicos dessas grandes metrópoles. O mais evidente em primeira instância é o problema do trânsito, é alguém observar como está o trânsito da cidade e poder, inclusive, influenciar nele. Existem várias palestras de brasileiros que dizem como poder compartilhar informações de trânsito de forma menos caótica e mais progressiva, no início, só informar de volta para o condutor como estão as condições na estrada [isso dependendo do GPS que se usa, já tem essa informação]; outras vezes são sistemas mais evoluídos, onde o próprio usuário fornece informações para o sistema de trânsito, quando por exemplo se percebe que a velocidade dele está menor que a velocidade da via, pode ser um sinal de engarrafamento e essa informação é compartilhada para que outros usuários tomem caminhos alternativos antes de chegar a aquela via, ou seja, o usuário também participa. Tem vários estágios evolutivos, o mais radical de todos é quando não existiria mais a figura do condutor, todo mundo seria passageiro. A pessoa entra no carro e ele leva para o destino sem sequer precisar dirigir, isso é bastante futurista, mas é um dos estágios previstos nas tecnologias de trânsito. 

Quais as outras funcionalidades da aplicação dessas tecnologias? 

Tem a questão da saúde pública, onde no Brasil é um problema típico. Existem alguns projetos onde se tenta montar um quarto de observação do paciente, só que doméstico, onde o paciente, ao invés de ficar num leito de hospital, fica em casa, monitorado por vários sensores, por exemplo, de temperatura, de peso, de iluminação, de umidade, e todas as informações são recolhidas para verificar o estado de saúde do paciente. Só aí tem três vantagens: a primeira é que desocupa o leito hospitalar, que é um problema crítico; o segundo vem da literatura médica que diz que os pacientes têm uma melhora no seu quadro clínico mais eficiente quando eles estão em ambiente familiar, ou seja, menos frio do que o ambiente hospitalar;  e o terceiro ponto é que como as informações dos sensores são enviadas para um médico que normalmente está no hospital, o hospital pode centralizar as informações e tentar identificar se tem alguma epidemia acontecendo em certas partes da cidade, porque se vários pacientes tiveram quadros muito semelhantes, pode ser que alguma coisa esteja acontecendo naquele ponto. Isso não seria possível com o tratamento convencional, já que as informações que deveriam ser processadas por computadores, hoje, não são processadas nem manualmente. 

Como o Brasil está no contexto das Cidades Inteligentes? 

No Brasil existem algumas cidades pilotos, algumas delas são financiadas por companhias internacionais que querem experimentar, mas não dá para dizer hoje que no Brasil tem uma cidade totalmente inteligente ainda. Existem alguns exemplos aqui e ali e, tecnologias que são aplicadas em algumas cidades brasileiras, mas não dá para dizer que a gente já chegou ao ponto sonhado. Estamos atrasados em relação ao que acontece no mundo, sim, mas ao mesmo tempo não estamos a milhas de distância, porque o que tem no exterior não são coisas absurdamente avançadas que nos deixam para trás, então ainda existe espaço para um certo protagonismo brasileiro e também porque existem certas particularidades brasileiras que não são consideradas em cidades inteligentes do exterior. 

Alguma cidade está num caminho mais avançado? 

Meus exemplos são restritos, porque não sou especialista na área, mas sei que desse último exemplo que mencionei [da saúde], os projetos são executados em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, no Hospital de Clínicas, que é o Hospital Universitário de lá e, a pesquisadora é a professora de Computação Eliane Tarouco. Já em Ouro Preto existe um projeto de implantar uma rede de banda larga metropolitana, que não é com wifi, que todo mundo usa hoje em dia, então eles testam numa cidade muito acidentada, que pode influenciar na qualidade das comunicações, porque onde tem muito morro, o sinal pode sofrer muita interferência. E essa rede pode servir, por exemplo, pra verificar quais são as condições da cidade se, por exemplo, espalhasse sensores nela. 

As tecnologias das cidades inteligentes também podem ser aplicadas para a segurança? 

Sim, tem outro projeto de fazer o serviço de monitoramento de segurança de uma cidade usando câmeras ópticas de vigilância que tem uma peculiaridade de estabelecer o foco de observação depois da gravação, porque no sistema convencional tem os monitores e um humano operando que olha para um monitor “x”, identifica o objeto de observação e faz o foco ali. Então se tem alguma coisa acontecendo em outra câmera, já vai ser perdido. O problema é que essas câmeras, que permitem fazer o foco depois da gravação, são muito caras, e aí o projeto que se tem é de como conseguir montar um sistema com a mesma funcionalidade, só que usando produtos de prateleira, ou seja, que se compra em supermercado. A ideia é fazer com que as câmeras se comuniquem entre elas e compartilhem o foco de observação, que pode ser um suspeito prestes a praticar um assalto, então o sistema vai diminuir a probabilidade de erro, já que o humano pode não perceber. 

Quais os desafios para implantar essas tecnologias? 

No contexto brasileiro eu acho que o desafio maior não é tanto tecnológico, mas é de infraestrutura, por exemplo, a gente sabe do caso de Barcelona que automatizou todo sistema de coleta de lixo, que é uma aplicação para cidades inteligentes, mas é difícil a gente pensar em algo desse tipo para o Brasil por conta de infraestrutura, porque as cidades não foram concebidas para operar dessa forma, na verdade nenhuma foi, mas são necessárias modificações que não são simples de fazer. Mas em algumas, não se consegue implantar metrô, imagine essas tecnologias que ainda estão em observação. Isso também é consequência da falta de recursos, investimentos não apenas para implantar essas cidades de fato, mas, num estágio anterior, para testar as tecnologias, porque se não tem cidades de exemplo para observar e entender como elas funcionam, não vai conseguir chegar num segundo estágio. Por outro lado, as empresas que se interessam nessa área não veem o Brasil como foco principal. No Rio de Janeiro tem uma multinacional que investe, mas isso não é uma política de implantação de cidades inteligentes com parceria com uma indústria e que vai beneficiar todo o país, principalmente pela questão geográfica. 

Apesar de todas essas questões, você acredita que o país está caminhando para se beneficiar dessa ciência? 

Esse é um exercício de “futurologia” muito grande, mas eu desconfio que conforme a tecnologia for evoluindo e as cidades progredindo, vão existir, inclusive, choques culturais, porque olhando para o que aconteceu com as outras tecnologias, as cidades inteligentes podem representar alguns choques culturais. Por exemplo, alguém que não tenha hoje em dia uma página no facebook pode se sentir excluído de uma sociedade, então se, numa cidade inteligente tiver alguma tecnologia mais popular, onde se espera que as pessoas utilizem, talvez quem não utilizar pode se sentir um excluído social. Eu não sei, mas olhando pra trás, isso é o que potencialmente pode acontecer. A exclusão digital vai ter outro conceito, mas eu não sei o quanto extensa e abrangente ela seria, mas tentando colocar numa balança, acho que os benefícios superam em muito os eventuais problemas que as tecnologias possam acarretar. O que motiva a existência de cidades digitais não é um problema da computação, é um problema da sociedade, de como transformar as cidades de forma que elas ofereçam uma qualidade de vida melhor para as pessoas e, isso, não é um problema da computação, a gente precisa de soluções computacionais pra resolver, mas, o problema, não surge da computação.