Pinacoteca Universitária apresenta nova exposição: Decifro

A exposição da artista visual Camila Cavalcante abre nesta quarta-feira, 26 de novembro


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Camila Cavalcante - Foto de Katya Demidova
Camila Cavalcante - Foto de Katya Demidova

Clarissa Veiga - jornalista colaboradora

A partir do dia 26 de novembro, a Pinacoteca da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) recebe a exposição Decifro, da artista visual Camila Cavalcante. A mostra reúne 30 fotografias, 16 telas e depoimentos em Khmer e Laociano, as línguas oficiais de Camboja e Laos, países do Sudeste Asiático, onde a artista vivenciou por meses a experiência do analfabetismo e a liberdade de criar significados para palavras apenas a partir do estímulo visual e estético, sem quaisquer sentidos pré-concebidos.

Camila Cavalcante é uma alagoana que atualmente vive em Edimburgo, na Escócia. Formada em Comunicação Social pela Ufal, especialista em Jornalismo e Crítica Cultural pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Mestra em Artes pela University of Westminster de Londres, decidiu expandir sua percepção imagética além das fronteiras do jornalismo e há quatro anos dedica sua fotografia às artes visuais. Desde então, a artista já participou de 14 exposições no Brasil, Estados Unidos e Reino Unido e foi duas vezes premiada em concursos nacionais de fotografia.

Para entender Decifro, é preciso compreender um pouco do universo de Camila Cavalcante, cuja vivência artística representa sua conexão com o mundo, ou a busca dessa ponte entre experiências pessoais e realidade. A artista revela que desde menina se perguntava o porquê de tantos adultos ao seu redor não saberem ler. As disparidades socioeconômicas de Alagoas ainda não doíam na criança que fora, mas poucas décadas depois, pôde compreender o analfabetismo dos seus pares muito além das estatísticas vivenciando a experiência de ser iletrada em terras estrangeiras.

Durante meses a artista viveu em Laos e em Camboja em busca de contato com uma língua da qual não tivesse nenhum entendimento prévio, com um alfabeto diferente e uma nova estrutura de leitura. “Pela primeira vez eu também fui analfabeta”, diz. A experiência proporcionou a Camila Cavalcante testar os limites da dependência da palavra escrita para a relação com as pessoas, os lugares e as coisas. “A partir daí fotografei frases, avisos, propagandas e outros símbolos que visualmente me instigavam a criar significados a partir apenas da minha relação com eles”, conta.

As experimentações da artista em traduzir com imagens palavras totalmente desconhecidas resultou num quase diário de imagens, som e literatura. Em Decifro, as fotografias aparecem acompanhas por outras imagens nascidas a partir de colagens, bordados e técnica mista sobre tela. Tudo feito pela própria artista a partir de materiais provenientes da mesma região daquelas palavras desconhecidas.

Para a curadora da exposição, Nicole Plascak, Decifro é um convite a experimentar o mundo sem sentidos pré-concebidos. Ela provoca: “Como seria olhar a paisagem traduzindo-a apenas em sentimento”? E anuncia: “O mundo desvendado pela artista é feito de contrastes e mistérios. Num namoro tímido com a abstração, as imagens têm a medida certa de incerteza para nos permitir o ensejo da dúvida e, a partir daí, dá-se o precioso momento da criação de significado compartilhada entre artista e visitante”.

Ações inclusivas 

Decifro traz ainda importantes ações inclusivas. Primeiro, o texto de curadoria e as informações técnicas da mostra estarão disponíveis em texto e também em áudio, permitindo uma percepção artística mais democrática e acessível aos diferentes tipos de público. Além disso, um “livro de impressões digitais” será somado ao tradicional livro de assinaturas e sugerirá que os visitantes – letrados ou não – registrem sua presença deixando mais que palavras escritas, carimbando suas digitais no papel.

A produção de Decifro também está organizando uma série de visitas guiadas, onde a artista e alunos do programa de Educação para Jovens e Adultos (EJA) terão a oportunidade de conversar. Para Camila Cavalcante, essa é uma maneira sincera de trocar experiências e percepções do cotidiano quando não se sabe ler. Ela também acredita na arte como instrumento de compreensão e transformação social. “Para mim, a arte é mais do que um estilo estético ou uma escolha pessoal; é sobretudo um compromisso ético imaginariamente criado entre o meu eu artista, meu eu cidadão e meu eu brasileiro”, afirma. A exposição Decifro conta patrocínio exclusivo da Unimed Metropolitana do Agreste, da Merconplas e Carrocerias São Carlos. 

Comemoração 

A abertura de Decifro acontece no mesmo dia em que a Pinacoteca celebra os 15 anos de sua reabertura nas atuais salas do Espaço Cultural da Ufal, no Centro de Maceió. Em 1999, depois de um longo período de reforma física, o espaço redefiniu seu perfil de museu de arte contemporânea, contribuindo, ainda mais, para o incremento das ações culturais e artísticas em Alagoas.