“Que o Estado coloque os direitos coletivos acima dos pessoais”
- Atualizado em
Manuella Soares - Jornalista
Adepto da Teologia da Libertação e militante de movimentos pastorais e sociais, Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, esteve em Maceió para participar da 6ª Bienal Internacional do Livro, promovida pela Universidade Federal de Alagoas. Em sua visita à cidade, depois de ministrar palestra sobre A crise na modernidade e a espiritualidade no século 21, o religioso concedeu entrevista exclusiva à Assessoria de Comunicação da Ufal. Autor de 57 livros, Frei Beto foi preso duas vezes durante a ditadura militar; foi coordenador de mobilização social do Programa Fome Zero; e vencedor de vários prêmios pela atuação em prol dos direitos humanos. Frei Betto, mineiro de Belo Horizonte, falou sobre a preservação dos valores humanos e o papel das principais instituições sociais.
Ascom - Como transmitir os valores humanos através da leitura?
Frei Betto - A escrita é um meio privilegiado, porque é perene e nós podemos conhecer a vida de muitas pessoas; conhecer os grandes erros que a humanidade cometeu; através da escrita temos acesso à bíblia, à palavra de Deus; à Constituição Brasileira, que são os princípios reges da nação, enfim, a escrita é um veículo onde as ideias, os valores, os sonhos e as propostas estão consolidados na forma de letras, na forma de sinais gráficos que permanecem para sempre.
Ascom – O senhor fala sempre sobre os perigos da destituição das instituições 'Escola', 'Igreja', 'Família' e 'Estado'. Como resgatar os valores de cada uma?
Frei Betto - Primeiro, nós temos que admitir que essas quatro instituições estão mudando de perfil e não ficar na nostalgia que elas voltem a ser o que eram. Elas sempre tiveram essa mutação ao longo da história, o problema é que nós só temos memória do período em que estamos vivos. Em segundo lugar, temos que buscar nessas instituições os valores centrados na vida. Então, no caso do Estado, que ele promova o bem comum, que seja o grande provedor da nação e que coloque os direitos coletivos acima dos privilégios e dos direitos pessoais.
No caso das Igrejas, que elas sejam abertas e seguidoras de Jesus e não autoritárias, fundamentalistas, impositivas, moralistas. No caso da Família, que ela seja aberta aos novos perfis de relacionamento sexual, afetivo, amoroso, sem preconceito, sabendo que a família monogâmica, ocidental, machista, tal como a conhecemos, não é uma imposição divina e nem muito menos perene, isso sofre mutações. Por último, é preciso que a Escola passe por uma evolução, começando por uma qualidade maior na escola pública, com maior acesso dos alunos e de tempo integral, porque eu não acredito em qualidade de escola onde o aluno permanece apenas quatro horas por dia.
Ascom – Especificamente sobre a Família, como não deixar que ela se dissolva na modernidade?
Frei Betto - Bem, a Família precisa cultivar a espiritualidade. Não estou falando de religião, estou falando de valores subjetivos, de princípios, de ética, de encontro, de comensalidade. Uma família que não se reúne em torno da mesa, que não ensina para as crianças o respeito àqueles que prepararam a comida, àqueles que limpam a casa, que fornecem os alimentos; uma família que cultiva uma posição arrogante diante dos subalternos está cultivando uma formação nociva para os futuros adultos. A família precisa ser alegre! Numa época importante como o Natal, é preciso celebrar o nascimento de Jesus e não cair no mercado do mercantilismo do Papai Noel. Numa época como a Semana Santa, que não seja uma mera miniférias, mas que seja um momento de lembrar a Paixão, a morte e a ressurreição de Jesus, ou seja, um momento de respeito à fé dos cristãos. Eu creio que a família precisa desligar um pouco a TV, desligar um pouco a internet e se ligar mais, interagir mais, com viagens, passeios, ter um domingo de lazer... isso é fundamental.
Ascom – Em relação à Escola, com a educação em tempo integral - como o senhor propõe que é a ideal -, é possível blindar os jovens das tentações e vícios do “mundo externo”?
Frei Betto – Não há como blindar, a Escola é uma comunidade que pode ser graficamente representada por um quadrado dentro de um círculo. Os quatro ângulos do quadrado são: alunos, professores, funcionários e família. O círculo é a comunidade na qual a Escola se insere. Por exemplo, se ela está num bairro pobre, tem que estar ligada às famílias que estão ali. Do mesmo jeito, é preciso estar em sintonia se ela fica num bairro que tem uma quadra de esporte, um assentamento ou num bairro que é rico. Então, eu creio que uma Escola que integra os quatro pontos e ao mesmo tempo se abre à comunidade maior, a qual ela se encontra fisicamente localizada, vai educar os seus alunos a não ceder às tentações nocivas da pós-modernidade.
Ascom – Alagoas tem graves índices de violência. Muitos dos números estão relacionados às drogas. Qual o papel que o senhor imagina que deve ser exercido pelo Estado?
Frei Betto – Primeiro, uma política de repressão ao narcotráfico, mas, sobretudo, uma política penitenciária de recuperação daqueles que estão presos, porque, uma vez soltos, eles vão voltar para o narcotráfico. Uma política também aos que sofrem da dependência química, não tratando como marginais, bandidos, foras da lei, mas, sim, como pessoas que precisam ser ajudadas, apoiadas e acolhidas.
Ascom – E sobre a Igreja, como o senhor enxerga essa renovação que ela tem passado, em especial por meio do papa Francisco?
Frei Betto – Muito positivamente. Viva o papa Francisco que já começou a reforma da Igreja pelo papado! Agora, com a comissão dos oito cardeais do mundo inteiro vai fazer a reforma da cúria e, tomara que, finalmente, aplique à Igreja Católica as decisões do consílio do Vaticano, que acaba de fazer 50 anos, mas ainda não foi levado a efeito, infelizmente.
Ascom – É de sua autoria o livro O que a vida me ensinou. Como resumir o que a vida ensinou ao frei Betto?
Frei Betto - A vida me ensinou a ser feliz, sendo responsável, comprometido, aberto e seguidor de Jesus, dentro das minhas limitações.