Metade dos pacientes com câncer procura tratamento tarde demais

Pesquisa realizada pela Escola de Enfermagem da Ufal analisou os motivos da preocupante estatística dos pacientes que não têm a chance de cura da doença


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Vinícius Rodrigues e sua orientadora Maria Cristina Trezza
Vinícius Rodrigues e sua orientadora Maria Cristina Trezza

Manuella Soares - jornalista

Quem já recebeu o diagnóstico de câncer sabe que não é fácil. Mas, por mais inexplicável que sejam os sentimentos nessa hora, sempre há um fio de esperança pela cura. A dor maior é quando o profissional de saúde derruba, em poucas palavras, toda a expectativa sobre uma vida prolongada. Segundo dados de uma pesquisa orientada pela professora Maria Cristina Trezza, da Escola de Enfermagem e Farmácia (Esenfar) da Universidade Federal de Alagoas, pelo menos metade dos pacientes com câncer só procura tratamento médico quando a doença já está num estágio avançado.

“Essa é uma realidade triste, mas comum também em Alagoas. Procuramos entender o que leva uma pessoa a buscar ajuda numa fase onde já não há mais o que fazer para curá-la”, contou Trezza. A pesquisa, cujo resultado fundamentou o Trabalho de Conclusão de Curso de Vinícius Rodrigues, investigou a vivência do paciente oncológico antes do diagnóstico. Os relatos coletados no Hospital Universitário da Ufal levaram aos mesmos caminhos identificados pelos pesquisadores, que demonstram uma sucessão de erros cometidos. Esses comportamentos são representados no trabalho pelo conjunto de três “fenômenos”.

O primeiro deles é a fase quando a pessoa está cercada de condições favoráveis ao adoecimento, como por exemplo, não ter hábitos alimentares e físicos saudáveis, beber, fumar, ou várias dessas atitudes associadas. “O preocupante é que essas pessoas consideraram que sua vida antes do câncer era saudável e normal, mesmo que tivesse hábitos de vida não saudáveis ou vivessem situações de grande sofrimento mental. Na verdade, elas vivem uma ilusão”, comentou Vinícius.

Pacientes não conseguem interpretar sinais

A ilusão de que o câncer não vai se manifestar no próprio corpo, leva a decisões equivocadas quando o organismo começa a apresentar sinais da doença. “Esse é o segundo fenômeno, quando a pessoa tem sangramento, ou manchas diferentes, ou ainda caroços que crescem discretamente, e muitos outros sintomas que confundem o paciente. Por tanto, ele não se trata de maneira correta por interpretar as tais mudanças no corpo como uma doença comum e passageira”, alertou Trezza.

A pesquisa aponta que nessa fase, os pacientes entrevistados recorreram a receitas caseiras, dicas de farmacêuticos, ou até buscaram postos de saúde onde não realizaram exames específicos e tiveram o diagnóstico errado ou impreciso. É também nesse estágio que algumas pessoas passam por uma agitação mental e psicológica sobre falar ou não o que está sentindo com medo de preocupar os familiares ou pessoas próximas. “Algumas vezes o paciente tem vergonha e não quer se expor a exames que detectam a doença”, completou a professora.

Descoberta na etapa de cuidados paliativos

O tempo é o maior inimigo de uma doença que avança num ritmo jamais imaginado, de acordo com cada organismo e tipo de tumor. O enfermeiro Vinícius Rodrigues observou que mais da metade dos pacientes que chegaram ao Centro de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon) do HU, em Maceió, só procuram ajuda profissional específica após as tentativas de cura em casa, sem saber qual doença enfrentava.

“Aí já é tarde demais. Os médicos não têm mais o que fazer, a não ser, cuidar paliativamente, medicar o paciente para que não sinta dor ou tantos desconfortos que o câncer causa”, indicou Vinícius. Esse último fenômeno é tão preocupante quanto assustador. De acordo com a pesquisa, nos últimos cinco anos, a mortalidade relacionada ao câncer representou cerca de 17% dos óbitos registrados no país, constituindo a segunda causa de morte na população.

Para mudar as estatísticas, Cristina Trezza acredita que é preciso um grande trabalho de incentivo aos cuidados com a saúde, mudança de hábitos e identificação dos sintomas. “A gente falha muito na abordagem do câncer, porque os profissionais querem tratar a doença, e não a pessoa. Mas acredito que não é a doença na pessoa, e sim a pessoa com a doença, o tumor. A nossa investigação apresenta vários elementos chaves que o enfermeiro ou outro profissional da saúde possam analisar para criar estratégias no sentido da promoção da saúde e prevenção do câncer, atentando principalmente para os sinais de alerta da doença”, ressaltou.

Cuid(a)ção

A professora Cristina Trezza e o enfermeiro Vinícius Rodrigues fazem parte do grupo “Cuid(a)ção”, promovido por estudantes e professores da Esenfar, com o objetivo de capacitar a família para cuidar, em domicílio, do seu familiar em fase final de câncer; além de contribuir para a formação do estudante de saúde na área de Oncologia.

Tal iniciativa visa a subsidiar uma posterior criação do Serviço de Suporte Terapêutico Oncológico (STO) do Cacon, garantindo uma melhor qualidade de vida aos pacientes e suas famílias e a continuidade da assistência ao usuário em fase final de câncer, que se encontra em seu domicílio e fora de possibilidades terapêuticas.

As famílias capacitadas por esse projeto têm aulas teórico-práticas no Laboratório de Enfermagem; participam de grupos de troca de experiências com outras famílias e, posteriormente, são acompanhadas pela equipe multidisciplinar executora, por meio de duplas de estudantes que adotam essas famílias, acompanhando-as em domicílio, no desenvolvimento das experiências trabalhadas na capacitação e em suas necessidades.