Pesquisa desenvolve métodos de cicatrização para tratamento de câncer de pele

Cicatrização dirigida e enxerto de pele de uma região distante do tumor diminuem a possibilidade de volta dos cânceres


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Paciente que passou pela cicatrização dirigida. A: pré-operatório, mostrando várias lesões em face. Em B: intraoperatório de cirurgia para exérese das lesões. Em C: pós operatório de 2 meses e 15 dias, mostrando resultado de cicatrização assistida. Crédito: Grupo Carcinogênese
Paciente que passou pela cicatrização dirigida. A: pré-operatório, mostrando várias lesões em face. Em B: intraoperatório de cirurgia para exérese das lesões. Em C: pós operatório de 2 meses e 15 dias, mostrando resultado de cicatrização assistida. Crédito: Grupo Carcinogênese

Hágata Christye, Marília Ferreira, Ruana Padilha e Suely Melo - estudantes de Jornalismo

Exposição solar sem nenhuma proteção ao longo da vida e predisposição genética são alguns dos fatores que desencadeiam o câncer mais comum no Brasil e no mundo: o de pele. Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), foram registrados mais de mil novos casos em Alagoas só em 2016. Este tipo de câncer é preocupante pelo grande número de casos e pelas possíveis mutilações.

Os dados mostram que, desse número, 480 foram registrados em homens e 610 em mulheres. Somente em Maceió, foram identificados 260 novos casos, sendo 120 verificados em homens e 140 em mulheres.

Devido aos altos índices registrados no Estado, o professor e pesquisador, Fernando Gomes, desenvolveu junto com estudantes da Faculdade de Medicina (Famed), da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), métodos de cicatrização após a retirada dos cânceres de pele não melanomas, que são os mais comuns, prevalecendo em 95% dos casos.

O grupo de pesquisa, nomeado “Carcinogênese” – processo no qual células normais se transformam em células cancerígenas – foi criado há cerca de doze anos e estuda a cicatrização dirigida e o enxerto de pele de uma região distante do tumor. Ambos os métodos têm o objetivo de fazer com que não apareçam novos cânceres nas áreas em que foram retirados.

As técnicas são aplicadas em pacientes do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA), na Cidade Universitária, em Maceió, totalmente de graça, há mais de 10 anos. Cerca de 120 cirurgias são realizadas anualmente no hospital.

De acordo com o professor, o método de cicatrização mais comum no país é o enxerto de pele de uma região próxima de onde os tumores ficam localizados. “Geralmente os cirurgiões fazem a retirada do tumor e sempre o fecham utilizando enxerto de pele localizada perto da área onde o tumor foi retirado porque quanto mais próximo à cor e à cosmética, o aspecto é melhor. Porém, usando esse método os tumores quase sempre voltam”, relata.

Com essa reincidência dos tumores nas mesmas áreas já retiradas, o professor notou que fazendo um processo de cicatrização dirigida, que consiste em fazer a retirada do tumor e deixar a área aberta, ainda não houve casos de recorrência de tumores nas mesmas localidades.

“Nós retiramos o tumor e deixamos a área aberta para que o processo de cicatrização aconteça espontaneamente, sempre acompanhando os pacientes para que, caso haja alguma alteração, possamos intervir. Mesmo com a área ficando desprotegida, a resposta é melhor. E somente caso seja necessário usamos o enxerto de pele”, explica.

Já o enxerto de pele a distância, segundo o professor, é utilizado quando for preciso que a área aberta pela retirada do tumor seja fechada. Ele consiste em enxertar uma pele de uma área distante onde estão localizados os tumores. “Usamos enxerto de pele à distância porque geralmente o sol não atua naquela pele, e assim ela poderá ter uma atuação melhor. A exemplo da região da virilha, onde as células não foram expostas ao sol”, diz.

Atualmente, a pesquisa conta com doze estudantes e, além do Dr. Fernando, também participam da coordenação do estudo os professores e pesquisadores Cláudio Cavalcanti, da Ufal; Lydia Massako, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); e Camila Beder, da Ufal.

Entenda o processo da formação do câncer

O processo de carcinogênese, segundo o Inca, ocorre lentamente, podendo levar vários anos para que uma célula cancerosa se manifeste e dê origem a um tumor visível. Há três estágios antes da formação do tumor, são eles: a iniciação, a promoção e a progressão.

A iniciação, que é primeiro estágio da carcinogênese, acontece quando as células sofrem os efeitos de agentes cancerígenos que provocam modificações nos genes. Nesse estágio, a célula está geneticamente alterada e se encontram iniciadas para a ação de um segundo grupo de agentes.

Após esse primeiro estágio, ocorre a promoção, que é quando as células já alteradas são transformadas em células malignas lentamente. Segundo o Inca, para isso acontecer é necessário um longo contato com o agente cancerígeno. A suspensão desse contato pode interromper o processo. (No caso dos cânceres de pele, deixar de se expor ao sol pode interromper a formação do câncer).

O terceiro e último estágio da formação do câncer é a progressão. Ele é caracterizado pela multiplicação descontrolada e irreversível das células alteradas. Na progressão o câncer já foi instalado e é possível observar suas primeiras manifestações.

Tipos de câncer de pele não melanoma

Segundo o professor Fernando Gomes, são dois os tipos de câncer de pele não melanoma – que são os estudados pelo grupo de pesquisa -, são eles: o carcinoma basocelular e o carcinoma epidermoide ou espinocelular.

O carcinoma basocelular é o tipo de câncer mais comum. Ele surge nas células basais, que são as mais profundas da parte superior da pele (epiderme). Ele apresenta baixa mortalidade e é frequentemente desenvolvido em regiões mais expostas ao sol.

Já o carcinoma epidermoide é o segundo mais comum. Ele se manifesta nas células escamosas, que formam a maior parte das camadas superiores da pele. Ele se apresenta em todas as partes do corpo humano, sendo mais comum nas áreas que existe exposição solar.

Há também o tipo de câncer de pele melanoma, que não é tratado pela pesquisa do grupo Carcinogênese. Este tipo é o mais grave devido à alta possibilidade de metástase, que é a invasão do câncer em outros órgãos do corpo.

Esperança de uma vida melhor

Três crianças que sofrem com o Xeroderma Pigmentoso – uma doença genética rara caracterizada pela vulnerabilidade aos efeitos dos raios solares que causam câncer de pele – são tratadas no HU. A incidência de tumores de pele nos portadores desta doença é cerca de 1.000 maior que a média da população, de acordo com a pesquisa.

Essas crianças já passaram por diversos procedimentos na área de cirurgia plástica do hospital, que conta com um tratamento diferenciado, em um espaço rodeado de brinquedos e livros infantis. Segundo os estudos do grupo, com os métodos de cicatrização aplicados nas meninas, não foi verificada a volta dos tumores nas áreas onde foram retirados.

A cicatrização dirigida dessas pacientes é acompanhada no ambulatório do hospital quinzenalmente. Caso seja observado o aparecimento de deformidades ou alterações na região operada, é feito um enxerto de pele retirado de uma região com menor exposição à luz solar.

O estudante de medicina do 8º período da Ufal e membro do grupo Carcinogênese, Elton Leandro, relata que o papel da pesquisa é de fundamental importância para a população.

“Uma parcela significativa da sociedade é exposta a fatores diversos que culminam com o surgimento de tumores de pele, os quais requerem uma abordagem cuidadosa e de cunho científico, que não envolva a simples retirada do tumor, mas promova uma construção terapêutica que prime pelo bem-estar e qualidade de vida do paciente assistido. O grupo de pesquisa e a atenção demonstrada pelo professor aos inúmeros pacientes atendidos no serviço de cirurgia plástica do HU denotam o caráter social e científico que a pesquisa possui”, conclui.

Além das crianças com xeroderma, no HU também é tratado um grupo de albinos – pessoas mais propensas a desenvolver lesões na pele pela falta de defesa contra os efeitos dos raios solares – de uma comunidade quilombola no município de Santana do Mundaú.

O Albinismo é uma condição causada pela deficiência na produção de melanina. Pessoas com esse problema são muito brancas e, dependendo do grau, podem apresentar alterações até mesmo na cor dos olhos e dos cabelos. A falta de pigmentação da pele faz com que o organismo de pessoas albinas fique mais suscetível às queimaduras solares e ao câncer de pele.

“O grupo Carcinogênese é de extrema importância para a sociedade, pois ele se preocupa em estudar uma doença muito prevalente na população, com o enfoque em entender, pesquisar e aprender a fisiopatologia da doença e possíveis abordagens terapêuticas, sempre com o objetivo de proporcionar uma melhor qualidade de vida aos pacientes”, explica a estudante de medicina e participante do grupo há dois anos, Raíssa Ruperto.

Prevenção

Devido à alta exposição solar, qualquer pessoa pode desenvolver o câncer de pele. O protetor solar, por sua vez, torna-se um fator essencial na prevenção de eventuais doenças de pele que possam surgir futuramente. A principal recomendação dos médicos é evitar exposição ao sol das 10h às 16h e utilizar proteção solar, chapéu, guarda-sol, roupas de manga e óculos escuros.

Segundo a pesquisa do grupo Carcinogênese, o uso do protetor desde a infância reduz em até aproximadamente 78% a chance de desenvolver câncer de pele na população.

Lei garante gratuidade do protetor para pessoas albinas

A lei municipal Nº 6.605, de 22 de março de 2017, garantiu a distribuição gratuita de protetor e bloqueador solar para pessoas residentes em Maceió que têm albinismo. A distribuição é feita mensalmente por médicos por meio do Programa de Atenção à Pessoa com Deficiência da Secretaria Municipal de Saúde.