MEC apresenta proposta de financiamento privado para universidades federais
Gestão da Ufal e de outras Ifes manifestaram preocupação com as linhas gerais da proposta
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Os reitores e reitoras das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) participaram, no começo da semana, da apresentação do programa Future-se, do Ministério da Educação (MEC). O encontro aconteceu em Brasília, onde os gestores também realizaram uma plenária na sede da associação nacional dos dirigentes (Andifes).
A proposta, apresentada em três eixos, é condicionada à adesão opcional de cada universidade, mas o MEC já anunciou que aquelas que não aderirem terão recursos contingenciados. O Future-se prevê a constituição de Organizações Sociais (OS) para participar da gestão dos recursos das universidades, a exemplo do que acontece com os hospitais universitários por meio da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh).
A venda de imóveis das universidades e a criação de startups de pesquisadores para captar recursos são exemplos do segundo eixo de financiamento. Por fim, o acesso a recursos de financiamento via Lei Rouanet e doações de empresas, pessoas físicas, além da comercialização de naming rights, quando empresas podem “batizar” prédios públicos com a marca da empresa em troca de contrapartidas financeiras.
Além dos reitores, também foram convocados os pró-reitores das áreas de orçamento e planejamento das universidades. O pró-reitor de Gestão Institucional da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Flávio Domingos, presente na reunião, considerou as propostas preocupantes, sobretudo a de que as universidades busquem alternativas no mercado financeiro como fundos multimercados negociados em bolsa e rentabilidade. “Essa proposta parece mais com uma vontade da Sesu [Secretaria de Educação Superior do MEC], alinhada com o Ministério da Economia, do que propriamente um programa já pronto. Um fundo desse é extremamente complexo e para nós não está claro como ele iria funcionar”, avaliou o pró-reitor.
Ainda segundo Domingos, “as universidades vão ter muita dificuldade que pensá-lo, a partir do momento em que estão com 30% de orçamento bloqueado. Só pode pensar em discutir um programa desse a partir do momento em que as universidades estiverem em condições de respirar, resolver os problemas imediatos, para então pensar no programa de médio e longo prazo, como é, a princípio, essa proposta do MEC”, avaliou.
Ameaça à autonomia universitária
A possibilidade de mudança na gestão financeira e administrativa nas universidades por meio das OS é um dos pontos que mais preocupa os gestores das Ifes. Após a apresentação do programa no MEC, reitoras e reitores se reuniram na sede da Andifes para fazer uma avaliação inicial da proposta.
A reitora da Ufal, Valéria Correia, que estudou o modelo de organizações sociais na saúde durante a sua implantação no Brasil, fez fortes críticas ao modelo. “Nós observamos, enquanto pesquisadores, que as organizações sociais na saúde ou em qualquer outro setor, são formas não clássicas de privatização”, observou a reitora. “São organizações privadas, que recebem os fundos públicos e podem gerir inclusive sem licitação”, destacou.
A entrada das OS na gestão das universidades agravaria, segundo Valéria Correia, a efetiva autonomia das Ifes. “Na reunião [com o MEC] se falou muito em autonomia financeira, mas que autonomia financeira a gente tem debatido ao longo dos anos? Não é aquela que vai ao mercado captar recursos. A autonomia que temos debatido é a autonomia no uso dos recursos públicos dentro da universidade”, avaliou a professora. “Essa captura de recursos via mercado, via empresa, é ínfima nas universidades brasileiras”, revelou.
Por fim, a reitora reafirmou a necessidade de garantia da autonomia na gestão das instituições de ensino. “Nós estamos num momento político e econômico, mas sobretudo político nas universidades, em que a nossa autonomia já vem sendo questionada, à medida que o desrespeito à escolha dos reitores e reitoras no país já está sendo colocada em prática”, enfatizou. “O bloqueio do orçamento e a perda da autonomia na escolha dos reitores são uma realidade. Nós não podemos fingir que nada está acontecendo”, concluiu.