Evento discute cultura indígena, audiovisual e importância da extensão
Palestra, oficina de fotografia e debates marcaram realização do primeiro Tela Indígena
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Durante dois dias, mais precisamente na última quinta (18) e sexta-feira (19), a Universidade Federal de Alagoas foi palco do primeiro Tela Indígena. O evento, promovido pelo projeto de extensão do curso de Relações Públicas, Wassu Cocal, contou com debates, oficina de fotografia e palestras em torno da cultura indígena, do ato de produzir conteúdos em audiovisual e ainda promoveu, entre os presentes, uma reflexão sobre a importância de se fazer extensão na Universidade.
A professora do curso e coordenadora do projeto, Vanuza Souza, comemorou a realização do evento. “No geral, é sempre muito positiva a realização de um evento na universidade, principalmente quando se trata de uma mostra de pesquisa. Conseguimos, em duas tardes, aproximar discursos, pessoas e ideias que, muitas vezes, são tidas como tão díspares! Eu me sinto profundamente realizada”, disse.
O projeto Wassu Cocal foi iniciado no ano passado e teve como ponto de partida o estudo da aldeia, localizada em Joaquim Gomes, interior de Alagoas. Com o passar dos meses, os trabalhos se expandiram por outros direcionamentos e quem está na atividade desde o começo diz ser gratificante participar, como é o caso da bolsista Laís de Carvalho. Para ela, que gosta bastante do tema, o evento atingiu o seu objetivo.
“Foi bom perceber que a temática indígena é algo de interesse da comunidade acadêmica. Eu fiquei feliz em ver que, além de alunos dos cursos de Comunicação, também tinham pessoas do Ceca, de Serviço Social, de Psicologia, enfim, eu acredito que o evento foi assertivo e isso para mim foi muito importante. Agradeço aos demais voluntários e aos palestrantes que foram muito solícitos e engajados com o evento”, declarou ela.
O estudante de Agroecologia da Ufal, Roger Henrique, esteve presente nos dois dias de evento e destacou que difundir a cultura de outros povos e trazer conhecimento para os ouvintes foi um dos pontos altos do Tela Indígena. “Acho muito importante trazer o conhecimento para as pessoas e difundir a cultura de outras civilizações e sociedades. Além disso, poder de alguma forma, apresentar um estudo, apresentar algo que represente o que, enquanto estudante, eu vou fazer depois de formado e ajudá-los e ser ajudado por eles também com a cultura deles, que é importante, como no caso dos indígenas. Gostei muito do evento”, refletiu.
Ele disse ainda a ideia de produção em audiovisual é algo que lhe instiga. “É muito interessante essa ideia de audiovisual, a ideia de poder perceber as coisas e olhar de outra forma. Têm várias áreas que eu me interesso, dentro da arte, das agrárias também, e acho que essa é uma área muito importante e que vem sendo valorizada mesmo na conjuntura atual”, pontuou Roger.
A produção em audiovisual e o cinema brasileiro
O produtor Glauber Xavier palestrou sobre a complexidade de se fazer produções em audiovisual tanto em Alagoas quanto em território nacional. Segundo ele, a dependência do poder público, por meio de editais, ainda é grande. No entanto, ele também aproveitou a oportunidade para dar dicas aos presentes de como trabalhar nessa área e foi taxativo: uma boa ideia é o ponto de partida.
“O que mais importa, na verdade, é uma boa ideia. A gente vai acabar num momento em que vai ser contratado por alguém. Se eu estou fazendo filmes independentes posso me inscrever em editais. Se tem uma rede de interesses, por exemplo, um filme LGBT, tendo uma rede em que eu consigo me encaixar, posso conseguir aí uns 10, 20, 50 mil [reais], dependendo do projeto. E esse filme pode circular em festivais. Mas a gente é bem dependente ainda muito do poder público e se quer pagar bem aos nossos profissionais, tem que concorrer em editais.”
Glauber também falou sobre o audiovisual brasileiro em confronto com produções norte-americanas, que ganham destaque nas salas de cinema pelo país. Em maio deste ano, o governo federal assinou a Cota de Tela, isto é, a determinação que obriga os cinemas a exibirem um percentual de filmes nacionais no ano. A decisão se deu após toda polêmica envolvendo o filme Vingadores – Ultimato que chegou a ocupar 80% das salas no país e desbancou de outras várias salas, à época, o longa nacional De Pernas pro Ar 3.
“Os filmes que vão para as salas de cinema, a maioria, são produzidos por Hollywood e outras grandes empresas norte-americanas. O espaço que a gente tem para o cinema brasileiro hoje é garantido por lei. Isso não foi feito da noite para o dia, foram mais de 10 anos de luta para acontecer. O governo queria dizer que um filme poderia ocupar todas as salas do Brasil e por nós isso é injusto e proibido. No caso recente, com Vingadores, quase conseguiram quebrar essa regra por baixo dos panos, mas houve uma revolta lá e não deu certo”, apontou Xavier.
A importância de se fazer extensão
Outro ponto de destaque durante o Tela Indígena foi a reflexão posta aos presentes sobre como é importante fazer e participar de projetos extensionistas na academia. Para a coordenadora do curso de relações públicas, Manuela Callou, a extensão é uma ação da Universidade na comunidade em busca de produzir ações que transformem esta comunidade e contribuam para o seu desenvolvimento.
“É uma das funções da Universidade contribuir para a extensão. E tendo bolsa ou não eu queria mostrar pra vocês a importância de participarem dos projetos de extensão porque tudo vai contribuir para a sua formação teórica, prática e para que vocês tenham uma formação ampla e mais social da realidade. Vocês estão na construção do conhecimento e qualquer ação que possam participar vai ampliar a visão de mundo de vocês e não só isso, vocês estão construindo sua carreira”, disse.
Ela recordou sobre o 1º Fórum Popular da Ufal, realizado no início do mês, e destacou que o evento teve vários debates, mas um deles foi o de aproximar ainda mais a Universidade da sociedade, ouvindo as demandas dos movimentos participantes. “Foi um espaço para que a gente pudesse pensar em propostas em conjunto e quando eu digo em conjunto é que a Universidade faz parte da comunidade, da sociedade e a gente precisa parar de pensar no nosso umbigo e pensar que todos juntos podemos atuar em conjunto. Isso foi algo muito gratificante!”, salientou a professora.
A coordenadora dos projetos de extensão do curso, Rosa Correia, completou o pensamento de Callou ao apontar que a extensão é importante não só para a formação profissional, mas para a humana também. “Essa proximidade entre Universidade e comunidade é essencial, para melhorar a gente enquanto cidadão e ser humano. As pessoas que não têm acesso [à Ufal] acham que é entrar aqui é proibido, mas a gente quer abrir a Universidade, não só no nome de ‘pública’, mas pública por ela tem de ser para o povo, especialmente nesse momento em que a gente está vivendo. O que está em risco é a formação de vocês, então, temos todos que lutar juntos, tentar nos profissionalizar e nos melhorar como cidadãos. Espero que vocês sempre participem de projetos de extensão, com bolsa ou sem bolsa, a experiência é muito boa.”
Ela refletiu ainda que é preciso mostrar à sociedade o que a Universidade tem feito por ela. “Se vocês pensam numa formação completa precisam participar de extensão, vocês têm que entender essa relação da Universidade com a sociedade. E a gente sabe que o conhecimento não é gratuito, a Universidade não é gratuita. Todo mundo paga imposto, mas nem todo mundo consegue chegar até aqui. Por isso, temos esse dever de devolver à sociedade todo o conhecimento, de fazer com que ela cresça através de nós”, disse Rosa.
A cultura indígena e os silêncios ao seu redor
Desafiador. Essa talvez seja uma palavra que possa ser utilizada para definir o caminho do projeto Wassu Cocal, desde o início até os dias de hoje. Outro ponto destacado também durante o evento foi o ato de produzir conteúdo audiovisual com a temática indígena. “A gente sabe que a posse de terras é o que une o debate sobre as aldeias, mas a cultura indígena é múltipla e a ideia do evento foi colocar essa multiplicidade, por exemplo, a partir da luta de um LGBT retratado no filme Majur, exibido aqui. Quer dizer, os indígenas são tão múltiplos que muitas vezes são engessados num estereotipo de gritos, pinturas, nudezes, conceitos que os definem como bárbaros e eles são muito mais amplos do que a gente imagina”, disse Vanuza.
A professora explicou ainda que uma das principais motivações para idealização do projeto e, consequentemente do evento, foi o fato de ainda existir muito silêncio sobre a cultura dos indígenas. “Como estamos na comunicação, a ideia é trazer para o debate esse lado da sociedade historicamente silenciado, então, a escolha da cultura indígena é exatamente essa luta pelos silêncios que ainda são construídos em torno dela. E a ideia do evento é uma abertura para o documentário que vai ser produzido pelo projeto porque é importante que os próprios indígenas comecem a falar de si, a mobilizar seu discurso. Nós vamos ser o veículo e a ponte para que esses discursos cheguem a nós, à Universidade, fazendo circular suas ideias, seus sonhos e seus objetivos”, ponderou.
Próximos passos do projeto
Ainda de acordo com Vanuza, a ideia de um próximo evento, ainda mais amplo e promovido pelo projeto, já está engatilhada. Este, por sua vez, tem o objetivo de divulgar não só o que é feito na Ufal, mas a intenção é romper barreiras, ou seja, contar com a presença de outras instituições de ensino.
“Teremos um próximo evento com essa mesma estrutura de unir ideias e pessoas alargando ainda mais a proposta com a mostra de pesquisa na qual teremos exatamente as amostras e pesquisas de outros cursos, não só de humanas, e também não só da Ufal. A gente quer unir outras instituições em um evento também, a partir de suas mostras de pesquisas nas comunidades”, disse a professora.
Vanuza ainda agradeceu aos bolsistas e colaboradores do projeto por realizarem o evento com dedicação e, com isso, conseguiram unir a teoria à prática, levando aprendizados da sala de aula para uma boa condução do Tela Indígena. “Pensar um evento a partir de temas ainda marginalizados e organizando junto com os alunos, bolsistas e colaboradores é, também, quebra de alguns paradigmas acadêmicos e a extensão, então, traz essa possibilidade de pensar para além dos muros acadêmicos e, no nosso caso, para lá das aldeias”, destacou.