Professor Ruy Braga analisa reforma da Previdência durante o Caiite 2016

“A forma mais desigual de implementar uma política é tratar pessoas desiguais como se fossem iguais”, afirma o professor da USP


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Rose Ferreira – jornalista colaboradora

No último dia 6 de dezembro, foi encaminhada à Câmara dos Deputados pelo governo de Michel Temer a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, a PEC da Reforma da Previdência, que altera as regras de aposentadoria.

Aproveitando a participação do professor Ruy Braga, uma referência no assunto, no Congresso Acadêmico Integrado de Inovação e Tecnologia (Caiite) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), fizemos uma entrevista na qual ele esclarece as implicações desta reforma, bem como aponta a importância da Previdência na economia e a necessidade de incluir mais pessoas e recursos nela.

Ascom Ufal: Como você avalia a PEC 287, que trata da reforma da Previdência?

Ruy Braga: Eu tenho destacado três grandes dimensões, que eu diria regressivas, da Proposta de Emenda encaminhada pelo governo Temer.

A primeira delas tem a ver basicamente com as desigualdades regionais. A forma mais desigual de implementar uma política é tratar pessoas desiguais como se fossem iguais. Os entes federativos são distribuídos desigualmente em termos, por exemplo, de expectativa de vida. Então, se você pegar a expectativa de vida masculina no Maranhão é abaixo de 65 anos, no Piauí e Alagoas é 65, ou seja, você estender a Previdência para os 65 anos significa, em termos práticos, que você vai estar retirando do sistema previdenciário estados inteiros da Federação. E isso tem evidentemente um profundo impacto, não só de aprofundamento de desigualdade, mas de subtração de direitos numa época da vida que a pessoa está mais carente, dependente desses direitos sociais garantidos pela Constituição Brasileira.

A segunda discussão que eu tenho feito é que, a rigor, o que o Governo está propondo é tornar o acesso ao Direito Previdenciário mais difícil, então aumenta o tempo de contribuição, a idade mínima de 65 anos e aumenta também o tempo de contribuição daqueles que começaram a trabalhar antes, ou seja, é criado todo um conjunto de mecanismos que basicamente vão punir o trabalhador com mais tempo de contribuição. Qual o problema disso? O problema disso é que no Brasil, tendo em vista as características históricas do mercado de trabalho brasileiro, é que temos um mercado desestruturado e a medida dessa desestruturação é ainda o tamanho do setor informal da economia; isso faz com que a contribuição do trabalhador seja muito errática, porque as trajetórias típicas dos trabalhadores que ganham até dois ou três salários mínimos são marcadas por lacunas de contribuição – durante um certo período o trabalhador tá no mercado de trabalho formal, daí ele é demitido e vai pra informalidade, fica um tempo lá e não consegue contribuir durante esse período porque a renda é muito errática, depois volta pro mercado formal, contribui mais um pouco; ou seja, as trajetórias são muito erráticas e marcadas por esses períodos em que o trabalhador não contribui. Sendo assim, quanto mais tempo você leva de contribuição, menos gente ascende ao direito de aposentadoria. A Reforma que está sendo proposta prejudica ainda mais esse trabalhador, que podemos chamar genericamente de trabalhador subalterno.

A terceira questão que eu tenho insistido, porque não há clareza na massa da população, já que aparentemente foi incorporada a ideia de que a Previdência é deficitária, é que é exatamente o contrário do que vem sendo falado: o rombo previdenciário que não existe como o rombo previdenciário tal qual é apresentado pelo governo. Porque na verdade, simplesmente, o Governo passou a calcular o montante que se arrecada para a Previdência como contribuição de trabalhadores e empresas, só que ele não computa toda a obrigação, constitucionalmente prevista, em termos de Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e uma série de fontes previdenciárias que não são computadas, porque são utilizadas para pagamento da dívida pública, por exemplo, e isso desde a época do Governo Fernando Henrique que estabeleceu essa regra da Desvinculação de Receitas da União (DRU), utilizando parte do dinheiro que iria para a Previdência para pagar dívida pública.

O que o Governo diz é que é preciso uma Reforma que retira direitos e pessoas do centro previdenciário para fazer frente a um rombo, quando na verdade é o contrário disso – você precisa de mais gente entrando no sistema previdenciário, para que haja propriamente um aumento de contribuição, um crescimento econômico; e a Previdência é um instrumento de crescimento econômico, porque é um dinheiro que entra e vai direto para o comércio, para a circulação, ou seja, todo dinheiro que é gasto com pensões, aposentadorias etc é um dinheiro que entra na base da pirâmide social e que se transforma, imediatamente, em tributo para o Governo, então o que ele deveria fazer é cumprir a lei e garantir que a Previdência recebesse suas verbas constitucionais, parar de usar a Previdência como mecanismo de transferência regressiva para o mercado financeiro, utilizando desonerações, eliminação de PIS e COFINS, ou seja, tudo aquilo que iria para a Previdência e vai para o mercado financeiro, injetar tudo isso na Previdência, aumentar as pensões e aposentadorias pra que isso se transforme em crescimento econômico. Porque o dinheiro que ele tira da Previdência e coloca no banco fica lá no banco e não entra na base, ou seja, não gera crescimento.

A gente deveria estar discutindo como incluir mais gente, como colocar mais recurso na Previdência, como ampliá-la, como ampliar as fontes de financiamento e não o contrário – como limitar, como impedir que as pessoas ascendam ao direito previdenciário, à aposentadoria, às pensões, diminuir as tensões; daqui a pouco, a Previdência vai estar pagando metade de um salário mínimo para os pensionistas, ou seja, isso é uma tragédia, é absolutamente regressivo. E, se há uma possibilidade de tirar o país da crise econômica, eu tenho certeza que o reforço da Previdência é o meio absolutamente estratégico e necessário.

Ascom Ufal: E sobre os militares que, pelo menos, a princípio não serão implicados nessa reforma?

Ruy Braga: A rigor, o governo não tocou na proposta de Reforma da Previdência em setores que são chave e que respondem pela maior parte do rombo do setor público. Os militares representam 1/3 desse rombo – R$ 75 bilhões –, como outros regimes especiais de aposentaria também que não foram tocados. Isso significa que o governo cede às corporações, aos interesses corporativos e particulares que estão encastelados dentro da sua gestão, em detrimento da ampla esmagadora da população que vai se ver privada dos seus direitos. Ou seja, a proposta de Reforma da Previdência tal qual foi apresentada é, a rigor, é uma reforma que aprofunda as desigualdades, quer sejam as desigualdades de renda ou as desigualdades no interior do próprio estado, com as diferenças entre os regimes especiais. O governo deu um passo atrás, mas isso foi meramente tático, porque a rigor a intenção é que não mexa nas pensões dos militares, por razões óbvias, então me parece que essa é a cara da Reforma proposta pelo governo Temer: de um lado aumentar a desigualdade e do outro lado punir o trabalhador.

Ascom Ufal: Como educador, como você avalia o fato de que para se aposentar com integralidade aos 65 anos, o trabalhador teria que começar no mercado formal aos 16 anos?

Ruy Braga: Isso é uma tragédia que você começa a perceber os pontos de contato e as conexões com as diferentes propostas que estão sendo implementadas. Por exemplo, a Reforma do Ensino Médio vai nessa direção, ela restabelece o ensino profissionalizante de curto ciclo, cujo objetivo é formar rapidamente o jovem para o mercado de trabalho. Então, o que o governo está dizendo com isso? Que o sonho do curso universitário, do progresso educacional não é pra todo mundo, porque, para a maior parte, o que se tem na verdade é uma formação rápida para gerar força de trabalho barata para o mercado. E isso se soma, por exemplo, ao aumento do tempo de contribuição para que você possa se aposentar com o salário integral ou algo próximo; quer dizer, você vai estar forçando as pessoas a ingressar mais cedo no mercado de trabalho para poder ter um horizonte de aposentadoria no futuro. É o tipo da situação que penaliza, elimina as expectativas sociais, porque as pessoas vão trabalhar mais tempo em um trabalho alienante, adoecedor, subalterno, que não oferece perspectiva de progresso individual.

Ascom Ufal: E, nesse contexto, o trabalhador rural seria ainda mais penalizado.

Ruy Braga: Sem dúvida, porque o trabalhador rural começa a trabalhar muito cedo, sem nenhum tipo de registro, com enormes dificuldades de provar que contribuiu ou começou a trabalhar. Então é o que eu sempre digo: tratar desiguais como sendo iguais é a maneira mais eficiente de reproduzir a desigualdade. O governo quando propõe uma reforma dessa sem discutir, sem identificar, de fato, quais setores que precisam de uma reforma, ele faz exatamente isso: aprofunda a desigualdade por “n” fatores.

Ascom Ufal: Para finalizar, qual seria a solução para esse problema?

Ruy Braga: Em primeiro lugar, cumprir a Constituição; isso é um ponto pacífico. Você não pode mais penalizar a Previdência não repassando, por exemplo, o PIS/COFINS e outras fontes de recursos previdenciários previstos na Constituição.

Em segundo lugar, você tem que acabar com essa desoneração da folha salarial das empresas, que prejudica a arrecadação tributária e o recurso previdenciário. Além disso, precisa aumentar as pensões, a formalização do mercado de trabalho, o valor das aposentadorias para que haja uma maior inserção de recurso na base da economia.