Estudante de Ciências Sociais estima o custo da violência no Estado de Alagoas

Trabalho de Fillipi Nascimento levantou dados monetários e não monetários para revelar consequências socioeconômicas desse mal


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Fillipi Nascimento fez primeira pesquisa do Nordeste com levantamento de valores não monetários da violência
Fillipi Nascimento fez primeira pesquisa do Nordeste com levantamento de valores não monetários da violência

Jhonathan Pino - jornalista

Que Alagoas é um dos estados mais violentos do país não é mais novidade. Ainda em 2011, a taxa de homicídios no Estado chegou aos 73 para cada 100 mil habitantes e ultrapassou a taxa registrada do país mais violento do mundo, à época, El Salvador. Dois anos depois, o Estado foi destaque no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em 2013, apontado como a unidade de maior índice de homicídios no país, com um número de 74,5. Alagoas também vem colecionando os títulos de terceira maior taxa de roubos de veículos do país e terceiro maior número de casos de estupros no Nordeste. Mas tudo isso tem um custo e ele foi estimado por Fillipi Nascimento, aluno do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), em quase R$ 2 bilhões.

Como parte do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), Fillipi resgatou os valores aplicados em bens e serviços utilizados no combate e prevenção da violência, assim como nos recursos destinados ao tratamento médico das vítimas; as despesas judiciais e com custódia e reintegração de detento; os impactos na saúde e na expectativa de vida das vítimas de violência, da invalidez permanente ou das mortes, além de efeitos multiplicadores econômicos.

O recém-graduado relata que na hora de fazer as contas da violência, grande parte dos valores, os multiplicadores, é deixada de lado pela contabilidade do governo. “São aqueles que freiam a acumulação de capital humano e desaceleram a produtividade no trabalho; aqueles que implicam na erosão do capital social e na queda da qualidade de vida dos indivíduos”, detalha.

Fillipi esclarece como conseguiu reunir esses gastos. “Os dados foram extraídos de boletins, tabelas, informes e relatórios disponibilizados, física e virtualmente, pela Secretaria de Estado da Defesa Social, pela Superintendência Geral de Administração Penitenciária, pelo Tribunal de Contas, Tribunal de Justiça, Defensoria Pública e Ministério Público do Estado; pela Controladoria-Geral da União, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Ministério da Saúde e o Ministério da Fazenda. As informações fornecidas pelos sindicatos de seguradoras, vigilantes e empresas de segurança privada também compuseram o banco de dados da pesquisa”, detalha.

Monetariamente esses custos representam 6,9% do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado, fatia maior que a média de outras metrópoles brasileiras, que giram entre 3% e 5% e cerca de quatro vezes os gastos operacionalizados no setor de educação ou 10 vezes os custos do setor de saúde. “Vale ressaltar que este trabalho considera apenas uma parte das perdas associadas à violência. Os elementos tomados na estimativa não contemplam a perda de bem-estar em sua totalidade”, salienta o graduado.

A pesquisa ainda denuncia: “toda essa violência tem gerado impactos negativos profundos sobre o desenvolvimento do estado, concebendo enormes custos para a sociedade alagoana em conjunto. Esses custos se apresentam desde a redução dos investimentos externos, contenção das poupanças internas e queda das movimentações financeiras, à corrosão de setores como o de educação ou o de saúde, uma vez que os recursos públicos são realocados para outras áreas ‘não prioritárias’, como a de segurança pública. É um ciclo vicioso: se por um lado o esfacelamento das estruturas e das instituições contribui na promoção da violência, por outro, esta violência concorre para a manutenção daquelas débeis estruturas e instituições”, discorre.

Violência gera mudanças de hábito da população

Esses dados negativos interferem diretamente em mudanças do estilo de vida dos habitantes, que saem menos de casa, consomem menos em bares, cinemas e restaurantes; “muitos alunos deixam de frequentar cursos noturnos e empregados se recusam a trabalhar em turnos noturnos, como efeitos do medo e do estresse causado pela violência”, salienta Fillipe.

No trabalho também ficou exposto que se a violência causa a piora na qualidade de vida dos estudantes, por outro lado, ela também é consequência de altas taxas de desemprego, da má educação e dos precários serviços públicos ofertados à população. “Dentre esses elementos, gostaria de ressaltar as estreitas ligações entre a violência e os integrantes do poder. Não podemos negar que existem interconexões entre o crime e as forças de segurança. Também não podemos acreditar na ideia, quase maniqueísta, de que dois poderes antagônicos, o Estado e as forças do crime, vivam sem haver conluio entre eles. O histórico da violência em Alagoas mostra essa estranha ligação entre a estrutura de poder e a criminalidade, que copta as forças de aparelho do Estado”, opina o autor.

A soma desses fatores não é nada animadora. “Conforme os dados do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2013), pesquisa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), aproximadamente 35% da população alagoana ainda vive em situação de pobreza e 16,66% vivem em nível de pobreza extrema”, detalha Fillipi, que ainda acrescenta: “a renda per capita do alagoano ocupa a terceira posição entre as piores do Brasil e no ano de 2013 Alagoas foi o estado que apresentou o pior desempenho do país na criação de vagas formais de trabalho”.

Outro fator que dificulta a resolução dos problemas é a maquiagem de muitos dos dados pelos gestores públicos, o que dificulta a compreensão do real panorama da violência em Alagoas. Mas nem esse ocultamento de informações foi capaz de tirar o Estado das manchetes quanto aos piores índices sociais do país.

Fillipi aponta que para tentar superar parte desses males, foram implantadas políticas de combate e prevenção à violência. “O ano de 2011 também é lembrado pela aplicação do Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP) e aí temos a chegada da Força Nacional e a intensificação das ações da Polícia Militar, reiterando a situação crítica do Estado naquele momento”, destaca.

O autor ainda retoma algumas impressões pessoais: “na periferia, tudo isso era mais sensível. Lembro-me de ver ônibus abordados em blitze, de três a cinco vezes no intervalo de uma semana, e das viaturas que, com frequência, atravessavam apressadas a avenida principal do bairro, exigindo passagem com suas sirenes. Lembro-me também das ruas desertas às sete da noite e dos helicópteros sobrevoando constantemente o bairro, vasculhando as ruas estreitas com seus refletores. Experiências que, de uma forma ou de outra, também contribuíram na proposta da pesquisa”, recorda-se.

O resultado foi apresentado no dia 26 de março, depois de dois anos de pesquisa. Ela contou com o apoio de diversos professores da Ufal, como a orientadora Ruth Vasconcelos e os professores Júlio Cézar Gaudêncio, Emerson Nascimento, Ranulfo Paranhos e Siloé Amorim. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as docentes Agatha Justen, Cristina Buarque de Hollanda, Maria Lígia Barbosa e Alba Zaluar e o professor Michel Misse colaboraram. Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Fillipi recebeu recomendações dos professores Ignácio Cano e Doriam Borges, além da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que o auxiliou por meio dos docentes Claudio Beato e Vinícius Mayrink.