Projeto da Ufal mobiliza escola estadual com encenação de obras clássicas
Moreira e Silva e outras três instituições receberam atividades inovadoras do Filosofia em Cena
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Jhonathan Pino - jornalista
Uma adaptação do filme Em nome de Deus, de Peter Mullan, encerrou as atividades do Filosofia em Cena neste ano. Após 10 meses de debates, o espetáculo foi encenado na última semana por alunos do 2º ano do ensino médio da Escola Estadual Moreira e Silva que, a partir da obra, buscaram levantar questionamentos filosóficos referentes à moral.
Segundo a docente Ruslane Bião, o intuito era “mostrar que as atitudes boas não se justificam apenas pela virtude da bondade, mas pelo significado daquilo move as pessoas a praticarem o bem”. Ela é a coordenadora do Projeto Possibilidades e Horizontes no Ensino de Filosofia que, desde 2011, está sendo desenvolvido por alunos do curso de Filosofia, a partir do Programa Institucional de Bolsa à Iniciação à Docência (Pibid) da Universidade Federal de Alagoas.
De acordo com a professora, por meio do programa, os bolsistas têm a possibilidade de participar de planos de trabalhos de escolas do Estado e intervir de forma inovadora no cotidiano delas. Como exemplos dessas ações, ela cita as discussões implementadas na Escola Moreira e Silva nos três últimos anos letivos. Na instituição, ao longo do ano de 2013, os alunos refletiram e fizeram uma adaptação das obras Banquete e Alegoria da Caverna, de Platão; no ano seguinte, o mesmo trabalho foi feito com a Poética, de Aristóteles, e Édipo Rei, de Sófocles.
Edleide da Rocha, uma das seis bolsistas do Pibid da Escola Moreira e Silva, afirma que as obras têm suas discussões atualizadas, ao servirem de base para a abordagem de temáticas como a violência de gênero, o abuso sexual e o aumento de passagens de ônibus. “No primeiro momento, a gente pega a obra filosófica pura e aí a gente faz uma adaptação para levar para o ensino médio. Porque se você chegar com ela densa, para os alunos, não vai haver total compreensão. A partir do momento em que eles entenderem qual é o contexto filosófico da obra, aí nós a tornamos uma cena de peça teatral, com diálogos e atos. É uma forma de fazer a Filosofia acontecer de uma outra forma, sem ser quadro, giz e livro”.
Filosofia em quadrinhos, sarais e blog
Ruslane lembra o Pibid é mais do que o Filosofia em Cena. Por meio do programa, disciplina já pode ser aplicada em diversos contextos diferentes. Seja a partir da transformação do conteúdo em histórias em quadrinhos, ou de sua relação com a música, ou mesmo de poesias, por meio de sarais. “O bolsista do Pibid não vai à escola para dar aula. O programa faz com que o aluno passe a se inserir numa sala de aula para que possa, de alguma maneira, oferecer algum tipo de inovação prático pedagógica. O bolsista tem muita liberdade para introduzir uma metodologia pedagógica de acordo com o próprio perfil da turma”, alertou a docente.
Edleide já vem há dois anos atuando no Pibid, e lembra que ao auxiliar os professores na elaboração dos planos de aulas, pôde levar para a sala, questões cotidianas dos secundaristas. “Uma das regências que mais me marcou foi agora, em novembro, por causa de uma questão que caiu no Enem [Exame Nacional de Ensino Médio] sobre Simone de Beauvoir. A ocasião gerou uma polêmica na própria escola, porque saíram algumas coisas no Facebook, afirmando que ela era nazista e que defendia a pedofilia e tal. A partir das questões que foram colocadas em sala, eu fiz um plano de aula e depois levei para a regência e debati sobre quem era realmente a autora, sobre o que trata a obra dela, segundo o sexo, qual a importância dela para o feminismo em discussão com a Filosofia e o que isso trazia para a prática social dos alunos”, detalhou a bolsista.
Os alunos da escola Irene Garrido, no bairro de Santa Lúcia, em Maceió, acabaram produzindo o blog Se liga na Filosofia, onde eles expõem parte dos produtos e das discussões feitas na escola. “Esse blog alimenta todas as informações do que acontece no Pibid, não importa o que aconteçam nas outras. Eles fizeram um trabalho de elaboração de cartilhas com diversos temas que diz respeito à própria realidade deles, como violência, preconceito, gênero, abuso sexual. Aí eles fazem um trabalho de ilustração e para poder preparar o material, eles discutem textos filosóficos, para, de alguma maneira, terem um suporte conceitual para a elaborar essas cartilhas”, descreveu Ruslane
Apesar de comemorar o êxito dessas experiências, a coordenadora do Pibid Filosofia da Ufal relata a preocupação de elas serem extintas, com a redução dos custeios do governo federal. Ruslane alerta que esse ano o programa não havia recebido recursos e pôde ter continuidade apenas com as sobras do ano anterior.
“Apesar dos cortes que o governo federal vem aplicando contra a Educação, o que gera incertezas sobre a continuidade do Pibid na Ufal e em outras universidades brasileiras, temos a certeza de que o programa traz avanços significativos para formação dos alunos da Universidade, valoriza o trabalho docente e promove uma interlocução de extrema importância entre a Ufal e os espaços da escola pública”, comentou a docente.