Pesquisadores estudam soluções para os problemas urbanos de Maceió

Em entrevista ao Portal da Ufal, o coordenador do Núcleo de Estudos de Morfologia dos Espaços Públicos (MEP) apontou os principais problemas e as possíveis soluções em tópicos como mobilidade, lazer e meio ambiente na cidade


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Professor Geraldo Majela, coordenador do Núcleo de Estudos de Morfologia dos Espaços Públicos
Professor Geraldo Majela, coordenador do Núcleo de Estudos de Morfologia dos Espaços Públicos

Pedro Barros - estudante de Jornalismo

Muito espaço para carros, pouco para lazer; ruas onde mal se pode caminhar; conjuntos habitacionais isolados, sem nenhuma ligação entre si; poluição; setores da cidade muito saturados ou construídos sem planejamento. São muitos os problemas urbanos da cidade de Maceió e todos eles são objeto de pesquisa do Núcleo de Estudos de Morfologia dos Espaços Públicos (MEP), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). 

O grupo trabalha em parceria com o Laboratório de Paisagismo (Quapá-Sel), da Universidade de São Paulo (USP), e em rede com várias universidades do Brasil. O objetivo é identificar "a cara da cidade brasileira", nas palavras do coordenador do laboratório paulista, Sílvio Soares Macedo. "A cidade brasileira é mais de casas ou de prédios? É muito ou pouco construída? Nas residências, moram muitas ou poucas pessoas? A partir desses trabalhos pretendemos fazer uma síntese que possa colaborar para o plano diretor da cidade e a contribuir com políticas públicas", explicou o especialista, que fez palestra em uma oficina promovida, em maio deste ano, pelo MEP, sobre sistemas de espaços livres, tecidos urbanos, grandes empreendimentos previstos para a capital e legislação urbanística de Maceió. O encontro foi o sétimo de 35 oficinas realizadas em capitais e cidades de porte médio do Brasil.

Criado em 2003, a partir do Grupo de Estudo de Problemas Urbanos (Gepu), o MEP conta hoje com uma equipe de dois doutores, Geraldo Majela e Verônica Robalinho, que trabalham em conjunto com doutorandos, mestrandos, estudantes de graduação bolsistas e colaboradores. A equipe busca ampliar o conhecimento teórico e prático sobre como os modos de sociabilidade se relacionam com a forma da cidade e das edificações.

O coordenador Geraldo Majela, formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Paraná (UFPA) e doutor em Sociologia pela Universidade de Paris 1 (Panthéon-Sorbonne), concedeu entrevista ao Portal da Ufal para falar um pouco dos temas trabalhados na oficina e os principais problemas urbanos de Maceió – além das possíveis soluções. Atualmente, ele é professor da Ufal, no mestrado em Dinâmicas do Espaço Habitado e no doutorado em Cidades.

Ascom - O tema da oficina realizada em maio foi "Sistema de espaços livres e forma urbana". O que são espaços livres?
Geraldo Majela - A forma da cidade tem espaços construídos e não construídos. Espaço livre é tudo que está "lá fora", tudo que não foi edificado, seja público (as orlas, parques, praças, ruas, calçadas etc.) ou privado (como os quintais e os jardins das casas). Eles são importantes não só para o deslocamento, mas para coisas mais profundas, que incluem as atividades sociais, culturais, religiosas e políticas; são necessários na vida cotidiana, nos grandes eventos ou no lazer. Os espaços livres públicos, especificamente, existem porque não vivemos isolados das outras pessoas. Se você mora sozinho, na sua propriedade, você faz seu caminho para buscar água no poço, por exemplo. Mas se você mora num agrupamento, será necessário definir claramente quais são os caminhos comuns a todos, tanto para buscar água no poço, quanto para reuniões ou quaisquer outras atividades coletivas.

Ascom - O que é um sistema de espaços livres?
Geraldo - É o conjunto formado pelas Áreas de Proteção Permanente (APPs), áreas urbanas de uso público (como as ruas e as praças) e os espaços livres no interior das quadras (como recuos, jardins e afastamentos laterais das casas). Esses três tipos fundamentais constituem um ambiente responsável pela qualidade de vida urbana. Encaramos esse conjunto como um sistema e estudamos a melhor forma de representá-lo, como ele funciona e quais suas tendências. As APPs, em especial, não podem ser ocupadas. São os córregos, as margens de rios e de riachos, as áreas naturalmente alagáveis, encostas, orlas de praia, de lagoas e recifes. Esses espaços têm uma função importante no equilíbrio natural do ambiente: mesmo dentro da cidade, devem ser preservados. O indivíduo não vive numa bolha, isolado da natureza. Precisamos da luz do sol para energizar o ambiente, precisamos da circulação do ar, e as construções limitam isso. A flora e a fauna urbanas também precisam de espaço. As árvores exercem funções imprescindíveis na qualidade do meio urbano, como sombreamento, umidade e retenção da chuva, que evita alagamentos.

Ascom - Existem leis que regulamentam os espaços livres?
Geraldo - O Plano Diretor e o Código de Urbanismo são os instrumentos norteadores para a formação da cidade. Eles definem claramente, por exemplo, até quanto você pode ocupar o lote com construção ou os recuos necessários numa edificação em relação às outras. Tudo para evitar problemas como tapar o vento ou a luz. Se alguém chega com ideias malucas, o código diz "espere um pouco, você tem que respeitar o vizinho". Fizemos simulações de computador, analisando mudanças no Plano Diretor. Se for alterado, por exemplo, a testada dos terrenos [a largura do espaço de um terreno virado para a rua], a profundidade e a taxa de ocupação, o que se pode obter em termos de área construída a mais ou a menos, forma e ventilação resultante, o que poderia resultar de espaços livres? Como poderíamos contribuir com o Plano Diretor, para readequá-lo conforme as características naturais e climáticas da região de Maceió? Nesse trabalho, temos como parceiro o Grupo de Estudos da Atmosfera Climática Urbana (Gatu) da Ufal, que funciona em Maceió e em Arapiraca.

Ascom - O que são tecidos urbanos?
Geraldo - São as formas de arruamento e tipos de construções. Procuramos construir uma classificação: há lugares que têm conjuntos só de casas horizontais, outros têm conjuntos só de prédios; outros têm casas e prédios; os prédios, às vezes, estão enfileirados, outras vezes, dispersos. Cada tecido desses tem espaços livres típicos. Essa análise da cidade de Maceió ainda não está sistematizada, mas já temos um mapa feito à mão.

Ascom - Que obras previstas ou em andamento são objetos de estudo do MEP?
Geraldo - Estudamos as principais ações e empreendimentos previstos para a cidade, tanto do poder público quanto do capital privado. Durante a oficina, identificamos os principais investimentos que serão feitos em eixos viários: a duplicação da Via Expressa e da AL-101 Norte; a construção prevista de um viaduto onde fica o Departamento da Polícia Rodoviária Federal; da Via Lagunar (na margem da lagoa Mundaú) e da Ecovia Norte (ligando os bairros Benedito Bentes e Guaxuma); e algumas já implantadas, mas ainda em processo de consolidação, como as avenidas Márcio Canuto, Josefa de Melo e Pierre Chalita.

Ascom - Qual sua análise sobre os novos empreendimentos residenciais de Maceió?
Geraldo - O capital privado provavelmente vai seguir em direção ao Litoral Norte. Nas áreas mais consolidadas (orla, Farol e em direção ao Tabuleiro), dois processos podem ocorrer: a ocupação dos vazios e a substituição das antigas construções por outras maiores. A expansão de loteamentos populares e conjuntos habitacionais já têm números enormes, de três mil a quatro mil casas, como os do programa Minha Casa Minha Vida. A Prefeitura deveria coordenar melhor seus investimentos. Ao fazer um loteamento, deve-se observar se há outro do lado e quais são as ruas existentes para conectá-las. Deve-se criar vias prevendo-se a expansão. Muitos são aprovados sem que isso seja feito. Depois, resolver a falta de ligações é muito caro e envolve muitos transtornos, por causa das desapropriações. Uma ocupação muito preocupante é a do leste da cidade, que se aproxima das bacias dos riachos Jacarecica, Guaxuma, Garça Torta, Riacho Doce e Pratagy. Toda essa área não é aconselhável para ocupação, pois o relevo não contribui, são terrenos muito acidentados. Vai formar não um tecido urbano, como temos aqui na parte do Tabuleiro dos Martins, que é contínuo, plano. Lá existem tabuleiros muito estreitos, que vão formar conjuntos muito isolados uns dos outros e a infraestrutura disso fica muito cara. Vai custar muito ligar água e esgotamento. E o risco é que o esgoto vá para os riachos. Imagina você reproduzir o Salgadinho ao longo do litoral norte. O Riacho das Águas Férreas, ali em Cruz das Almas, já é um novo Salgadinho, onde desagua o chorume do antigo lixão e o esgoto que vem da Grota do Arroz.

Ascom - Quais medidas precisam ser tomadas para melhorar a qualidade da cidade de Maceió?
Geraldo - Qualificar os espaços de circulação de pedestres, os meios alternativos de mobilidade (como ciclovias) e os parques; dar mais qualidade ao sistema viário, pois estão se concentrando muito nos grandes eixos viários, enquanto as obras são executadas com poucas ligações e alternativas; e, claro, qualificar a infraestrutura urbana. Vemos em Maceió ruas empossadas, esburacadas e esgotos a céu aberto. Isso é inadmissível no século 21.

Ascom - Ano passado, o Parque Municipal de Maceió ficou fechado por quase oito meses. Os parques estão recebendo pouca atenção do poder público?
Geraldo - É preciso dar utilidade a eles. Há muita atenção voltada para a orla. De fato, ela é grande parte da cidade, mas as áreas de preservação ambiental não estão tendo a atenção merecida. Se você não dá uso, se não abre ao público, elas acabam ficando abandonadas, sujeitas a invasão, etc.

Ascom - Como tornar melhores os espaços de circulação de pedestres?
Geraldo - Eles devem ser ampliados, ter mais vegetação para sombreamento e um maior caráter de segurança. Antigamente, a gente tinha casas de muros baixos ou apenas com grades. Isso dava uma transparência, é como se a rua ampliasse; hoje, com muros altos e fechados, ela vira uma "rua corredor", em que os indivíduos ficam inseguros, isolados. Os condomínios tentam criar segurança com o controle do acesso das pessoas, formando ruas privadas e sem muros. Ele tenta produzir o ideal da cidade, mas parece que do lado de fora não se consegue criar esse ideal. É um problema de violência... Tem também o problema das calçadas. Para que duas pessoas passem em sentidos diferentes sem se esbarrarem, elas devem ter no mínimo 1,20 m, pois a largura média do ombro é 60 cm. Mas se você coloca um poste ou uma árvore, essa medida não é o suficiente. Às vezes, é bom esbarrar para criar um clima de convivência, mas é melhor evitar [risos]. Conjuntos habitacionais, mesmo que de casas pequenas, não serão, para sempre, do mesmo jeito. O bairro da Ponta Verde, por exemplo, foi organizado inicialmente como apenas um loteamento de casas. Depois, elas foram substituídas por prédios altos: onde morava uma família, hoje moram 20; onde tinham 2 carros, hoje tem 40. Resultado: as calçadas tornaram-se pequenas. Foi permitida a expansão vertical da cidade sem se pensar na ampliação das calçadas. Até mesmo um recuo maior do prédio poderia ser a solução.