Pesquisa busca auxiliar comunidades quilombolas a usufruir do direito constitucional aos seus territórios

Estudo coordenado pelo professor Rafael Navas, do Ceca, concluiu que o processo de titulação de um território em Alagoas leva dez anos

Por Naísia Xavier - jornalista colaboradora (texto e fotos)
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Estudo observou que Quilombolas de Alagoas ainda não compreendem seu direito legal aos territórios tradicionais
Estudo observou que Quilombolas de Alagoas ainda não compreendem seu direito legal aos territórios tradicionais

A Constituição brasileira de 1988 garante aos povos quilombolas o direito às terras tradicionalmente ocupadas. De acordo com a lei, cabe ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) o processo de demarcação dessas terras e de indenização dos seus proprietários, caso elas não estejam em posso dos povos tradicionais. Além disso, também cabe ao Estado brasileiro o dever de propor estratégias e executar ações que garantam desenvolvimento para estas comunidades.

O direito foi criado há 30 anos, mas, em Alagoas, dentre as 70 comunidades reconhecidas, só uma já possui seu território titulado: trata-se da comunidade Povoado Tabacaria, no município de Palmeira dos Índios, remanescente do Quilombo dos Palmares.

Um estudo financiado pelo Governo do Estado, através de sua Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapeal), concluiu que o processo de titulação de um território em Alagoas leva dez anos. O de Tabacaria foi concluído em 2017.

A pesquisa foi iniciada em março de 2016 e concluída em outubro de 2019, sob a coordenação do agrônomo Rafael Navas, que é doutor em Ecologia Aplicada pela Universidade de São Paulo (USP) e leciona na Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

O projeto, com o título “Uso e ocupação do solo em territórios quilombolas e o impacto do desenvolvimento no estado de Alagoas” começou com o intuito de entender como a relação de acesso das comunidades quilombolas às políticas públicas marcam o uso desses territórios tradicionais em quatro municípios: Japaratinga, Batalha, Teotônio Vilela e Taquarana.

Esse direito parece na Constituição de 88 como uma dívida que o Estado brasileiro tem com essas comunidades e populações, que historicamente foram escravizadas. Mas Isso não quer dizer que ele é garantido na prática”, esclarece o pesquisador.

A conclusão principal da investigação junto às comunidades foi a de que elas ainda não dispõem da compreensão necessária do seu direito legal, a ponto de persistirem para levar seus processos de titulação territorial a bom termo.

Ficou muito claro que as comunidades ainda não têm essa consciência do que é esse processo e de que se trata de um direito garantido pela Constituição”, aponta Rafael Navas. “Quando se inicia este processo, que é um trabalho que o Incra vem desenvolvendo, falta nas comunidades a compressão de que se trata de uma lei constitucional, de que essas áreas que seriam desapropriadas vão compor um território coletivo, que pertence à comunidade, e não é um território individual para cada família. Pelas muitas dúvidas, e até mesmo por medo de algum tipo de repressão, elas acabam paralisando os processos”, comenta o professor.

“E quem ocupa hoje essas áreas, que passariam a pertencer às comunidades é indenizado no processo, pela terra e por possíveis benfeitorias que tenha nessas áreas; uma vez que isso é feito, o território passa a pertencer ao coletivo: fica em nome das associações, para usufruto das famílias que compõem a comunidade”, detalha Navas. O estudo percebeu que parte das famílias acaba indo trabalhar fora da comunidade para buscar uma fonte de renda, por não ter a terra para cultivar. Recorrem, por exemplo, à cultura da cana-de açúcar e atividades semelhantes, nas fazendas do entorno e usinas.

Outro ponto observado na pesquisa é que muitos jovens, estão saindo das comunidades por que não enxergam uma alternativa de desenvolvimento dentro do próprio território. Partem principalmente para Maceió e Recife, em busca de trabalho assalariado. “Então, essas novas gerações que estão surgindo acabam se dissociando de seus territórios tradicionais e perdendo essa característica da história de luta e reivindicação, não só contra o processo escravocrata, historicamente, mas também pelo direito atual dessas comunidades”, comenta o cientista.

Perspectiva

Navas explica que essa primeira etapa do trabalho, composta pela pesquisa custeada pela Fapeal, foi o que possibilitou uma compreensão mais clara dessa realidade. Agora, suas ações continuam com apoio da Ufal, através do seu Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (Neab) e seus bolsistas de extensão.

“A gente vem dando continuidade às ações que foram pensadas a partir dos resultados obtidos. Primeiro, tentamos entender como essas comunidades têm conseguido se desenvolver e como elas enxergam”, resume. Agora, o projeto já busca discutir com essas pessoas o papel do Estado e o processo da titulação dos territórios, para que as comunidades acessem as políticas públicas as quais elas têm direito, e como se dá esse processo. “E também que a gente busque a permanência desses jovens que vêm saindo das comunidades; que eles permaneçam, para desenvolver ações para renda e qualidade de vida, tornando possível para essas pessoas permanecerem com suas famílias e em seus territórios tradicionais”, pondera Rafael Navas, acenando para projetos em agroecologia, agricultura familiar e certificação orgânica.

Saiba mais

A página Observatório das Terra Quilombolas disponibiliza consulta e monitoramento dos processos de regularização em curso e das titulações efetivadas pelos governos federal e estaduais.