Abertura da SBPC Alagoas destaca o compromisso social dos pesquisadores brasileiros
Quatro cientistas foram homenageados, entre eles, a alagoana Nise da Silveira
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Quem ainda tem a imagem do cientista sisudo e isolado em seu laboratório, tem que visitar a 70ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Na solenidade de abertura, o que se viu foi uma comunidade científica ativa, conectada à realidade sociopolítica, decidida a contribuir com os avanços sociais. No Teatro Jofre Soares do Centro de Convenções de Maceió, lotado, a noite de domingo (22) foi uma grande confraternização da comunidade científica de todo o país.
Os discursos reconheceram a atuação dos cientistas na Ciência e como atores sociais em períodos decisivos da História recente do país e ressaltaram a disposição de lutar contra os retrocessos políticos e pela defesa dos princípios constitucionais que garantem o Estado Democrático de Direito, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a livre iniciativa e a liberdade de pesquisa científica.
O vice-reitor da Universidade Federal de Alagoas, José Vieira Cruz, coordenador local do evento saudou os participantes e agradeceu aos servidores e monitores que contribuíram para o evento científico. “Em particular, gostaria de lembrar o momento atual do país. Tempos de incertezas, indefinições e crises de valores. Tempos igualmente desafiadores para aqueles que se aventuram no fazer científico, pedagógico e cultural”, destacou Vieira.
A reitora Valéria Correia também alertou em seu discurso sobre as ameaças à liberdade de cátedra e os riscos do avanço do conservadorismo. “Desde a chamada Escola Sem Partido, que expressa a tentativa de amordaçar o livre debate, a essência do processo de aprendizagem e retira o contraditório, extinguindo inclusive a possibilidade da Ciência quando não se problematiza o conhecimento estabelecido”, disse a reitora.
Valéria Correia lembrou os processos de criminalização da Ciência, expressos na acusação de apologia às drogas contra o professor Elisaldo Carlini, professor emérito da Unifesp e um dos homenageados da noite. Carlini, de 87 anos, foi intimado a depor numa Delegacia de Polícia Civil em São Paulo, em fevereiro deste ano. Ela ainda citou as conduções coercitivas de dois reitores, em 2017, e destacou o caso ocorrido com Luiz Carlos Cancellier, reitor da UFSC. “Ele acabou sendo levado ao suicídio pela humilhação pública”, lamentou a reitora, mas destacou, que “apesar de tudo, a Ciência não se curva ao obscurantismo”.
O presidente da SBPC, professor Ildeu de Castro Moreira, finalizou os discursos da noite de abertura, destacando o histórico participativo e atuante da entidade. O doutor em Física pela UFRJ destacou que os cientistas têm que ter envolvimento social. “Nós que estudamos nas universidades públicas, tivemos a oportunidade da nossa formação, fizemos nossos mestrados e doutorados com bolsas de pesquisa, temos o compromisso de defender a Universidade pública e a produção científica livre, sem interferências empresariais ou políticas. A liberdade de pesquisa científica é uma questão de soberania”, finalizou o presidente.
Homenagens
Quatro pesquisadores foram homenageados na noite de abertura: em memória, foram lembrados José Leite Lopes, Nise da Silveira e Ana Maria Fernandes. Presente e ainda atuante na Sociedade, foi homenageado o professor Elisaldo Carlini. “Os cientistas brasileiros são pouco conhecidos. É importante que falemos sobre eles, para criar uma tradição de valorizar a história da Ciência brasileira e essas vidas valiosas”, destacou Ildeu de Castro.
Coube ao presidente da SBPC apresentar o primeiro homenageado da noite, no centenário do seu nascimento. “José Leite Lopes nasceu no Recife. Foi uma das figuras fundamentais para a consolidação da Física no Brasil. Vocês viram a foto dele com Wolfgang Ernst Pauli, prêmio Nobel da Física em 1945, que foi seu orientador no doutorado na Universidade de Princeton. Leite Lopes teve uma formação científica de altíssimo nível e era um cientista brilhante. Ele fez a previsão de uma partícula elementar na Física que contribuiu para o trabalho de outros físicos sobre as interações eletromagnéticas”, expôs Ildeu.
A professora Maria José Castro D’Almeida, sanitarista e especialista em Saúde Pública, fez uma exposição emocionante da segunda homenageada da noite, a médica alagoana Nise da Silveira. “Nise se formou em 1926, com 21 anos, e foi a única mulher da sua turma a se formar. Ela era militante do Partido Comunista, era uma libertária por natureza e é uma das maiores cientistas do século 20. Ela enfrentou os tratamentos tradicionais para as doenças mentais, que considerava violentos, e introduziu a terapia ocupacional”, destacou a professora sobre Silveira.
A homenagem à pesquisadora Ana Maria Fernandes, falecida recentemente, foi feita pela amiga e companheira de Universidade, professora Fernanda Sobral. “Eu defino Ana com três palavras: amiga, colega e guerreira. Um dos maiores legados dela foi ser construtora de instituições: ela constituiu o departamento de Sociologia da UnB e seu programa de pós-graduação, também ajudou na construção do Cepac, que hoje em dia é o Ela - Centro de Estudos Latino-americanos. A direção da editora da UnB foi uma de suas últimas tarefas”, relatou Sobral.
Prolongados aplausos e plateia em pé para o último homenageado na abertura da SBPC Alagoas. Foi uma deferência ao médico Elisaldo Carlini, em solidariedade e respeito, já que, apesar da idade avançada e da reconhecida contribuição na Farmacologia, com pesquisas sobre o uso medicinal da maconha, o pesquisador foi acusado de apologia às drogas, o que causou a revolta da comunidade científica brasileira.
A presidente de honra da SBPC, Helena Nader, prestou as homenagens ao professor. “Carlini foi o responsável pela criação da psicofarmacologia no Brasil e é um dos pilares mundiais dessa área. Recebeu mais de uma centena de prêmios nacionais e internacionais”. Mesmo com as dificuldades de locomoção, já que enfrenta o tratamento de um câncer, o professor Carlini fez questão de ir próximo ao palco receber a homenagem. “Estou chegando aos 90, mas eu quero continuar. As pernas me doem mas o coração me encanta. Eu não quero descansar”, disse o professor, recebendo efusivos aplausos.
Durante a solenidade, também foi entregue a 38ª edição do Prêmio de Divulgação Científica José Reis ao representante do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. O diretor do instituto, Elder Lima Queiroz, vai apresentar o trabalho realizado na Amazônia durante a programação da 70ª Reunião Anual da SBPC.
Cultura popular
A sessão solene de abertura da SBPC Alagoas também foi uma oportunidade para os visitantes de todo o país conhecerem uma amostra da cultura popular de Alagoas. Logo na entrada do Centro de Convenções, a recepção foi feita pela banda de pífanos Fulô da Chica Boa. Muito tradicionais nas feiras livres e eventos nordestinos, a banda de pífanos é composta por percussão e sopro.
A apresentação musical no Teatro Jofre Soares foi uma produção do maestro Almir Medeiros. Os músicos fizeram uma amostragem dos folguedos populares alagoanos, como Reisado, Chegança, Coco de Roda, Bumba Meu Boi e Guerreiro. Dentro do mesmo conceito de valorização da cultura popular, o Hino Nacional Brasileiro foi executado por Chau do Pife, Patrimônio Vivo de Alagoas, acompanhado por um sanfoneiro.
Autoridades presentes
Entre as autoridades que compuseram a mesa, ao lado do presidente da SBPC, professor Ildeu de Castro, da reitora da Ufal, Valéria Correia, que também representou a Andifes, e do vice-reitor José Vieira, coordenador local do evento, estavam: o ministro da Educação, Rossieli Soares da Silva; o governador do Estado de Alagoas, Renan Filho, o prefeito de Maceió, Rui Palmeira; o presidente do CNPq, Mario Neto Borges; o presidente substituto da Finep, Ronaldo Camargo; a presidente da Confap, Maria Zaira Turchi; o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich; o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Marco Fireman; a vice-presidente da SBPC, Vanderlan Bolzani; o presidente da Fapeal, Fábio Guedes; o secretário-executivo do MCTIC, Elton Zacarias; a presidente do Conselho Nacional dos secretários de Ciência, Tecnologia e Inovação, Franciele Garcia; o diretor do Sebrae, Vinícius Lages; a presidente da Associação Nacional dos Pós-graduandos, Flávia Calé; o representante da Academia Nacional de Medicina, Marcelo Morales; e o representante da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, Celso Pansera.