Pesquisas testam ouricuri e coco para aumentar fertilidade da terra
Estudiosos da Ufal estão produzindo biocarvão em laboratório para introduzir no solo
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Manuella Soares - jornalista
É das matérias-primas encontradas em abundância no Estado que os pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas estão produzindo um carvão ecologicamente correto. A casca do ouricuri e a fibra do coco são transformados em biocarvão, o chamado biochar, para retornar ao solo e servir como fertilizante na produção agrícola. As pesquisas estão na fase de testes, mas, os resultados podem ser úteis para vários setores.
Veio de uma técnica simples e milenar o interesse de cientistas do mundo todo para os estudos relacionados ao carvão feito de biomassa. No Laboratório de Sistema de Separação e Otimização de Processos (Lassop) o coordenador, João Soletti, recém-chegado do pós-doutorado no Canadá, está aprimorando as pesquisas do carvão que reproduz os efeitos da terra preta que os índios faziam deixando o solo fértil por longos anos.
Para chegar ao carvão vegetal, a matéria-prima passa por um processo de pirólise, a forma de decomposição térmica controlada dentro de um reator com capacidade de chegar a 1.200°. Esse produto é reintroduzido no solo com a expectativa de deixar a área mais fértil e diminuir o uso de fertilizantes artificiais que liberam óxido nitroso, um gás responsável por provocar o efeito estufa. A equipe do professor João está fazendo vários testes para chegar a um tipo de carvão ideal.
“Sem a presença de oxigênio no reator, a partir de 500° já é possível produzir carvão, mas, é a curva de aquecimento que vai definir se o carvão fica mais ou menos poroso e uma série de outras características que dependem das diferentes temperaturas a que o material é conduzido”, explicou João.
As pesquisas são realizadas numa parceria entre alunos e professores dos cursos do Centro de Tecnologia (Ctec) com o Centro de Ciências Agrárias (Ceca) e os Institutos de Química e Biotecnologia e de Física. O material produzido no Lassop vai para os pesquisadores do Ceca, com o professor Abel Cavalcante, para testar a viabilidade técnica. As análises dos primeiros experimentos são com o carvão da fibra de coco num solo que produz feijão.
“O que acontece hoje é: você planta, as árvores crescem, você retira e na maioria das vezes essa matéria orgânica não é reintroduzida no solo, ela é perdida, descartada, vai para os lixões, onde muitas vezes é utilizada lá mesmo. Mas, ali é terra morta, então, com o biocarvão utilizando justamente a biomassa, você tá devolvendo o carbono ao solo. A ideia é reutilizar de forma muito mais inteligente, dando uma fertilidade muito maior ao solo. Isso vai aumentar a produtividade por hectare”, completou a professora Sandra Vieira, pesquisadora do Lassop.
Estudos ampliam benefícios dos resultados
As possibilidades de utilização do biochar vão além da agricultura. As pesquisas desenvolvidas na Ufal estão somando parcerias para ampliar os benefícios dos resultados. “Além da produção, a gente vai estudar aqui a utilização desse carvão para tratamento de efluentes. Ele pode ser utilizado como agente adsorvente de contaminantes que são encontrados em efluentes industriais. Ou, até mesmo, contaminantes em águas de abastecimento. Isso pode ser feito na forma de carvão ou com um processo de ativação, onde você coloca na superfície dele mais estruturas ativas que vão fazer com que ele tenha afinidade com o contaminante, ou seja, tira o contaminante da água e ela sai limpa”, explicou o professor Lucas Meili.
Os pesquisadores também estão avaliando uma forma de regeneração do biochar, para decompor o contaminante que está aderido à superfície dele antes de jogar em solo, como por exemplo em aterro sanitário. A parceria com o IQB vai auxiliar na parte de estudos dos processos oxidativos.
Biocarvão leva a subprodutos sustentáveis
O biochar desperta tanto interesse no mundo da ciência porque além de aproveitar biomassa que seria descartada, o processo de pirólise que permite a produção do carvão em escala industrial gera outros subprodutos que também podem ser utilizados de forma sustentável. É que, ao aquecer a matéria-prima, o reator consegue captar os gases e um óleo pirolítico que possuem características diferentes a partir de cada material utilizado. Isso significa que a casca do ouricuri vai apresentar vários tipos de carvão, diferentes tipos de gases e bio-óleos com propriedades distintas.
Parte dos gases gerados na pirólise são inflamáveis. Os pesquisadores do Lassop estão agora quantificando a produção e o professor João Soletti disse que os estudos já mostram quais são os gases que tem, mas eles ainda não estão caracterizados. “Já gera metano e hidrogênios que podem ser usados para aquecer o próprio reator, ou seja, os gases podem voltar para o processo e ajudar a aquecer o reator. Hoje, a gente usa resistência elétrica, mas, não necessariamente precisa ser dessa forma”.
Se o processo de pirólise é mais lento, vai produzir mais carvão; por outro lado, se o aquecimento for conduzido mais rapidamente, o resultado será a produção de uma quantidade maior de bio-óleo, que também tem valor comercial porque funciona como combustível.
“O óleo pirolítico tem um poder energético muito alto, usado para queima de caldeira, ou pode ser refinado para obter outros produtos e usar em motores, solventes, etc... A caracterização desse óleo é algo bem complicado, então, nós estamos buscando parceria para que se possa fazer a análise e destinar isso. Cada matéria-prima gera um oleo pirolítico diferente. O do ouricuri é diferente do da fibra de coco, por exemplo, com composições diferentes”, comentou.
Todas essas pesquisas podem criar um mercado inédito para a produção e utilização do biocarvão e dos seus sub produtos a partir do ouricuri e da fibra de coco. As respostas serão dadas em breve, mas a mão de obra qualificada para pensar nessas alternativas já está trabalhando muito na Ufal.