Dissertação aponta baixa adesão da sociedade nos comitês de educação em direitos humanos

Pesquisa desenvolvida pela FDA defende que educação é primordial na difusão desse conhecimento jurídico


- Atualizado em
Georgina (ao centro) com os membros da banca, Elaine Pimentel, Gabriela Rebouças e George Sarmento
Georgina (ao centro) com os membros da banca, Elaine Pimentel, Gabriela Rebouças e George Sarmento

Jhonathan Pino – jornalista

O desinteresse em se discutir a promoção dos direitos humanos, por meio da educação, no campo jurídico, aliado ao baixo nível de cultura constitucional no Brasil foram as principais razões que levaram Georgina Bomfim a querer investigar a difusão dessa política no país. Em dissertação apresentada em abril deste ano, na Faculdade de Direito de Alagoas (FDA), da Universidade Federal de Alagoas, a recém-mestra e técnico-administrativa da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (Feac) apontou como ainda é acanhada a atuação da população brasileira, quanto à instituição dos comitês de educação em direitos humanos.

Para chegar a essas conclusões, Georgina utilizou-se da demonstração quantitativa dos dados apresentados pelo Mapeamento Nacional dos Planos e Comitês de Educação em Direitos Humanos, documento oficial do governo federal, publicado em dezembro de 2013. “Concluiu-se que houve uma tímida participação da sociedade civil no que tange a instituição e o desenvolvimento dos comitês de educação em direitos humanos. Dos 25 comitês existentes, apenas um possui vínculo com a sociedade civil. Em contrapartida, 17 comitês estão vinculados às universidades, cinco aos estados e um ao município”, detalhou Georgina.

Mais adiante, a pesquisadora aponta que o baixo êxito da política pública de educação em direitos humanos deve-se à “incipiente formação de profissionais qualificados para atuar na área, à pequena difusão entre os gestores públicos da importância de se educar em direitos humanos, aos parcos investimentos financeiros que impedem o sucesso das ações nessa seara e à escassez de estruturas organizacionais nos três níveis de governo para implementar tal política, especialmente na educação formal”, apontou.

Ufal apresenta experiência de êxito na área

A autora ainda relata que, apesar das iniciativas de sucesso em diversos eixos da educação em direitos humanos, como o da educação de profissionais dos sistemas de justiça e segurança pública, são as universidades públicas as principais difusoras dos direitos humanos no Brasil. Os principais exemplos são encontrados nas universidades federais de Alagoas (Ufal), Pará (UFPA), Rio Grande do Norte (UFRN), Rio Grande do Sul (UFRGS), Rio Grande (FURG) e São Paulo (Unifesp), que apresentam cursos de pós-graduação lato sensu na área.

“As iniciativas têm por público-alvo especialmente os profissionais de nível superior que atuam na rede básica de ensino municipal, estadual e federal. Em algumas universidades, como a Ufal, o curso de especialização é também propagado entre os profissionais da área de segurança pública, lideranças comunitárias, membros de comitês e conselhos municipais ou estaduais”, detalhou Georgina.

Pressão Internacional para disseminação dos direitos humanos

Durante sua pesquisa, Georgina também constatou que o Brasil vem seguindo a tendência internacional de promover a educação em direitos humanos com o incentivo à cultura de tais direitos. Ajudam na disseminação dessa política a atuação do Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH) e da Organização das Nações Unidas (ONU), com o amparo na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc), em programas mundiais e resoluções emitidas pela Organização. 

Georgina lembra ainda que cabe ao Estado realizar os “fins educacionais por meio da atuação dos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, e ainda de órgãos como o Ministério Público e a Defensoria Pública. Além disso, por meio do apoio às organizações não governamentais e demais instituições da sociedade civil, na promoção dos direitos humanos como fins educativos”.

Base teórica

A política de educação em direitos humanos foi analisada sob o enfoque da teoria da sociedade aberta dos intérpretes constitucionais, de Peter Häberle. “A tese primordial dessa teoria é de que todo aquele que vive na conjuntura regulada por uma norma é um legítimo intérprete, direta ou indiretamente. Dessa forma, não havendo monopólio de sua interpretação por parte dos intérpretes jurídicos, cumpre a todos – cidadãos, grupos, associações, órgãos estatais, sistemas públicos e a opinião pública –, a potencial capacidade de participar da interpretação constitucional”, apontou a pesquisadora.

Conforme seus argumentos, a teoria defende que a interpretação constitucional não deve ser monopólio dos juristas e “que a sociedade não é apenas destinatária das determinações constitucionais, mas essencialmente participante”. Para ela, tal teoria “propõe a descentralização do conhecimento jurídico, de modo que os cidadãos em geral  tornem-se potencialmente intérpretes constitucionais,  até  mesmo participando  da  construção  de  sentido  da  norma  nas  várias  instâncias  decisórias  do  Estado (judiciais e administrativas)”, discorreu.

Georgina ainda defendeu que “o pluralismo constitucional contribui para fortalecer a participação dos cidadãos no processo de concepção, desenvolvimento, monitoramento e avaliação da política pública.  Seu maior contributo à política de educação em direitos humanos ocorreu quando repisou que a Constituição do pluralismo se inicia a partir dos fins educativos e da vida diária dos indivíduos e grupos”, explicou.

Tentou-se identificar de que modo a teoria contribuiu para a política pública de educação em direitos humanos e quais os desafios enfrentados para a sua efetividade. No entanto, segundo Georgina, o tema não costuma despertar o interesse da academia de Direito. Ela relata que são poucas as publicações produzidas por juristas sobre o assunto. “A maioria dos escritos são provenientes de profissionais da educação, por conseguinte, trazem à tona aspectos atrelados a essa seara”, comentou.

Foi o apoio dos professores George Sarmento e Olga Jubert Krell, que já estudavam a temática anteriormente, que tornou possível aprofundar questões cruciais da dissertação. Para superar a escassez de livros e artigos científicos que abordem a teoria de base, Georgina contou com o auxílio do professor da FDA, Andreas Krell, também natural da Alemanha e estudioso da hermenêutica constitucional de Häberle há algum tempo.