Ao receber cargo de reitora, Valéria Correia reafirma princípios pelos quais foi eleita
Em solenidade, equipe e convidados enfatizaram a necessidade de diálogo com a sociedade
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Jhonathan Pino – jornalista
Foi exatamente às 18h59 da última sexta-feira, 22, que a professora da Faculdade de Serviço Social (FSSO), Valéria Correia, recebeu o cargo de reitora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Como parte do ritual, o último reitor a exercer o mandato, Eurico Lôbo, despiu-se de sua túnica e samarra de cor branca – que significa a detenção de todas as áreas de conhecimento – para que Valéria vestisse a sua. Completando o traje, a gestora colocou em sua cabeça o capelo, também de cor branca e de uso exclusivo dos reitores de universidades. Assim teve início a gestão que foi eleita em cima de princípios como a democracia participativa, a necessidade de diálogo da instituição com a sociedade e a defesa de uma Universidade pública, gratuita e reverenciada socialmente.
O discurso de Valéria Correia foi enfático em suas bandeiras ideológicas. A recém-empossada parafraseou nomes como Marilena Chauí, Gilberto de Macedo, os alagoanos Graciliano Ramos, Nise da Silveira e a reitora honorária da Ufal, Delza Gitaí, como forma de embasamento ético teórico e ideológico do direcionamento que deve ser dado a Universidade nos próximos quatro anos.
Não esqueceu de Antônio Gramsci, quando o citou para enfatizar a necessidade de deixar o pessimismo da inteligência para trás e seguir com vontade para enfrentar os obstáculos a serem enfrentados. “A décima terceira gestão da Universidade tem consciência de sua responsabilidade de gerir tão grande instituição e dos desafios que estão por vir, mas com o pessimismo da razão – citando Gramsci – e o otimismo da vontade, estamos bastante preparados”, disse.
A reitora também pontuou algumas de suas posições quanto a questões, como o Hospital Universitário (HU) e justificou o uso de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação brasileira. “Defendemos o financiamento público, exclusivamente, para a ampliação da rede pública estatal, sem sua aplicação no setor privado, via Prouni [Programa Universidade Para Todos] e o Fies [Fundo de Financiamento Estudantil]”.
Valéria não deixou de fazer críticas aos rumos que a Ufal estava tomando em gestões anteriores. Ela questionou a possibilidade de oferta de cursos pagos na pós-graduação, abordou as más condições de alguns cursos da instituição, especificamente os de Santana do Ipanema e dos cursos de Arte, apontou a necessidade de acabar com a contrapartida laboral dos estudantes e enfatizou o fim da criminalização dos movimentos estudantis. “A Ufal tem uma dívida que se arrasta por várias gerações. Não se pode aceitar as condições de trabalho e de ensino, que por anos e anos os cursos de Artes e cultura enfrentam. Elas expressam a produção científica da Universidade, são a alma da relação entre Universidade e sociedade”, frisou.
A reitora também abordou a necessidade de alargamento de canais de diálogos com os órgãos de controle, o Poder Judiciário e as diferentes esferas do Poder Executivo. “Vamos adotar rotineiramente a prática da transparência. Vamos abrir as contas da Universidade, dizer como e onde está sendo aplicado o orçamento. A Ufal precisa também atender melhor os processos e editais para captação de recursos públicos. Para isso, será fundamental estabelecer prioridades com a comunidade universitária e a elaboração de projetos de forma antecipada para absorver os recursos da bancada federal, agências de fomento e parcerias com demais ministérios do governo federal”, detalhou.
Para Valéria, a Universidade tem uma função essencial de reflexão sobre a atuação do Governo e da sociedade. Ela apontou que a instituição deve pensar em formas de combater os maus números do estado, como os altos índices de violência e pobreza em Alagoas. “Somos uma organização histórica, com a responsabilidade de responder às demandas da sociedade do presente. Isso nos leva a pensar o contexto político, social, cultural e econômico do nosso tempo. Contexto em que a defesa da universidade pública deve ser reafirmada. A universidade, estatal, gratuita e de qualidade é patrimônio do povo brasileiro e como tal, deve ser espaço qualificado de produção de conhecimento crítico e socialmente referenciado, contribuindo para a construção de uma sociedade justa, democrática e emancipada”, sustentou Valéria.
Discursos de convidados e vice-reitor seguiram linha crítica
No mesmo dia em que Valéria Correia recebeu o cargo de Reitora, ela também nomeou o seu vice-reitor, José Vieira, e sua equipe de gestão: o chefe de Gabinete Fernando Medeiros, o Superintendente de Infraestrutura, Márcio Barboza, além dos pró-reitores Institucional (Proginst), Júlio Gomes; de Graduação (Prograd), Sandra Regina da Paz; de Pós-graduação e Pesquisa (Propep), Alejandro Frery; de Gestão de Pessoas e do Trabalho (Progep), Carolina Abreu; Estudantil (Proest), Analice Dantas e a pró-reitora de Extensão (Proex), Joelma Albuquerque.
Todos foram representados por José Vieira, que no discurso de posse abordou a necessidade de atuação da Universidade na democratização do conhecimento. “Temos a clareza da importância do processo de democratização e descentralização do acesso ao ensino superior público federal para o interior do país, em particular, no estado de Alagoas, uma terra de infinitas belezas, de um povo inteligente e trabalhador, mas que convive com interesses e indicadores de desenvolvimento humano incompatíveis com a sua potencialidade”.
Valéria Correia e José Vieira foram respaldados pelos docentes Maria Inês Bravo, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), e Antônio Fernando de Araújo, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), ambos convidados para fazer elogios mandatários à nova gestão. Antônio, que foi professor de José Vieira, de graduação em História, na UFS, afirmou a que a trajetória do vice-reitor mostrava que era possível chegar a reitoria da Universidade com a união da ciência e da consciência social.
“Na graduação, o jovem estudante optou por pesquisar o Centro Popular de Cultura (CPC), da União dos Estudantes Secundaristas de Sergipe, e desde então suas pesquisas são centradas nas memórias da luta contra a ditadura civil-militar brasileira, instaurada em 1964 e findada em 1985. Sua ênfase sempre recaiu sobre o Movimento estudantil, em especial na Universidade Federal de Sergipe. Seu mestrado, feito em Sociologia na UFS, em 2003, e o doutorado de História Social, na UFBA [Universidade Federal da Bahia], em 2012, mantiveram o Movimento Estudantil como eixo de suas reflexões historiográficas”, recordou.
Maria Inês falou da corrente gramsciana que guiou Valéria em suas lutas pela educação e saúde brasileira, além de seu combate à desigualdade social. “A defesa da saúde e da educação pública, universal, gratuita e de qualidade socialmente referenciada tem sido o princípio fundamental, seguido por todos os participantes da campanha e hoje comprometidos aí, com os ocupantes dos diversos cargos da administração. A vitória da chapa Outra Ufal é Possível fortalece os movimentos sociais à continuarem firmes na defesa incondicional contra a mercantilização e privatização da vida e na defesa de uma sociedade justa, sem divisão de classe, gênero, e etnia”.
Homenagem ao Eurico Lôbo
Como parte da cerimônia de transmissão de cargo, o reitor honorário Eurico Lôbo, teve seu espaço na solenidade. Além de receber elogios da docente do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Ufal, Ruth Vasconcelos, o professor defendeu o seu legado.
“Tomamos a iniciativa de expandir e interiorizar a Universidade. Num primeiro momento, liderado pela reitora Ana Dayse, construímos uma equipe absolutamente determinada, porque precisávamos, naquele momento, superar todos os desafios que alguns impunham, mas acima de tudo quebrar culturas que não entendiam o que estávamos fazendo”, dissertou.
Autoridades presentes respaldam parcerias com a Ufal
Entre os representantes institucionais presentes à cerimônia, o reitor em exercício do Instituto Federal de Alagoas (Ifal), Luiz Henrique de Gouvêa, e o secretário de Ciência e Tecnologia e Inovação de Alagoas, Pablo Viana, falaram do papel que a Ufal tem no auxílio à educação e ao desenvolvimento do povo alagoano.
Luís Henrique pontuou que já existe uma grande parceria com a Ufal e que deve ser ampliada com a oferta planejada de cursos, entre as duas instituições. “A gente tem uma parceria muito boa, já na formação de professores, tanto presencial, quanto à distância, inclusive na definição das ofertas, dentro do Programa Universidade Aberta do Brasil, para definir, dependendo da área do Estado, qual instituição iria ofertar os cursos de formação de professores”, disse o reitor em exercício do Ifal.
Pablo Viana também relatou que a parceria com a Ufal já vem de longa data. “Desde essa mudança de gestão, com o governador Renan Filho, a presença da Universidade, por meio de seus pesquisadores e professores participando do seu governo, já é uma realidade. Além disso, o governo tem apoiado algumas pesquisas, fazendo com que os pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas participem das políticas públicas e estratégias de gestão e da mesma forma, apoiando diretamente alguns projetos de pesquisa, principalmente incorporando a opinião dos representantes da Universidade, a partir da participação do Conselho de Ciência e Tecnologia”, detalhou o secretário.
Também presentes à solenidade, as reitoras honorárias, Delza Gitaí e Ana Dayse Dorea, que atualmente está à frente da Secretaria Municipal de Educação, pontuaram o que a Universidade representou em suas vidas. Ana Dayse, foi mandatária de duas gestões entre 2003 e 2010 e disse na solenidade do que sentia mais falta do ambiente acadêmico.
“A gente sente saudade do que é bom e a Universidade Federal de Alagoas foi o lugar em que eu vivi a minha vida inteira. Eu vivi como aluna do curso de Medicina. Logo que eu me formei, tive a felicidade de abrir concurso e eu fiz concurso recém-formada, depois eu fui para a pós-graduação. Então, todo o investimento que eu consegui fazer, eu devo à Ufal. Ela é referência para a minha vida toda. Foram 39 anos muito bem vividos, muitos desafios superados, muitos momentos assim, maravilhosos, fiz grandes amigos até hoje e consegui formar excelentes profissionais, que hoje são meus amigos”, recordou.
Delza Gitaí foi a primeira reitora eleita da Universidade, entre 1987 e 1991. “O principal aprendizado que obtive naquele período é que todas as vozes proclamavam uma vontade de mudança, tanto no Brasil, quanto na Universidade, e eu, como reitora eleita, ouvi muito, errei muito e acertei muito, para trazer, à Universidade, a vontade de ir para a sociedade. Nós assumimos que a Universidade tinha que sair do casulo”, pontuou.