Pedagoga analisou formação de gentleman na história da educação alagoana

Conhecimento em vários idiomas e repúdio ao trabalho braçal são característicos das primeiras escolas do Estado


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Fabrícia Albuquerque apontou que ainda no primário, os alunos da Província tinham acesso a livros estrangeiros
Fabrícia Albuquerque apontou que ainda no primário, os alunos da Província tinham acesso a livros estrangeiros

Jhonathan Pino - jornalista

Imagine uma escola formada por estudantes com conhecimento nas línguas grega, latim, francês, inglês e na retórica, ostentando de todos os preceitos para o status de um verdadeiro gentleman. Durante quase meio século esse foi o perfil do alunado nas instituições de ensino na antiga Província alagoana. A realidade, atípica aos dias atuais, foi analisada pela aluna do mestrado em Educação, Fabrícia Albuquerque, cujo resultado foi apresentado na sexta-feira, 2 de agosto, sob o título “A Tradição Humanista no Ensino Secundário de Alagoas (1839- 1889): herança de antigas matrizes”, sob orientação do professor Walter Matias.

“Quanto ao que denominamos de formação de gentleman, destacamos que os estudos de base humanista estavam sendo utilizados como instrumento de definição de comportamentos considerados adequados para as classes mais abastadas”, explica Fabrícia.

Na época, estudantes do Liceu Alagoano e da Escola Normal da Província Alagoana, ambas públicas, buscavam imitar modelos estrangeiros de ensino, principalmente da educação europeia, e tinham como modelo o Colégio da Corte: Pedro II, no Rio de Janeiro, na época sede do império brasileiro.

A ênfase do ensino era baseada no “Humanismo histórico-literário”, caracterizado pela assimilação de valores humanos por meio de autores clássicos greco-romanos, a partir memorização de conteúdos livrescos, além da preocupação com a retórica e a imitação de um estilo considerado como refinado, em detrimento da formação para o exercício de ofícios.

O foco do ensino era a preparação para o Ensino Superior, aliado ao desprezo pelos trabalhos manuais/braçais, identificados com as classes populares, ou mesmo com o trabalho escravo. “Os estudantes do ensino secundário alagoano do período imperial eram predominantemente do sexo masculino. Tratava-se, em sua maioria, de um público jovem e que para estudar nas instituições, tanto públicas quanto particulares, precisavam dispor de recursos financeiros, pois eram pagas, e há registros, inclusive, da exigência de compra de materiais como enxovais”, relata Fabrícia.

Formação atendia várias classes sociais

Apesar de parecer elitista, a pesquisadora relata que em Alagoas as escolas mantinham crianças de diferentes procedências. Na Villa de Penedo, por exemplo, os alunos proviam de diversas profissões e lá os filhos de negociantes, ourives, alfaiates e empregados públicos tinham acesso à aula de gramática francesa. O predomínio masculino mantinha uma proporção de 12 meninos para cada menina em sala de aula.

Em Alagoas, também existiam as escolas particulares, como o Colégio São José (que não é o mesmo da atualidade), o Colégio do Bom Jesus, e o Gymnasio Alagoano, todos com forte influência da igreja. “No caso do ensino secundário público, por exemplo, mesmo sendo de responsabilidade do Estado, tinha um grande vínculo com a Igreja Católica, seja na presença de professores-padres, seja na recomendação de práticas da religião. Além disto, não podemos esquecer que neste período também havia diversos colégios abertos por particulares, bem como, seminários ligados a Ordens religiosas”, enumera Fabrícia.

A pesquisadora também apontou que apesar de posições contrárias a esse tipo de ensino, como Thomás Espíndola e Humberto Bastos, foi o intenso revezamento de governantes na província que impossibilitaram a alteração do sistema por um longo tempo. “Outro exemplo da presença da tradição clássico-humanista em Alagoas foi o Liceu de Artes e Ofícios de Alagoas. Este último, apesar de ser criado com a intenção de ensinar ofícios, tinha um programa de estudos predominantemente baseado nas chamadas Humanidades”.