Pesquisa avalia política de cotas na Faculdade de Medicina da Ufal
Mesmo com reserva de vagas, estudo mostra que ainda é pequena a inserção de negros no curso da área médica
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Thâmara Gonzaga – jornalista
É desejo de vários jovens cuidar da saúde humana através do exercício da medicina. E as circunstâncias mostram o quanto de esforço é necessário para alcançar esse objetivo, uma vez que a graduação requer dedicação integral, muitos anos de estudo e materiais didáticos de custo elevado. Nesse contexto, as dificuldades socioeconômicas e a falta de um ensino de qualidade são realidades cruéis que impedem a realização desse sonho por muitos estudantes, sobretudo, negros, pobres e oriundos de escola pública.
“Historicamente, essa é a formação mais elitizada, que recebe alunos brancos, com boa situação financeira e que tiveram uma educação básica melhor”, explica a professora do Centro de Educação (Cedu), Jusciney Carvalho, que tem vários trabalhos sobre políticas afirmativas e acesso ao ensino superior. A docente sustenta o seu relato com informação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que apresenta a medicina como a carreira que tem o maior percentual de profissionais que se autodeclaram brancos.
Partindo desse dado oficial, com base na política de reserva de vagas nas instituições federais de ensino (prevista na Lei 12.711/2012) e no Programa de Ações Afirmativas (PAAF) da Universidade Federal de Alagoas, Carvalho pesquisou se já era possível observar alguma mudança nas características etnorraciais do curso de Medicina da Ufal.
“O meu trabalho buscou identificar se havia um aumento considerável de estudantes não-brancos que fosse capaz de contribuir para a diminuição das desigualdades sociais e para ascensão de negros nesse espaço”, esclarece. O estudo deu origem à tese de doutorado em Educação, defendida pela docente em 2015, cujo título é Tem preto de jaleco branco? Ações afirmativas na Faculdade de Medicina da Ufal.
Limites na implementação da política de cotas
Mesmo com a reserva de vagas nas instituições de ensino superior, segundo dados da pesquisa, ainda é pequena a inserção de negros no curso de Medicina da Universidade. De acordo com o levantamento feito por Jusciney Carvalho, em 2014, dos 3.562 estudantes cotistas da Ufal, apenas 24 eram graduandos da área médica.
“O trabalho diz respeito não ao insucesso da política de cotas, mas aos limites para implementá-la e que impedem a sua plena materialização, culminando para manter uma maior inserção de brancos e pardos que apresentam melhores condições econômicas, culturais e sociais, deixando à margem os não-brancos oriundos, em sua maioria, da rede pública de ensino”, explica Carvalho.
A pesquisadora aponta que a incapacidade e o desinteresse do Estado em investir na qualidade da educação básica da rede pública são alguns dos fatores que impedem o acesso de negros e pobres ao curso da área médica. Ela salienta que a concorrência também é alta entre os cotistas e os aprovados, geralmente, são aqueles que cursaram o ensino médio em instituições federais que apresentam melhores condições que as escolas das esferas estadual e municipal.
E conseguir a pontuação necessária para entrar no curso superior é apenas o primeiro dos desafios enfrentados por alunos que optaram pela reserva de vagas. De acordo com a pesquisa, após ingressar no curso, muitos enfrentam sérias dificuldades para continuar os estudos por falta de dinheiro para pagar transporte (deslocamentos diferentes entre a Universidade e hospitais), materiais didáticos, moradia e alimentação.
“Daí a importância do Programa de Ações Afirmativas da Ufal, aprovado desde 2005, para garantir não só o acesso, mas a permanência desses discentes. A política de cotas é uma realidade muito importante, mas é preciso avançar, definir estratégias de gestão nas dimensões acadêmica, administrativa, cultural e financeira para absorver esse novo perfil discente formado por pretos e pardos pobres”, defende.
Jusciney Carvalho relata que o PAAF não tem um orçamento específico, o que dificulta o atendimento a um número maior de alunos. Segundo a professora do Cedu, em 2014, do total de estudantes matriculados na instituição alagoana, 14,43% recebiam bolsas institucionais ou de projetos externos.
“É na população negra que se concentra os mais graves índices educacionais, as ocupações manuais menos qualificadas e as piores remunerações. Tudo isso contribui para o fato de não termos um número maior de pretos de jaleco branco”, argumenta a docente.
A forma de apresentação da política de cotas para a sociedade e o fomento às ações afirmativas na rede privada (como Prouni e Fies) em detrimento da rede pública são outras situações apontadas pela pesquisadora que também dificultam o acesso ao curso de Medicina da Ufal e demais universidades públicas no Brasil.
Ela aponta a necessidade de investir na divulgação das ações afirmativas, motivando a comunidade acadêmica a pensar sua população em termos etnicorraciais. “É necessário estimular novas medidas para desconstrução social do racismo. Estamos em Alagoas, terra do Quilombo dos Palmares, de Zumbi, mas é perversa a persistência do preconceito racial em todos os segmentos”, salienta.
Sobre o PAAF e a Lei 12.711/2012
O Programa de Ações Afirmativas da Ufal é formado por um conjunto de ações que têm como objetivo contribuir para a eliminação das desigualdades sociais e raciais.
Aprovado pelo Conselho Superior (Consuni) e pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) da Ufal no ano de 2005, está estruturado em quatro subprogramas: políticas de cotas; de acesso e permanência; curriculares de formação de professores; e de produção de conhecimento.
Já a Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012, conhecida como Lei de Cotas, garante a reserva de vagas em instituições federais de ensino, superior e técnica de nível médio, para estudantes que tenham frequentado integralmente escolas públicas, oriundos de famílias com renda igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita, ou que se autodeclarem pretos, pardos e indígenas.