Pesquisa aborda afrodescendência em Alagoas e genética dos quilombolas

Estudo financiado pela Fapeal contribui para montar o quebra-cabeças da história de uma população miscigenada


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Dalmo Azevedo, no Laboratório de Genética Forense  da Ufal (Foto Naísia Xavier)
Dalmo Azevedo, no Laboratório de Genética Forense da Ufal (Foto Naísia Xavier)

Naísia Xavier – Ascom Fapeal

O Laboratório de DNA Forense da Universidade Federal de Alagoas realizou, de 2012 a 2015, a pesquisa Demografia Histórica em Populações Quilombolas do Estado de Alagoas por meio da análise de SNPs do Cromossomo Y. Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal), o estudo foi coordenado pelo biólogo geneticista Dalmo Azevedo.

O pesquisador explica que o estudo foi buscar um pedaço da história da população alagoana por meio da identificação de características distintivas, conhecidas como marcadores genéticos de ancestralidade, ou seja, variações do DNA que estão relacionadas com a origem geográfica específica dos ancestrais de determinados indivíduos. “Algumas dessas variações estão relacionadas, por exemplo, com ser de origem africana, ou ser de origem europeia, ou asiática, ou indígena”, esclareceu.

A pergunta que motivou Dalmo Azevedo e seus colegas, Luiz Antonio Ferreira e Francisco Javier Tovar, também doutores em genética, foi a seguinte: Que diferencial essas comunidades que se auto reconhecem afrodescendentes teriam em relação à população não quilombola?

Das 67 comunidades oficializadas em Alagoas, foram recolhidos dados genéticos em cinco: Pau d’Arco, em Arapiraca; Bom Despacho, próximo à Barra de Camaragibe; Quilombo, em Santa Luzia do Norte; Comunidade Vila Santo Ântonio, próxima à Palestina, no Sertão, e Tabuleiro dos Negros, em Penedo.

“É marcante, de modo geral, que a presença de linhagens africanas está presente com uma frequência aumentada. Chega a ser cinco vezes maior em algumas dessas comunidades do que na população que não é quilombola”, comentou o cientista, que também encontrou por lá a esperada miscigenação com indígenas e europeus.

Dalmo Azevedo ressalta, ainda, que os resultados estão de acordo com os relatos históricos, mas acha importante observar que as questões de caracterização genética são estritamente técnicas, observadas em níveis moleculares e, embora possam dar respaldo para contextualizar a história da população alagoana e brasileira, não possuem nenhuma pretensão de influenciar as questões socioculturais e políticas que dizem respeito aos grupos quilombolas e à população afrodescendente de maneira geral. “A gente não faz uma avaliação do ponto de vista cultural, simplesmente genético, tentando relacionar isso com a história das populações”, sintetizou.

Além disso, ele também explica que a pesquisa se ateve a marcadores genéticos de ancestralidade paterna, ligados ao cromossomo Y, exclusivo do sexo masculino. “Nós temos parte da história, mas não são só homens que constroem a história das populações. Existe um outro lado que são as mulheres. Estamos aguardando aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa para analisar marcadores genéticos de ancestralidade materna nessas comunidades”, anunciou

Ponto de vista cultural

Nesse contexto, o historiador e mestre em educação Clébio Correia destaca que essa contribuição é algo inesperado de um campo do conhecimento que, por ser realizado em laboratório, não costuma ter um diálogo imediato com as questões que movem as ciências humanas. Suas considerações, no entanto, soaram consistentes com os objetivos delimitados pelos colegas da Biologia.

O professor Clébio Correia ressalta que a perda documental no episódio da queima, conhecida como “a queima de arquivos”, torna bem-vindos os estudos de ancestralidade que tenham ligação com os remanescentes das populações africanas trazidas para o Brasil e que investigam para além das aparências. “Foram trazidas da África pessoas de diversas regiões e grupos étnicos e esses registros se perderam”, observou.

Caminhos e Descaminhos

Geneticista e historiador parecem estar de acordo também em relação aos limites que a genética, enquanto ciência biológica, deve reconhecer para suas contribuições nas questões identitárias: “Seria uma armadilha engessar a afrodescendência apenas no patrimônio genético. O que torna alguém afrodescendente é identificação com a identidade e o posicionamento político de construir essa identidade”, apontou Clébio, que atualmente é vice-reitor da Universidade Estadual de Alagoas.

Ao comentar a confirmação de maior frequência de marcadores genéticos de ancestralidade africana nas comunidades quilombolas pesquisadas, ele aprofunda a intenção do grupo de pesquisa de Dalmo de observar a genética nos trilhos da História: “A conservação de um patrimônio genético faz sentido com o isolamento e a discriminação dessas comunidades por parte de uma sociedade preconceituosa que não queria se misturar, o que está presente até mesmo na localização delas, rurais e de difícil acesso”.

E foi enquanto ativista do movimento afro-brasileiro que o professor Clébio fez sua consideração final: “É um dado de segregação, mas que também aponta para resistência, união e coesão”, avaliou.

Queima de arquivos

Em 13 de maio de 1891, aniversário de dois anos da Lei Áurea e da abolição no Brasil, o então ministro da Fazenda, Rui Barbosa, ordenou a queima de todos os documentos sobre a escravidão no país que se encontrassem em poder de seu Ministério.

O episódio ficou conhecido como “a queima de arquivos”, e até hoje permite abordagens controversas. Se, por um lado, à época, a motivação oficialmente declarada para o gesto foi a de impossibilitar que os ex-proprietários de escravos sugassem do governo uma indenização indevida, por outro, perdeu-se uma fonte histórica insubstituível sobre as origens geográficas e laços de parentesco das famílias negras envolvidas.

Dessa forma, presume-se que a história não fica registrada só em papéis, mas também nos corpos humanos. Outras ciências também podem investigar o passado por meio de fontes não escritas; um exemplo disso é a pesquisa genética voltada à ancestralidade.

Apoio

O Governo do Estado está trabalhando para integrar a comunidade afro-brasileira de Alagoas. Na última semana, houve duas ações neste sentido: Na terça (18), reunião entre a Fapeal e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação, para delinear um projeto de economia criativa voltado às comunidades quilombolas; Também foi promovido o 1º Encontro de Comunidades Quilombolas e Povos Tradicionais de Terreiro, em parceria com a Fundação Cultural Palmares.