Pesquisador alerta para a necessidade de melhorar a convivência entre o homem e os cursos de água nas cidades

Modelos de ocupação urbana devem mudar para levar em conta o curso natural das águas e respeitar leitos de rio e zonas de alagamento


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Professor Marllus Neves
Professor Marllus Neves

Lenilda Luna - jornalista

Bastam algumas horas de chuva para a cidade de Maceió ficar com várias ruas alagadas. Os transtornos para os moradores são vários, desde as dificuldades no trânsito até a proliferação de doenças hídricas. Nessas horas, as pessoas costumam "culpar" o clima ou reclamam da Prefeitura. Mas a questão, segundo o pesquisador Marllus Neves, é bem mais complexa. O professor do Centro de Tecnologia (Ctec) da Universidade Federal de Alagoas é formado em Engenharia Civil, com doutorado em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental, e avalia que a ocupação urbana foi mal planejada na maioria das cidades, desconsiderando áreas onde naturalmente acontecem cheias periódicas ou alagamentos. "Não avaliamos corretamente o terreno, ocupamos, e depois reclamamos quando acontecem os problemas", alertou o pesquisador.

Marllus Neves desenvolve estudos para entender "como chegamos aonde chegamos" e que alternativas podemos construir daqui para a frente. O crescimento dos centros urbanos foi vertiginoso, nas últimas décadas, e os modelos de cidade estão muito perto do colapso em vários serviços. A capital alagoana, por exemplo, teve um crescimento de 95% no número de habitantes, nos últimos 20 anos. Engarrafamentos, inundações, violência... Será que dá para pensar em cidades melhores, onde a qualidade de vida seja possível? É o que o pesquisador busca refletir com os alunos de Engenharia.

Para o pesquisador, precisamos mudar o paradigma de relação com a água no meio urbano. "Desde a idade média, quando surgiram as primeiras cidades, as águas foram canalizadas para o escoamento dos dejetos. Jogavam-se os esgotos e o lixo na água, para que toda a sujeira escoasse para longe das casas, mas não se pensava muito onde todos esses dejetos iam parar, o que iriam contaminar e o que aconteceria numa situação de alagamento. Este modelo higienista não mudou muito depois de séculos. Ainda despejamos esgotos nos rios e córregos, sem pensar nas consequências. Além disso, ainda consideramos que canalizar os rios é um sinal de desenvolvimento", ponderou.

O problema se agrava com a impermeabilização do solo. "Nas cidades, o costume é asfaltar praticamente toda a área construída. Até mesmo o estacionamento tem que ser todo pavimentado, com pouca ou nenhuma jardinagem. Como a água pode ser absorvida pelo solo nessa condição? E depois reclamamos que, basta uma chuva, para alagar tudo. É evidente que isso vai acontecer se não considerarmos a passagem da água, para onde ela escoa quando chove", considerou Marllus. O professor também alerta para a visão pontual do problema, ignorando todo o processo. "A macrodrenagem do Tabuleiro é um bom exemplo disso. Resolveu o problema de alguns condomínios da parte alta da cidade, mas tornou crítica a situação dos moradores de Jacarecica", destacou o professor.

Quais são as alternativas?

Em seus estudos, Marllus Neves analisa duas linhas: a compensatória e o desenvolvimento de baixo impacto. A alternativa compensatória se caracteriza por propostas que buscam compensar os efeitos da impermeabilização de superfícies, como o planejamento em escala de bacia, dispositivos para armazenar e infiltrar águas pluviais e dispositivos com objetivos múltiplos. A barragem conhecida como açude da coca-cola, no Tabuleiro, é um exemplo dessas medidas compensatórias. Um local para onde a água pode correr, sem causar alagamentos que afetem as habitações.

Outro exemplo são tanques de água construídos no aeroporto de Maceió, cercados por vegetação, o que tem um efeito paisagístico também. "Os reservatórios de água das chuvas nas cidades poderiam até ser lugares bonitos, cercados de verde, com a construção de praças, mas essa convivência agradável com as águas acumuladas só é possível quando se consegue evitar o mal cheiro provocado pelo lixo e pela contaminação com esgotos", alertou o professor.

Já a nova abordagem, conhecida como Desenvolvimento de Baixo Impacto, com a sigla LID, nos Estados Unidos, e WSUD, na Austrália, busca antecipar o planejamento da drenagem ao projeto arquitetônico-estrutural de empreendimentos, ou seja, é preciso conhecer bem o terreno antes de construir nele. No planejamento arquitetônico, é necessário considerar a conservação e aproveitamento de características naturais do solo e vegetação. Também são implementadas práticas de tratamento e controle integradas às atividades locais em pequena-escala.

Outra questão é respeitar os caminhos naturais de drenagem, ou seja, não construir no caminho de passagem das águas e onde elas se acumulam mais. "Se pensássemos assim, o próprio Ctec não teria sido construído na parte baixa do terreno da Ufal, para onde escoam as águas da chuva. Sentimos os efeitos disso em 2010, quando nosso prédio ficou completamente alagado e perdemos muitos equipamentos", lembrou o pesquisador.

Planos municipais

A aposta de um futuro melhor para as cidades foi condensado nos planos diretores, com todos os limites que devem ser respeitados pelos empreendedores, gestores e munícipes, no desenvolvimento de projetos urbanos. "A cidade de Maceió tem um plano diretor de 2005, que prevê algumas medidas para compensar os efeitos da impermeabilização do solo e do desmatamento. Mas esse documento ainda é pouco conhecido e, por isso mesmo, nem sempre é respeitado", críticou o professor. O Plano Diretor de Maceió deverá ser debatido e até reformulado pela nova legislatura da Câmara de Vereadores, diante dos novos desafios com o crescimento imobiliário na parte alta da cidade.

E há ainda mais uma tarefa importante, que é a elaboração do Plano Municipal de Saneamento, previsto na Lei Federal de Saneamento Básico, nº 11.445/2007. "Essa lei prevê que até 2014, todos os municípios devem apresentar o plano local. A cidade que não cumprir a determinação vai ficar sem receber recursos federais para o saneamento. Em Maceió, esse trabalho começou a ser discutido na gestão anterior, mas não foi sequer iniciado. Temos pouco mais de um ano para cumprir o prazo", alertou Marllus Neves.