Índio, sertanejo e alagoano: A identidade dos Kalankó

Grupo indígena foi tema de pesquisa que buscou compreender suas vivências da seca


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Moisés Oliveira, antropólogo. Foto: Tárcila Cabral
Moisés Oliveira, antropólogo. Foto: Tárcila Cabral

Tárcila Cabral – Ascom Fapeal

O mês de abril traz diversas discussões que a comemoração ao índio, no dia 19, rememora. Os debates, porém, devem ultrapassar as barreiras dos meses e festividades, para fincar o tema na rotina de diálogos num contexto significativo, pois quanto mais valor se agrega a esta cultura, mais se consegue preservá-la e impedir que se fragilize.

Fazendo uma conexão com elementos característicos de nossa região, Os Kalankó: práticas tradicionais e a memória da seca no alto sertão alagoano, foi uma análise desenvolvida na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), pelo acadêmico Moisés Oliveira.

O trabalho foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal) e investigando quais singularidades deste povo seriam relevantes à composição da cultura alagoana. 

Numa das regiões mais áridas do sertão, e de complexa sobrevivência, está a realidade dos indígenas Kalankó, escolhidos por Moisés para encabeçar o tema de sua dissertação em Antropologia Social. O grupo vive atualmente na localidade de Água Branca, próximo às divisas com Pernambuco.

Moisés enxergou que era importante conhecer as particularidades e adaptações para se viver num ambiente tão controverso como o sertão. O questionamento encontrou uma trajetória cercada por constantes migrações, que derivam da descendência de um antigo aldeamento situado em Brejo dos Padres, os Pankararu, e da miscigenação com outros povos alagoanos.

“A sua genealogia é explicada com a base de uma árvore onde o grupo mais antigo é visto como um tronco e, os mais jovens, o resultado de diáspora é visto como a rama”, cita Moisés.

É então a partir desta base que serão atribuídas as características culturais deste núcleo, descendentes dos Pankararu, o grupo Kalankó concentrou costumes e ritos religiosos similares.

Pesquisa de campo

A pesquisa buscou compreender como se davam as relações de memória com a seca já que, eles habitam uma região semiárida e vivenciaram conflitos. Os momentos de desgaste do povo indígena e da atenção do governo são uns dos pontos mostrados, que gerou uma experiência de impacto negativo nos contatos iniciais nos anos de 1980 e 1990.

Segundo o acadêmico, os Kalankó em tempos passados eram um grupo indistinto dentro da população do sertão, mas em 1998, eles ressurgem e se reafirmam publicamente enquanto uma etnia presente na região. Neste segmento, eles se tornam um público distinto, compondo frentes de serviço, porém, com algumas contrariedades relativas aos equívocos do combate oficial à seca.

O estudo afirma que para se compreender a estiagem como um fator climático cíclico e recorrente, não pode trabalhar buscando combater e sim conviver com a seca de forma técnica e inteligente. Através destas experiências, os Kalankó passam a se relacionar com outros grupos já políticos e organizados dentro da extensão no semiárido alagoano.

A partir da perspectiva de convivência com o semiárido, o grupo incorpora a reflexão sobre as tecnologias, introduzindo inovações na captação de água da chuva, e é aí onde se consegue melhorar a realidade e situação com o meio ambiente. Por meio destas políticas, eles construíram cisternas que ficam aos fundos das casas e que, captam a água da chuva, proporcionando mudanças nas relações com o ambiente e estruturas sociais.

Na relação com as novas tecnologias e as formas de organização, o aldeamento está conseguindo vislumbrar a possibilidade de permanência no campo, onde a seca já não é um inimigo, mas um fenômeno compreendido e passível de convivência.

“Este diálogo não se trata apenas do conhecimento técnico enquanto saída ao determinismo geográfico e biológico, é também uma nova forma de se reorganizar não mais apenas enquanto sertanejo, mas como Kalankó e sertanejo também”, frisa o estudioso.  Este aldeamento integra a identidade do sertanejo no Brasil, da mesma forma como outros povos a compõem.

Experiência e trocas culturais

A finalidade dos Kalankó é permanecer na terra, fortalecer rituais, solidificar a identidade e preservar a memória, porque é pela conservação histórica e cultural que se avança. Os moradores que vivem no entorno da região observam e entendem seus aspectos culturais, mesmo não fazendo parte da aldeia.

Abordando as fragilidades do sertão, ainda hoje se observa a migração como um tema recorrente e complexo, devido às condições hostis de sobrevivência. Isto é comprovado pela saída mais intensa dos jovens, quando eles atingem a idade adulta e partem. Há também um forte deslocamento para o corte da cana no litoral alagoano, e outro com rumo ao Mato Grosso, em épocas de colheita da laranja.

A sociedade, não ocasionalmente, olha para o índio como uma alegoria folclórica, ensinada às crianças com rostos pintados e penas de cartolina na cabeça para o Dia do Índio. Deve-se trazer para o contexto político do Brasil grupos de sujeitos reais, que têm as suas demandas específicas, e representam grupos que lidam com vivências difíceis, como a seca, em nossa localidade. Configurar visibilidade a grupos que foram marginalizados durante muito tempo já simboliza um grande avanço, mas não se pode esconder o dilema das questões destas comunidades. Tratar da questão indígena é tratar da conjuntura nacional e do atual cenário político.

“Eu considero interessante o financiamento da Fapeal, pela instituição possibilitar este tipo de pesquisa que diz respeito à justiça social entre outras coisas, e é fundamental saber que toda a minha turma de mestrado, a primeira de Antropologia Social da Ufal, pôde contar com bolsas”, frisa o antropólogo.