Estudo descreve impacto dos acidentes de trabalho na renda dos pescadores
Realizado por pesquisadores da Ufal em Penedo, levantamento apontou dificuldades econômicas e riscos na atividade
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Pesquisadores do Laboratório de Ictiologia e Conservação da Ufal em Penedo percorreram o litoral do Estado para descrever o perfil socioeconômico dos pescadores alagoanos. Durante o período de 2013 a 2015, eles coletaram dados, fizeram observação direta e realizaram entrevistas com 168 trabalhadores da pesca nos municípios de Maceió, Maragogi, Japaratinga, Porto de Pedras, Barra do Camaragibe, Barra de Santo Antônio, Paripueira, Marechal Deodoro, Pontal do Coruripe, Feliz Deserto e Pontal do Peba, além de realizarem visitas a algumas das maiores colônias de pescadores.
“O objetivo foi conhecer a socioeconomia dos pescadores artesanais e os acidentes de trabalho envolvendo organismos marinhos, uma vez que nada era conhecido sobre as espécies envolvidas nos acidentes, os impactos na renda mensal, tratamentos e prevenção”, explica o professor Cláudio Sampaio, doutor em Zoologia e um dos responsáveis pelo estudo.
Os resultados obtidos, relata Sampaio, “revelaram altos índices de acidentes de trabalho e foram confirmadas dificuldades enfrentadas pelos pescadores, sendo possível afirmar que os riscos aos quais se submetem são potencializados por suas condições de trabalho e vida”.
Ele enumera que o “pouco conhecimento em relação aos primeiros socorros, prevenção de acidentes, baixo grau de instrução, pouco acesso à saúde e baixa qualidade de vida são situações ainda mais agravadas pela excessiva jornada de trabalho dos pescadores”.
A argumentação do pesquisador é baseada nos dados apresentados pelo estudo que apontou a maioria dos pescadores com baixo nível de instrução, experiência profissional média de 27,7 anos e jornada de trabalho de, aproximadamente, 14 horas por dia.
Ainda de acordo com o levantamento realizado pelos pesquisadores da Ufal em Penedo, tendo como base as entrevistas realizadas, foram identificados 1.242 acidentes, sendo 752 por peixes, 345 por cnidários e equinodermos e 145 por materiais de pesca. “Os bagres foram os maiores responsáveis pelos acidentes, em todas as localidades do litoral alagoano”, relata. Sampaio explica que as situações ocorreram durante o manuseio ou quando o trabalhador pisou no animal durante a atividade pesqueira. Conforme informações do estudo, os bagres foram responsáveis por 54% dos acidentes, sendo as ferroadas, com 77,7%, o ferimento mais frequente, atingindo, principalmente, os membros superiores e inferiores (95,5%).
Ainda segundo dados da pesquisa, o maior número de acidentes com caravela (também conhecida por água-viva) foi registrado em Paripueira (49,1%), seguido por Pontal do Peba (20,2%) e Marechal Deodoro (13,3%). Já os casos envolvendo ouriços do mar foram em maior número em Paripueira (51,2%), Marechal Deodoro (35,5%) e Barra de Santo Antônio (7%). “Esses acidentes, com caravelas e ouriços, ocorrem durante o trajeto realizado pelos pescadores até as embarcações ou durante a atividade pesqueira nos recifes costeiros”, explica o pesquisador.
O impacto dos acidentes na renda mensal
Durante a coleta de dados, conta o docente, os trabalhadores relataram as dificuldades enfrentadas por causa dos acidentes. “Problemas como a falta de tratamento adequado nos postos de saúde, as fortes dores e algumas infecções fizeram com que o retorno às atividades profissionais da pesca fossem retardadas, gerando uma redução na renda familiar, pois são autônomos”, diz.
O estudo revelou também que, com o afastamento do trabalho, muitos pescadores ficaram sem renda mensal. “Infelizmente, devido à ausência de informações ou de não serem associados a uma entidade de classe, eles não receberam auxílio-doença. Um pescador, inclusive, encontra-se incapacitado de retornar às suas atividades profissionais devido a um acidente envolvendo uma arraia, não contando com qualquer apoio, além daquele da família e amigos”, conta.
A falta de uso de equipamentos de proteção individual foi outra realidade constatada pela pesquisa. Mais da metade dos entrevistados, 58%, afirmou não utilizar medida de proteção.
Dos acidentados, 62,4% ficaram afastados do trabalho pelo período de um a quatro meses, e a pesquisa revelou que a maioria que sofreu algum tipo de acidente conseguiu retomar as atividades profissionais da pesca. “Muitos retornaram sem maiores problemas, embora alguns tenham relatado certa limitação devido as sequelas causadas pelos acidentes”, diz. Em alguns casos, o tempo de recuperação se estendeu por mais de um ano. “Cerca de 16% dos pescadores acidentados passaram mais de um ano e cinco mesmo para retornar as atividades, causando problemas econômicos para toda a família”, acrescenta.
Subnotificação dos casos de acidentes
De acordo com informações do levantamento, apenas 39% dos entrevistados procuraram atendimento médico após sofrer acidente com algum animal marinho durante o trabalho de pesca. “Possivelmente, isso ocorre pela deficiência observada nos postos de saúde e pela utilização de práticas populares de reduzida eficácia, agravando, muitas vezes, o estado de saúde”, aponta Sampaio.
O professor alerta que casos de acidentes com pescadores e animais marinhos são subnotificados em Alagoas. Conforme indica o estudo, "não há registros sobre atendimentos às vítimas desses acidentes nas Unidades de Saúde visitadas pelos pesquisadores". “Infelizmente, é um tema ainda pouco conhecido. Isso prejudica uma melhor avaliação do problema, que é grande e amplamente distribuído no litoral alagoano, além de reduzir o interesse dos profissionais da saúde para esse importante problema social”, afirma.
Ele defende a “necessidade de maior atenção para a notificação dos acidentes com organismos marinhos em Alagoas”. E faz o alerta: “É preciso medidas que estimulem o uso de equipamentos de proteção individual pelos pescadores e a qualificação dos profissionais de saúde, com vistas à redução do afastamento do pescador de seu trabalho e à melhoria do atendimento e da notificação desses acidentes”.
Publicação
Os dados do estudo, com o título Pescadores artesanais do litoral de Alagoas: socioeconomia e acidentes de trabalho envolvendo organismos marinhos, foram apresentados no Trabalho de Conclusão de Curso da engenheira de pesca Eline Calazans.
O levantamento também originou um artigo científico que contou com a colaboração de demais bolsistas do Laboratório de Ictiologia e Conservação da Ufal em Penedo. O trabalho completo foi publicado pela Revista Portal: Saúde e Sociedade, editada pela Ufal.