Estudo alerta para a perda da efetiva democratização na Gestão da Educação Pública em Alagoas

Tese de doutorado de professor do Centro de Educação analisou gestores de escolas públicas do Estado


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Professor Tiago Leandro Cruz Neto
Professor Tiago Leandro Cruz Neto

Déborah Moraes – estudante de Jornalismo 

Questões sobre educação são sempre relevantes para discussões e estudos, principalmente em ano de renovação política (2014), quando se costuma debater e cobrar medidas que serão feitas para a área. Deste modo, torna-se propícia a recente defesa da tese de doutorado do professor Tiago Leandro Cruz Neto, conhecido como Tiago Zurk, do Centro de Educação (Cedu) da Universidade Federal de Alagoas, intitulada As representações sociais sobre a participação democrática de gestores de escolas públicas em Alagoas. 

O estudo, iniciado em 2010 (PPGE-UFPE), analisou como os gestores representam socialmente a participação democrática, trazendo dados para que se compreenda melhor a efetivação do processo de gestão democrática nas escolas, na intenção de intervir nesta realidade. A pesquisa, predominantemente qualitativa, analisou documentalmente as políticas de educação nos governos Lula (2003-2010) e, por meio de técnicas associativas e interrogativas, cem gestores de escolas públicas de Alagoas. 

Para a análise, o pesquisador partiu do pressuposto de que as representações têm sido forjadas também por valores e experiências não democráticas, que consideram elementos dos contextos macro e microssociais nos quais os gestores estão inseridos, além de considerar a influência da concepção de participação de solidariedade filantrópica em oposição à de Estado de controle-social. 

Deste modo, foi possível identificar que a prática desse tipo de participação estaria ancorada nas ideias do neoliberalismo de terceira-via. "Um projeto ético-filosófico dominante na sociedade atual e que se caracteriza por apregoar a ampliação da participação da sociedade civil, não enquanto controle-social, mas de bem-estar social, quando a sociedade atomizada com o apoio dos setores privados dominantes assume as funções de produção de bens sociais que o Estado estaria impossibilitado de cumprir, desresponsabilizando-o", disse o autor. 

"O contexto prega que o Estado deve ser mínimo, mas que ainda assim ofereça determinadas produções de bens sociais; no caso é o que observamos hoje no Brasil, o Estado se desresponsabiliza de várias funções e passa a se responsabilizar por políticas de corte social, ou seja, as políticas assistencialistas. É um estado mínimo para a produção de políticas sociais para todos, mas máximo para ações de coerção e direção", explicou. 

Essa concepção de participação foi identificada pelo pesquisador ao analisar as políticas da Educação nos governos Lula (2003-2010), apontando como um dos agentes principais para este comportamento o movimento Todos pela Educação, que teve ampla adesão, em especial dos setores midiáticos e empresários do setor bancário, e inserção nas concepções de políticas educacionais forjadas em tal governo, em detrimento do setor público da educação. “Sai de cena o controle social de disputas de projetos de classes e começa-se a construir um pacto. Não é mais disputa de controle, mas busca-se construir um consenso. E isso se traduz na ideia de que a participação social deve ser muito mais uma responsabilização por aquilo que o governo não produz, do que a tomada de controle e cobranças ao Estado, por exemplo, uma educação pública de qualidade”, esclareceu o professor. 

Gestão democrática nas escolas 

A gestão democrática dentro das escolas públicas é uma bandeira preconizada por alguns educadores já em 1930, e que, foi retomada com muita força na década de 1980, pós-ditadura. Representa uma contraposição a uma escola que é pensada e organizada de maneira sectarizada, onde se segrega aqueles que ‘pensam’ e os que ‘executam’. Esse pensamento de gestão democrática vem agindo no sentido de transformar a escola num espaço importante na educação, inclusive política, do sujeito e que deve ser organizada e trabalhar pedagogicamente pautada nos princípios da democracia. 

Ao investigar as representações sociais dos gestores, a pesquisa encontrou ideais do contexto macrossocial, que identificam conceitos ditos democráticos nas falas ligadas à questão da ordem, o que, para o autor, vem da difusão de um comportamento de participação democrática oriundo do projeto ético-político dos setores dominantes, e, num segundo momento, ao observar o contexto local - Alagoas, as representações baseadas no contexto microssocial são completamente inversas. Por exemplo, quando os sujeitos da pesquisa associam democracia à “apadrinhamento”, "para poucos" etc e "participação" à "perseguição" ou “medo”, o que o autor identifica como desdobramentos de uma sociedade fortemente marcada pela violência.

Considerando o caráter do objeto da pesquisa, democracia e participação, tal violência se traduz no que o autor chama de “violência política” produtora do “medo político” impedindo os sujeitos de desenvolverem qualquer ação participativa mais ativa. “Se a prática da participação no contexto atual já encontra limites na ideia do voluntariado e da filantropia esta se agrava ainda mais no contexto alagoano onde a violência política e o medo político inibem a construção de experiências de participação democrática ativas. Um exemplo disto foi a associação –feita pelos gestores– do estímulo participação em Alagoas à palavra medo, aparecendo numa frequência de 30 dentre os 100 entrevistados destoando, de modo significativo, das frequências das demais palavras evocadas", exemplifica Tiago. 

É fortalecido um comportamento participativo da sociedade civil alicerçado na perspectiva de participação redistributiva do neoliberalismo da terceira-via que, adotada pelos participantes da pesquisa, aponta uma significação pejorativa do conflito, típica das sociedades de classe. Em seu lugar, no entanto, o sentido de harmonia, consensos tem espaço central na representação social sobre a participação democrática. 

Do contexto microssocial, Alagoas, a pesquisa evidencia ainda que o medo da participação está presente, objetivado em fatos e experiências de violência do mundo político alagoano. Algumas dessas experiências não foram vivenciadas em ato, mas simbolicamente, e têm produzido representações sociais de participação democrática limitada ao silenciamento e à acomodação, tendo sido citado como exemplo o assassinato do professor Paulo bandeira, em Satuba, em 2003. "Observamos que democracia e participação democrática estão associadas aos sentidos de apadrinhamento, perseguição, silenciamento, medo, privilégio, para poucos, acomodação entre outros. Perpassam as experiências de uma sociedade profundamente autoritária", conclui o professor. 

Projetos Futuros 

A partir dos resultados encontrados, o professor diz ser necessário criar instrumentos e estratégias para a rearticulação política e a reorganização da sociedade civil, especificamente dos setores que defendem um projeto de educação na perspectiva da classe-que-vive-do-trabalho. Políticas que busquem construir uma participação efetivamente democrática, com vistas a potencializar experiências que reafirmem os valores de uma efetiva democracia política e social. 

Enquanto pesquisador o compromisso social assumido para intervir nessa realidade é o de, no retorno ao cotidiano da vida acadêmica, a elaboração de ações – projetos e programas – que permitam construir relações e experiências de participação efetivamente democráticas em escolas públicas da rede de ensino de Alagoas. 

Além disso, também para o futuro, Tiago Cruz tem como proposta, em parceria com os demais intelectuais do grupo de pesquisa de Gestão e Avaliação Educacional do Centro de Educação, professores dos cursos de Pedagogia em Arapiraca e Delmiro Gouveia, a criação do Observatório de Política e Gestão da Educação de Alagoas. O objetivo é estabelecer um espaço de produção coletivo do saber comprometido com a investigação socialmente referenciada diante dos problemas da gestão educacional e suas políticas. 

Confira o trabalho na íntegra em anexo.