Entenda os impactos da PEC 241 na Rede Federal de Educação

Especialistas analisam a proposta e explicam por que ela é chamada de “A PEC do desmonte”


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Estudantes em protesto no Ifal
Estudantes em protesto no Ifal

Gabriela Rodrigues – jornalista colaboradora

Uma proposta de Emenda Constitucional que prevê o congelamento de gastos públicos em setores básicos como a educação, durante vinte anos, aliada à vedação de concursos públicos. Esta é a proposta da PEC 241/2016, a chamada “PEC do desmonte”, que tem mobilizado estudantes, servidores públicos e movimentos sociais em todo o país, especialmente das instituições públicas de ensino, com o objetivo de barrar um processo que busca precarizar a educação.

As Universidades e Institutos Federais, segundo especialistas, devem ser os mais prejudicados pela medida, caso ela seja aprovada pelo Congresso Nacional. A proposta está sob análise de Comissão Especial, e passa pelo segundo turno de votação na Câmara dos Deputados nos próximos dias 24 e 25, de onde segue seu trâmite para o Senado.

De acordo com a professora do Instituto Federal de Alagoas (Ifal) e vice-presidente do Sindicato dos Servidores Federais da Educação Profissional e Tecnológica no Estado de Alagoas (Sintietfal), Sílvia Regina Mota, a PEC 241 é chamada de “a PEC do Desmonte” porque é mais um recurso de que o atual governo dispõe para promover o “prejuízo e sucateamento da máquina pública, desestruturando serviços essenciais, especialmente a educação”.

“Como a proposta prevê cortes e congelamentos para a educação, além do fim dos concursos públicos, teremos o desmonte das instituições públicas de ensino e um futuro no qual só poderão ter acesso à educação os filhos da elite, ou seja, estudantes cujos pais possam pagar pelo acesso ao curso superior, por exemplo, já que com o desmonte da máquina pública que permite o acesso democrático à educação, a iniciativa privada fica fortalecida”, explica a docente de língua portuguesa.

Sílvia Regina destaca o fato de que a proposta vem muito bem “amarrada” a iniciativas anteriores que, de forma sucessiva, buscam minimizar e prejudicar a oferta de educação pública no país. “Somos bombardeados o tempo todo por surpresas desagradáveis. O governo está muito bem organizado para desmontar os setores públicos e atrapalhar a organização de movimentos de contestação, devido a uma sequência de medidas rápidas e muito bem articuladas”, informa a vice-presidente do sindicato.

Sílvia se refere, primeiramente, ao Projeto de Lei do Senado nº 193/2016, que inclui entre as diretrizes e bases da educação o "Programa Escola sem Partido", determinando a “neutralidade” dos docentes diante de questões políticas, ideológicas e religiosas em sala de aula, com o objetivo de não influenciar nem estimular troca de opiniões nem discussões entre alunos. A medida, que em abril deste ano foi aprovada no Estado de Alagoas ganhando o status de “Lei da Mordaça”, foi seguida alguns meses depois pela Medida Provisória 746, a MP que estabelece “novas diretrizes e bases para o ensino médio”, extinguindo a obrigatoriedade do ensino de várias disciplinas como sociologia e língua estrangeira, além de permitir que sejam contratados "profissionais de notório saber" para dar aulas "afins a sua formação".

Atreladas a estas duas medidas, por fim, a sindicalista destaca a publicação da PEC 241 e da Portaria nº 20, de 13/10/2016, que “coroa” a sequência ao dispor sobre a redução de vagas de cursos de graduação, ofertados por Instituições de Ensino Superior - IES integrantes do Sistema Federal de Ensino. “E um dos efeitos mais drásticos disso tudo será a falta de servidores, pois diante da suspensão de novos concursos públicos, aliada a saída de professores das disciplinas consideradas não obrigatórias pela MP 746, o serviço público vai se esvaziar. A população vai procurar vagas nas Universidades e Institutos e não vai conseguir. Quem puder, vai correr para a iniciativa privada, e esta é a ideia do governo: forçar mecanismos para provar que é o setor privado o que realmente funciona”, avalia Sílvia Regina.

Dívida histórica

O economista e cientista político José Menezes, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), reforça a informação de que o congelamento dos gastos públicos durante vinte anos vai comprometer especialmente a Rede Federal de Ensino por provocar o fim da carreira de muitos que já estão no serviço público, a escassez de concursos públicos e a consequente redução na oferta de vagas para escolas de ensino médio e para as Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes).

Hoje os Institutos Federais têm grande parte de seus alunos filhos de trabalhadores pobres que precisam não só de uma escola pública, mas de uma escola pública e de qualidade. Com a emenda constitucional, o governo pretende inviabilizar o acesso do filho do trabalhador a uma escola ou universidade pública e de qualidade, priorizando o pagamento da dívida pública”, explica o economista. “No entanto, a dívida pública foi contraída por governos que na era pós-regime militar fizeram grandes empréstimos para dar sustentação ao setor majoritário. Mas o que isso representa hoje? Significa que aqueles que causaram a dívida pública por não saberem gerenciar os investimentos públicos de forma correta ou em prol de outros interesses, são os mesmos que agora querem acabar com o serviço público e inviabilizar ao pobre o acesso a serviços públicos de qualidade, em especial a educação”, explica Menezes, que é também coordenador do Núcleo  pela Auditoria da Dívida Pública em Alagoas.

Futuro nebuloso

Ao analisar tecnicamente os artigos e parágrafos da PEC 241, o cientista e político e professor da Ufal Alberto Saldanha é enfático: afirma não haver nenhum aspecto positivo na proposta. “Estamos caminhando para um cenário nebuloso que pode representar a extinção da educação pública brasileira”, revela. Saldanha destaca que o “conjunto de medidas impopulares do atual governo brasileiro” reforça a compreensão de neoliberalismo defendido por partidos como PMDB e PSDB, agora responsáveis pelo comando do país, e tem como base medidas já adotadas na era FHC. “Propaga-se uma ideia falsa de que o Estado gasta mal os seus recursos, e não é bem assim. Vamos assistir a um processo de desmonte em que tudo será entregue ao capital privado, e que poderá ser difícil reverter, a depender do resultado das próximas eleições para presidente, em 2018”, avalia o cientista político.

Já a economista e professora da Ufal Luciana Caetano, entende que as propostas para o enxugamento de gastos, muito além de “estagnar” e prejudicar setores essenciais e a população que depende destes, pode provocar um “efeito rebote” na sociedade brasileira e agravar a crise no país. “Não é consenso entre os economistas que este corte de gastos seja uma medida plausível, visto que os cortes e congelamentos propostos tendem a afetar a formação e o poder aquisitivo das camadas de baixa renda, a ‘base da pirâmide’, que tem um peso significativo para o país. Consequentemente, em vez de resolver, isto pode agravar a crise, já que com isto a capacidade de arrecadação do Estado também diminui”, explica a economista.

Segundo Luciana, dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam que entre os anos de 2002 e 2015, o montante de recursos investidos em cultura/educação no Brasil aumentou em quase 158%, percentual que ainda não é considerado suficiente para ampliar o acesso à educação, embora represente avanços. Se a PEC for aprovada, o congelamento de repasses vai gerar prejuízos incalculáveis à população. “Esgotar os serviços públicos significa que quem já tem dificuldades de acesso, agora não terá mais acesso nenhum. Cortar investimentos em setores como a educação vai acentuar as desigualdades, vai aumentar o abismo entre ricos e pobres neste país”, conclui.

Medidas alternativas

Luciana Caetano entende que a “imprudência” em propor um corte de gastos em setores essenciais poderia ser substituída pela “prudência” com os gastos públicos, qualificando e priorizando investimentos em setores estratégicos e que possam gerar renda. “É muito mais importante definir a qualidade dos gastos do que o corte nos gastos. A economia é dinâmica, cíclica, seria mais prudente um planejamento para investimentos de médio prazo em setores estratégicos como construção civil (devido ao déficit habitacional), matriz energética, indústria automobilística. Elevar o gasto público nesses setores, ainda que com empréstimos do BNDES ou com a parceria de investimentos privados, seria uma alternativa ao equilíbrio das contas, já que tais setores geram empregos, distribuição de renda e arrecadação tributária. O governo tem que ter a capacidade de fazer apostas seguras, renovar a capacidade de produção”, propõe a economista.

Luciana destaca ainda que a adoção de uma política econômica que vise à redução das altas taxas de juros e ao câmbio valorizado, evitaria o crescimento da dívida pública, gerando, portanto, o equilíbrio nas contas do governo.

O professor de Sociologia do Ifal, Gabriel Magalhães é membro da Diretoria Executiva do Sintietfal, e ao contestar a “PEC de corte dos gastos”, também menciona algumas medidas alternativas que poderiam auxiliar no equilíbrio das contas públicas, sem inviabilizar os repasses para a educação. “O desarranjo conjuntural das contas públicas deveria ser solucionado com medidas estruturantes e de longo prazo, mas na perspectiva dos interesses populares, tais como democratização dos serviços de saúde e educação, jamais por mecanismos como a PEC 241. Importantíssimo também uma reforma tributária que busque alterar a estrutura tributária nacional, pois de uma carga tributária de 32,7% do PIB em 2013, apenas 8,1% do PIB provém de impostos que incidem sobre a renda e o patrimônio, ao passo que 15,2% advém da tributação dos bens e serviços, típico imposto regressivo que corrói o fundo de salário da massa trabalhadora e mesmo de seus estratos médios, como é o caso dos servidores federais. Por fim, mas não menos importante, tínhamos que realizar uma auditoria cidadã da dívida pública, cumprindo previsão constitucional e jamais realizada. A ilegitimidade e mesmo a ilegalidade desta dívida ficaria exposta, o que garantira mais recursos para os serviços públicos.”

Mobilização

Manifestações e ocupações de escolas e campi de universidades e Institutos Federais em todo o país têm sido noticiadas frequentemente, como forma de contestação do movimento estudantil contra as reformas na educação. Segundo a União Brasileira os Estudantes Secundaristas (Ubes), já são 407 escolas ocupadas em todo o país. Em Alagoas, quatro campi do Ifal já foram ocupados: Maragogi, Santana do Ipanema, Satuba e Marechal Deodoro. No campus Maceió, estudantes organizaram protesto que percorreu as ruas do centro da cidade e há possibilidade de ocupação. Em Murici, alunos mobilizam-se para ocupação na próxima semana.

Já na Ufal estudantes de vários cursos ocupam o campus da Universidade em Delmiro Gouveia, no Sertão de Alagoas e a Unidade de Palmeira dos Índios. 

 

* Matéria publicada originalmente no site do Ifal.