Pesquisadores investigam sazonalidade nas ocorrências de suicídio
Projeto da Ufal aposta em abordagens inovadoras para a pesquisa psiquiátrica
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Criar uma cultura da saúde mental, através de boa informação e contato humano! Para isso, existe a campanha Janeiro Branco, quando psicólogos de todo o país engajam suas atividades profissionais e tempo livre na causa da prevenção, se aproximando diretamente da população e construindo diálogos na mídia.
A visibilidade do tema, historicamente cercado de tabus, vem aumentando nos últimos anos graças a esse tipo de iniciativa pública, geralmente capitaneada pelos próprios profissionais da área.
Mas, se o Janeiro Branco é um esforço voltado ao processo de gradativa mudança de cultura, a questão da saúde mental também possui aspectos de urgente apelo à ciência. Dados divulgados pelo Ministério da Saúde em setembro de 2018, indicam que os suicídios no país aumentaram 2,3% entre 2015 e 2016, ou seja, um caso a cada 46 minutos, num total de 11.433 mortes.
Uma pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de Alagoas e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal) trata de abordagens inovadoras em relação aos esforços clínicos na busca por perspectivas de prevenção ao suicídio.
“Existem indicadores clínicos do risco de suicídio, como comportamento, histórico de vida, condição psiquiátrica diagnosticada e, da perspectiva dos marcadores biológicos, existem algumas pesquisas que tentam identificar marcadores no sangue, por exemplo, que possam estar alterados, de acordo com o estado do paciente. E o que a gente tem investigado diz respeito a alterações do ritmo biológico”, explica Tiago de Andrade, pesquisador da Faculdade de Medicina (Famed/Ufal). O biólogo tem doutorado nas áreas de fisiopatologia médica e Biologia Molecular.
Avanços tecnológicos
No momento, Andrade coordena a investigação de uma inquietante sazonalidade detectada nas ocorrências de suicídios no mundo inteiro. Análises computadorizadas de grandes volumes de dados (big data) detectam um padrão planetário de maior frequência de casos entre o final da primavera e o começo do verão.
No Brasil, especificamente, localizado mais perto dos trópicos, os casos se dão com mais intensidade no limiar do verão, no mês de dezembro; o padrão sazonal é menos definido no Norte-Nordeste, mas se intensifica à medida em que os dados analisados se aproximam do Sul do país.
“Big Data é importante para extrair padrões que não são detectados quando se tem poucos dados. Por exemplo, se você pega municípios individuais, nem sempre você consegue extrair padrões sazonais, mas quando você forma conjuntos de dados grandes, englobando o país, por exemplo, um padrão emerge. Daí a importância de grandes dados e da metodologia certa para abordá-los” aponta Tiago.
Daniel Coimbra, doutor e também pesquisador do Centro de Medicina Circadiana da Famed/Ufal, destaca o uso da metanálise, uma metodologia bem delimitada que consegue reunir as informações publicadas de outros pesquisadores.
“Nós utilizamos dados de autores de vários países sobre a sazonalidade das tentativas de suicídio e, a partir daí, construímos esse perfil sazonal do que está acontecendo em todo o mundo”, expõe o biomédico.
“Estamos realizando alguns trabalhos em colaboração com outros grupos, tentando delimitar alguma variável que seja importante para esta incidência na primavera/verão e, neste caso, temos visto fortes evidências do papel da incidência e duração da luz do dia como agentes moduladores da sazonalidade do suicídio”, comenta Daniel.
Sazonalidade
Ritmo biológico é um fenômeno que faz parte dos processos naturais do organismo. O mais conhecido é o ritmo circadiano, composto pelos fenômenos cíclicos em torno de um período de 24 horas.
Nosso ciclo de vigília e sono é o exemplo mais evidente disso: é num período de aproximadamente 24 horas que pessoas normalmente estabelecem seus momentos de dormir (quando escurece) e estar acordados (ao clarear). Mas existem vários outros ritmos fisiológicos, comportamentais e cognitivos, que estão associados ao ritmo circadiano.
Algumas pesquisas sugerem uma correlação entre alterações deste ritmo circadiano e transtornos mentais, especialmente transtornos do humor.
“A gente supõe que existem fatores sazonais que de alguma forma modulariam o comportamento suicida, ninguém sabe ainda porquê; uma hipótese é que, como o ritmo circadiano é modulado pela luz e a incidência e duração da luz muda ao longo do ano, isso poderia, de alguma forma, estar modificando o funcionamento cerebral de pacientes com susceptibilidade”, explica o professor Tiago de Andrade.
“Estamos tentando testar e gerar novas hipóteses com base no que a gente pesquisa em pacientes, com financiamento da Fapeal, e em modelos animais, com financiamento do CNPq”, resume o docente.