Estudo subsidia pedido de Indicação Geográfica do filé alagoano

Estudo beneficia artesãos do Complexo Estuarino Lagunar Mundaú-Manguaba


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Bruno César Cavalcanti destacou os impactos do filé alagoano na renda de artesãos locais | nothing
Bruno César Cavalcanti destacou os impactos do filé alagoano na renda de artesãos locais

Myllena Diniz – estudante de Jornalismo

Presente no vestuário, em toalhas, colchas e outros artigos de decoração, o filé alagoano começa a se destacar no cenário da moda nacional. O bordado também faz parte da tradição cultural do Estado e desperta a atenção de cientistas sociais na Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisa realizada na instituição auxilia produtores de filé instalados no Complexo Estuarino Lagunar Mundaú-Manguaba (CELMM) a solicitarem registro de Indicação Geográfica (IG) do produto.

O jogo de cores, a variedade de pontos num produto e o acabamento perfeito tornam o filé produzido em Alagoas uma das técnicas manuais de maior autenticidade na região. Atualmente, o produto está em processo de reconhecimento como Patrimônio Cultural Imaterial alagoano e demanda estudo aprofundado para a emissão de um selo geográfico.

A solicitação do registro estadual exige provas documentais da relação do produto com a tradição cultural de populações do território alagoano. A IG também demanda comprovações do vínculo do material com a área geográfica específica onde ele é produzido.

Sob essa perspectiva, pesquisadores do Instituto de Ciências Sociais (ICS) desenvolvem estudo etnográfico e documental sobre o filé produzido em comunidades do CELMM. As atividades, iniciadas em 2011, foram coordenadas pelos antropólogos Bruno César Cavalcanti e Rachel Rocha, integrantes do Laboratório da Cidade e do Contemporâneo (LACC).

Ações como essa aumentam as chances de emissão de selo geográfico que aponte, oficialmente, o filé como um produto tipicamente alagoano. De acordo com Bruno César Cavalcanti, a IG é a certificação que vincula a produção de bens a uma localidade específica. A Indicação Geográfica estabelece relação entre um lugar e um produto. Ela é uma espécie de proteção comercial de produtos cujas características são atribuídas à especialidade do local ou da população que o produz”, ressaltou o pesquisador.

Segundo Bruno César, a IG pode ser classificada de acordo com a Denominação de Origem (DO), quando há vínculo entre o produto e condições do meio físico, ou com a Indicação de Procedência (IP), em situações onde há relação entre o produto e a população situada numa dada área. O caso do bordado mais famoso de Alagoas pode ser caracterizado como uma IP.

O filé é um bordado aplicado sob uma renda e tem ligação com outra atividade, a pesca. Ou seja, não tem relação direta com o meio, mas com a população aí estabelecida, com seu modo de vida. Em muitos dos povoados lagunares existem produtores desse material, devido à forte relação com a atividade pesqueira”, destacou Bruno.

Selo de qualidade

Para os estudiosos, muito além de um registro geográfico, a IG também representa um selo de qualidade. “O filé alagoano é muito singular, pelo jogo de cores e diferenciado uso de pontos. Com o crescimento do turismo e o desenvolvimento do comércio, apareceram bordados com a denominação de filé sem a qualidade do produto tradicional. Em geral, essas réplicas vêm de outras localidades, como o Ceará, e apresentam limites na variedade ou na elaboração dos pontos. Em muitos casos, as cores desbotam rapidamente e as peças podem não ter bom acabamento”, salientou Bruno Cavalcanti.

Caso o registro seja criado, consequências normativas serão aplicadas para a produção do material. Dessa forma, os artesãos deverão obedecer às normas exigidas pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). Entre os diversos critérios, a padronização e a manutenção da qualidade da produção devem ser observados. Tais aspectos são verificados em quesitos com tamanho da tela e acabamento final.

De acordo com Bruno Cavalcanti, a ideia é que seja elaborada uma cartilha de normatização, para que os artesãos possam produzir de modo padronizado. “A IG é um dispositivo formal que protege e padroniza o processo de produção. Para isso, é necessário que os produtores mostrem que suas peças possuem características de qualidade”, explicou.

Atuação da Ufal

O pesquisador destacou que a solicitação da IG só pode ser feita pelas associações de produtores do filé. Ainda assim, o engajamento de agentes públicos pode impulsionar o projeto dos pequenos empreendedores locais.

Para que o pedido passe por avaliação, é preciso que seja delimitada a área de interesse. A localidade apontada foi o CELMM, devido à grande quantidade de produtores de filé. A região das lagoas Mundaú e Manguaba também conta com outras características essenciais para a validação do pedido, já que concentra prática de saberes comuns, como trabalho manual e uso de linhas.

As associações também precisam comprovar que a prática é tradicional, por meio de documentação, biografias e outros dados complementares. “Nosso trabalho é justamente voltado para a catalogação das informações, já que a maioria dos produtores tem pouco acesso às pesquisas sobre o material historiográfico, documental. Nós elaboramos uma pesquisa extensiva, que faz parte de uma cooperação técnica com o Sebrae”, enfatizou Bruno.

O estudo de campo inicial foi realizado pelos pesquisadores do LACC e contou com o engajamento de alunos do curso de Ciências Sociais, por meio de disciplina eletiva dedicada ao treino de alunos para atividades etnográficas. O grupo teve a parceria do Laboratório de Geoprocessamento Aplicado do Instituto de Geografia, Desenvolvimento e Meio Ambiente (Igdema), que possibilitou a demarcação da área da IG, com GPS.

Resultados

Questionários aplicados a turistas, comerciantes e produtores de filé situados em locais estratégicos, como Pontal da Barra, Praia do Francês e Barra de São Miguel, auxiliaram os pesquisadores.

O intuito foi a formulação de uma espécie de 'raio x’ do lugar que o filé ocupa na vida dessas comunidades, sob os pontos de vista comercial e cultural. A partir dos dados coletados, fizemos o relatório”, detalhou Bruno César Cavalcanti. O relatório elaborado pelo grupo serviu de subsídio para o futuro pedido de registro da IG.

O docente ressaltou a importância do estudo diante do novo cenário econômico das famílias artesãs. “Esse trabalho comprova a relevância do filé para a economia da área do CELMM e o papel de destaque que ele ocupa na renda familiar de seus produtores. Trata-se de um ofício bastante tradicional, familiar e comunitário, que envolve saberes e técnicas transmitidas por diversas gerações. Além disso, é especialmente importante como meio de inserção das mulheres no mercado de trabalho, fato que é ainda mais significativo quando verificamos que há uma crise na pesca”, avaliou.

Ícone alagoano

O filé está entre os elementos que mais traduzem o território alagoano. Esse tipo de bordado está em diferentes cenários e é característico da “Terra dos Marechais”. A beleza dos pontos e das cores despertou o interesse de grandes nomes da moda nacional pela técnica preservada em Alagoas.

Em agosto deste ano, a marca carioca Cantão apresentou sua coleção primavera/verão baseada no filé local, durante a Semana da Moda Alagoana, a Trend House 2013. Cerca de 40 artesãs do Complexo Mundaú e Manguaba estiveram envolvidas na produção de peças que abrilhantaram vestidos, blusas, bolsas e sandálias da loja.

Hoje, o filé é um ícone territorial, uma identidade visual da nossa terra. Ele possibilita uma retroalimentação de significados. Por isso, a Ufal tem feito ações em parceria com órgãos de governo e instituições de desenvolvimento que possibilitam a valorização desse bem e, com isso, das comunidades produtoras”, enfatizou Bruno César.