Câncer de mama: um exemplo de amor à vida e de superação

Professora do Centro de Educação, Reneude de Sá, conta como reagiu ao descobrir o câncer de mama e o que fez para buscar a cura


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Reneude, de lenço, porque já estava sem os cabelos, no dia de qualificar a tese
Reneude, de lenço, porque já estava sem os cabelos, no dia de qualificar a tese

Lenilda Luna - jornalista 

Histórias de superação sempre emocionam. Pessoas passam por dificuldades todos os dias, de vários tipos, mas é como elas reagem, que lições elas tiram do momento de crise, que faz a diferença. Reneude de Sá é uma dessas pessoas cujo bom-humor, a vontade de viver e a coragem impressionam. Neste mês dedicado às ações de conscientização sobre a importância de prevenir o câncer de mama, fazer autoexame, procurar o médico, Reneude compartilhou sua experiência de dor e determinação. 

Reneude de Sá é pernambucana, foi aprovada em concurso para professora da Ufal em 1995, e desde então atua como pesquisadora no Centro de Educação da Ufal. Quando tudo começou, em 2010, ela estava realizando uma pesquisa etnográfica para elaborar o projeto de tese de doutorado, na PUC-SP. "Como era uma pesquisa de campo, com a comunidade quilombola do povoado Muquém, em União dos Palmares, passei uma parte deste ano morando com uma família quilombola. Queria saber mais sobre o dia-a-dia deles", relata a professora. 

Depois do tempo de convivência com os quilombolas, Reneude retornou para São Paulo, no final de 2010, para fazer o relatório e se preparar para o exame de qualificação da pré-tese. A rotina de muito estudo prosseguiu até o ano seguinte, quando veio o choque. "Eu tinha feito aniversário no dia 18 de abril, dois dias depois, fui fazer compras no supermercado. Eu morava num pequeno apartamento da avenida Paulista. Quando passei com os pacotes na porta da cozinha, acabei batendo o peito contra o portal e a dor foi aguda, insuportável", recorda a professora. 

No momento da pancada, a professora levou a mão ao seio, instintivamente, e então sentiu um tumor. O impacto foi imediato. "Corri para o quarto, tirei a roupa e me olhei no espelho. O tumor era visível, a pele estava enrugada em volta. Todos os sinais que nos alertam para perceber no autoexame estavam ali. Então veio o pasmo absoluto: comigo? Como é possível? Eu sou uma mulher esclarecida, uma pesquisadora, uma intelectual, como não percebi nada disso antes?!", questionou-se Reneude. 

Já eram onze horas da noite quando Reneude descobriu o tumor. Passado o momento de impacto, ela começou a decidir o que fazer. "Não quis ir para uma emergência. Então, fui dormir e no outro dia, bem cedinho, em pleno feriado de 21 de abril, andei pela Paulista praticamente deserta, peguei o metrô e fui para o hospital A.C.Camargo, uma referência no tratamento de câncer. Lembro que no caminho, estava atenta a cada passo, à paisagem, ciente de cada atitude, como se a consciência da vida estivesse mais forte naquele dia, como se não quisesse deixar passar nenhum detalhe do mundo que me cercava", relatou a professora. 

O tratamento 

No primeiro atendimento emergencial, a médica encaminhou Reneude para o ultrassom. Foi constatado um tumor de 3 cm de diâmetro. "Fiquei com medo. Nesse tamanho, eu sabia que a cura seria difícil. Na segunda-feira seguinte, voltei para fazer vários exames e uma consulta com o mastologista. O diagnóstico saiu em mês. Era um tumor maligno, invasivo, um carcinoma. Ouvir um resultado desses é assustador", disse Reneude. 

A cirurgia aconteceu um mês depois do diagnóstico. Além de uma das mamas, Reneude precisou extirpar também os linfonodos que estavam comprometidos. "Depois da cirurgia veio todo o processo de aprender a lidar com essa nova situação de vida e, ao mesmo tempo, eu precisava me determinar a terminar o que tinha ido fazer em São Paulo, que era o doutorado. Sentei e pensei: só tenho duas opções, ou me prostro e me entrego a morte, ou vou à luta, catar a vida. Fiz a segunda opção", determinou-se. 

Reneude enfrentou a pós-cirurgia. Esperou a cicatrização e precisou fazer fisioterapia para recuperar o movimento do braço. Depois começaram as sessões quinzenais de quimioterapia, durante seis meses. Nesse período, amigos e familiares, de Pernambuco e de outros estados, fizeram um revezamento e viajaram para ficar com ela. Além desse apoio, o grupo da Mama, o acompanhamento psicológico e a participação em atividades lúdicas e de lazer, ajudaram Reneude a enfrentar os efeitos do tratamento. 

Ela também escreveu muito sobre o que estava passando. Difícil imaginar como encontrava tempo. Foi até orientada a fazer um blog, mas não conseguiu, por conta da elaboração da tese. Em uma das mensagens que ela escreveu para o blog, fez uma recomendação para as mulheres. "Se for constatada a existência da doença, continuem com a mesma capacidade de luta. Não se acanhem em procurar se acercar de seus familiares, amigos e, inclusive, de pessoas que vocês encontrem nas salas e corredores de hospitais, enfrentando a mesma situação que vocês estão começando a enfrentar". 

A tese 

A professora não desistiu do doutorado. "Durante a quimioterapia, eu tinha uma semana de mal-estar, com náuseas e vômito. Não dava para escrever. Mas na semana seguinte, eu me sentia melhor e escrevia freneticamente. Depois vinha outra sessão e assim foi. Conclui o relatório e fiz o exame de qualificação em novembro de 2011. Eu lembro que a última sessão de quimioterapia estava marcada para o mesmo dia da banca. Mas a médica abriu uma exceção e deixou eu fazer a aplicação no dia seguinte, para conseguir fazer a qualificação", conta Reneude. 

Após a qualificação, e finalizando a quimioterapia, Reneude ficou mais um tempo em São Paulo para as cirurgias de reconstrução da mama, ao mesmo tempo em que redigia a tese sobre analfabetismo e alfabetização de jovens e adultos em comunidades quilombolas. "Eu tinha até 30 de março de 2012 para depositar a tese, enquanto isso, enfrentava três cirurgias de reconstrução. Não pude colocar prótese de silicone, porque a pele tinha sido muito afetada pela quimioterapia, então tive que fazer um processo complicado de puxar os músculo do abdómen para formar um peito", contou a professora. 

Em meio a todo esse drama, com tantas cirurgias e exames, Reneude conseguiu defender a tese, e ainda foi aprovada com louvor e uma recomendação para publicar o texto. A defesa aconteceu em junho de 2012, com apenas um mês de atraso em relação ao calendário estabelecido antes da descoberta do câncer. "Foi um dia marcante, um momento de superação e conquista. Eu não desisti da minha tese, eu não desisti de viver", conta emocionada a professora. 

Os planos 

Depois de tudo isso, Reneude de Sá, hoje com 66 anos, poderia requerer a aposentadoria, mas ela não fez isso e continua dando aulas e orientando pesquisadores no Centro de Educação da Ufal. "Eu amo sala de aula. Comecei a trabalhar como professora em 1972, tenho 42 anos de magistério, foi isso o que eu fiz a vida toda. É isso que quero continuar fazendo. Também posso requerer a aposentadoria por tempo de serviço em setembro de 2015, mas acho que vou deixar a compulsória me pegar", disse a professora em tom de brincadeira. 

Durante o tratamento, mesmo com exames e redigindo a tese, Reneude encontrou tempo para aprender arranjos florais, fotografia, andou muito pelo parque do Ibirapuera, participou de trilhas e corridas. "É claro que eu quero fazer muitas outras coisas. Na época do tratamento, cheguei a sobrevoar São Paulo de helicóptero e só não fiz rapel no viaduto do Sumaré porque a médica não deixou de jeito nenhum. Ainda quero viver outras experiências. Pretendo morar na França, como a jornalista Tânia Carvalho, que escreveu 'Cem dias em Paris', mas por enquanto, eu quero dar aulas", reafirma a professora.