Neurologista do HU faz descoberta relacionada a redes neurais
Caso de paciente com crises epiléticas fez o médico o Fernando Gameleira comprovar estudos sobre o problema
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O Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA) recebeu, há alguns anos, uma paciente diferente na ala de Neurologia. Seu caso não era como os demais e isso chamou a atenção do neurologista Fernando Gameleira. A paciente era do interior de Alagoas e foi um “elo perdido” na pesquisa das redes neurais aplicadas às epilepsias e aos transtornos de movimento.
“Era um caso que nunca havia sido descrito, mas se sabia que era muito provável que existisse, porque as crises epilépticas podem ser demonstradas em todos os tipos de comportamento, motor ou não motor. Quando vi esse caso, eu sabia que era uma coisa muito importante”, contou Fernando.
O médico explicou que percebeu o problema pela frequência de crises relatadas: de 15 a 20 vezes por dia, desde a fase bebê, de seis a oito meses de idade. Gameleira conta que um eletroencefalograma no momento da ocorrência constatou a crise epilética e foi o ponto de partida para o tema já bastante estudado pelo neurologista. “As redes neurais entraram nesse caso porque a gente detectou o aparecimento da atividade epiléptica numa área cerebral que a gente sabe que não é a área principal”, justificou.
Fernando comemora a recente publicação do trabalho que é resultado de quatro anos de pesquisa no importante periódico internacional Journal of the Neurological Sciences.
Descoberta arduamente comprovada
Nessa descoberta, o caminho não foi simples. Diversos empecilhos surgiram e acabaram por atrasar o progresso da pesquisa. Um deles foi o impedimento de envio de material para análise fora do Brasil, como explicou o professor. “A gente demorou quatro anos para publicar o trabalho, mas por questões burocráticas, pelas dificuldades que a gente teve, por exemplo, para fazer DNA. Se a gente não tivesse tido essas dificuldades burocráticas, isso teria sido feito em um mês, dois no máximo”, explicou Gameleira.
Ainda sobre essa questão, o médico explicou que uma mostra do DNA da paciente precisou ser enviada para análise na Coreia do Sul, onde era mais barato para se realizar o exame, mas por exigência da revista onde seria publicado o trabalho, também foi preciso realizar uma análise dos familiares da paciente. Foi nesse ponto que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), acreditando que a grande quantidade de DNA enviado era trabalho de um exportador, impediu o envio. “Tentei por duas vezes e não consegui. Depois mandei para a Argentina, para analisar só os genes que tinham sido encontrados alterados na paciente, mas mesmo assim, por duas vezes o material foi recusado. Uma pela Anvisa aqui no Brasil e outra vez pela agência pertinente à Argentina”, contou o neurologista.
Além dos impedimentos pelas agências nacionais e internacionais, outra dificuldade encontrada foi a do ceticismo por parte de profissionais da área. O neurologista afirmou que conversou com colegas do Brasil, mas todos acreditavam que se tratava de mais um caso artefatual, não dando a devida importância. “Eu tive a oportunidade de apresentar esse caso em um evento latino-americano aqui no Brasil, até casualmente, porque eu não estava preparado para isso”, informou Fernando, “E nesse evento praticamente todas as pessoas foram céticas, a não ser dois colegas do Brasil, mas, mesmo assim, eles não se posicionaram”, lembrou.
Foi graças ao professor Alberto Espay, da Faculdade de Cincinnati, que o neurologista do Hospital Universitário foi aos Estados Unidos para apresentar o caso. O resultado teve uma boa repercussão. Eles formaram um grupo de pesquisa com a neuropsicóloga de Maceió Karina Alúcio, e o neurogeneticista da Argentina Marcelo Kauffman.
O desenvolvimento da pesquisa se deu baseado, principalmente, na análise do vídeo eletroencefalograma, uma vez que foi a partir dele que foi comprovado que o caso era real. Os resultados apresentam também uma implicação terapêutica, visto que novos tratamentos estão sendo desenvolvidos para atingir essas redes neurais defeituosas que mediam as crises epilépticas. “Apesar de ser uma constatação direta, ficou demonstrado que esse tipo de crise decorria não de uma área cerebral isolada, mas de uma rede neural. E como estudiosos do mundo todo procuraram isso, esse elo foi considerado uma coisa de importância muito maior”, disse Fernando.
A pesquisa foi publicada em setembro deste ano no Journal of the Neurological Sciences, com o título Epileptic chorea: Another window into neural networks? E embora o processo tenha durado anos, a publicação levou somente algumas semanas para ser realizada. Algo raro de se observar, como conta orgulhoso o médico do HU.
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