Grupo de teatro conta histórias do Brasil que não estão nos livros

Textos são construídos coletivamente e são resultados de pesquisas que vão além do que é contado em sala de aula


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As atrizes Thaís Dias e Valéria Rocha integram o Coletivo Quizumba
As atrizes Thaís Dias e Valéria Rocha integram o Coletivo Quizumba

Simoneide Araújo - jornalista colaboradora

Ao contar histórias do Brasil que nem sempre estão nos livros, o Coletivo Quizumba traz uma proposta de troca de vivências, diálogos e informações, com respeito e humildade, como frisaram as atrizes Thais Dias e Valéria Rocha. O grupo paulista trouxe para Alagoas - Maceió e União dos Palmares - o espetáculo Quizumba!, além de oficinas e rodas de conversa para trocar informações e histórias. "Nosso maior interesse é estar perto de onde essas histórias aconteceram e conhecer pessoas que têm outras histórias ou que sabem mais do que a gente", destacou Valéria Rocha.

Em Maceió, as atividades aconteceram na segunda (7), no Espaço Cultural da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e foram trazidas por meio da produtora Daniela Beny, com apoio da Escola Técnica de Artes (ETA). Tudo que foi realizado faz parte do projeto Quizumba na Raiz, que propõe a circulação do espetáculo, a realização de oficinas de compartilhamento do processo de criação e rodas de conversas com a equipe de criação.

A seguir, você confere a conversa que tivemos com a atriz Valéria Rocha.

ETA - O que vocês buscam e por que trazer esse projeto para Alagoas?

Valéria Rocha - Nosso projeto se chama Quizumba na raiz e com ele a gente conta a história do Mestre Pastinha, um mestre de Capoeira Angola, e do Quilombo dos Palmares. Fizemos a circulação por Pernambuco, Bahia e Alagoas, estados onde essas histórias aconteceram. Nosso maior interesse aqui em Alagoas, principalmente em União do Palmares e Maceió, é estar perto de onde essas histórias aconteceram e conhecer pessoas que têm outras histórias ou que sabem mais informações do que a gente. Nós estamos em São Paulo e estudamos tudo pelos livros e, como falamos durante a oficina, a gente estuda a cultura africana e afro-brasileira e, para isso, existe a questão da tradição oral que é muito forte. Então todo processo do projeto, além de apresentar o espetáculo, é estar com essas pessoas, sejam elas senhores e senhoras de idade do Muquém [povoado em União dos Palmares, cujas famílias são descendentes de quilombolas], crianças, jovens ou estudantes de teatro. É, de fato, ter contato, estabelecer troca, diálogo com as pessoas, porque há muitas coisas que a agente estudava nos livros, mas que aqui nesse Estado muita gente sabe muito mais do que conseguimos aprender. Também estamos trazendo um pouquinho do que a gente construiu, do que a gente sabe.

ETA - O que vocês conseguiram na oficina, em Maceió?

Valéria Rocha - Aqui em Maceió foi a oficina mais diferente da nossa turnê por onde passamos [Bahia, Pernambuco e São Paulo]. Normalmente, a gente faz o compartilhamento do processo de criação e trabalha basicamente com a narração de histórias, como contar uma história a partir de uma perspectiva popular e como construir um personagem de forma colaborativa, porque nosso grupo trabalha com processo colaborativo. Todos os personagens que estão no espetáculo foram criados com a colaboração do elenco - processo corporal, de fala, texto... A ideia é trazer um pouco do que vivenciamos para os atores daqui. Compartilhar isso. A gente criou junto com os participantes da oficina. Só que aqui aconteceu algo interessante porque nos outros estados onde estivemos, as pessoas falavam mais e isso não aconteceu em Maceió. Aí nós achamos estranho aquela reação e lembramos que a Dani [produtora Daniela Beny] havia nos falado que o grupo era aluno de dança. A partir daí a gente adaptou a oficina destacando o corpo e trazendo também a palavra que é o foco do nosso trabalho. Tudo foi muito legal porque as histórias foram surgindo com a linguagem corporal, com muita expressão, unindo dança, teatro e capoeira.

ETA - E sobre o espetáculo Quizumba!?

Valéria Rocha - O espetáculo fala de covardia e valentia e, enquanto elenco, é isso que a gente sente. É muita responsabilidade. Inclusive teve um mestre de capoeira da Bahia que disse que nós éramos muito ousados porque viemos de São Paulo contar a história do Nordeste. E é isso mesmo, é um misto de valentia e medo. A história que nós contamos aconteceu aqui em Alagoas, que era capitania de Pernambuco. Contamos essa história para pessoas que já a conhecem, na maioria das vezes. Por isso que há essa troca, com respeito e humildade.

ETA- Por que vocês escolheram Zumbi e o Quilombo dos Palmares? Como chegaram a Zumbi dos Palmares?

Valéria Rocha - A gente começou o grupo com a ideia de pesquisar a cultura africana e a afro-brasileira; foi nosso primeiro passo. Também estudamos a Capoeira Angola e, a partir disso, começamos a estudar História, contos africanos e afro-brasileiros. Mas nosso propósito era estudar História do Brasil e todo o grupo faz isso até hoje. Tem uma escritora nigeriana Chimamanda Adichieque fala sobre o perigo de uma única história e isso tem sido um norte para o nosso trabalho. Quando começamos a estudar definimos que seriam heróis negros no Brasil e a bibliografia sobre isso é muito pouca. Quando pegamos um livro didático lá em São Paulo, por exemplo, sobre Zumbi tem meia página falando sobre ele e o Quilombo dos Palmares. É muito pouco para falar de um período que durou 100 anos e envolveu cerca de 30 mil pessoas. Vimos que tem carta de Zumbi para o governador de Pernambuco e para o rei de Portugal e o que normalmente se aprende é "foi uma história assim, umas cem pessoas se reuniram ali no fundinho de Pernambuco, não foi nada muito importante..."

O que Chimamanda Adichie fala é que essas histórias constituem a formação de um povo e que tudo isso é importante porque a gente é educado de uma forma e nem sempre aprende a outra versão da história, que é a luta do povo negro. A gente não aprende isso. Foi a partir daí que fomos buscar que histórias são essas que não são contadas nos nossos livros, histórias do Brasil. A gente fala de Zumbi, mas nosso foco é o Quilombo como um todo; nossa proposta não é colocar o Zumbi como um herói, mas destacar o Quilombo como um grupo de pessoas que foram heroínas naquele momento.