Pesquisa aponta invisibilidade do rural sobre o urbano no núcleo educacional
Estudo registrou a vivência de estudantes da comunidade Serra do Cavalo, em Água Branca
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É crescente o número de estudantes que se deslocam do ambiente rural para o urbano em busca de oportunidades. Mas, de maneira geral, a invisibilidade do rural sobre o urbano continua. Muitos jovens alunos vivenciam essa dualidade sem compreender as relações que esses espaços desempenham na sociedade.
Essa situação inquietou o pesquisador Fábio Pereira dos Santos que ficou motivado a pesquisar sobre estudantes de origem rural em uma escola urbana. Ele conta que sua vida escolar sempre foi marcada pelo trânsito entre o rural e o urbano e que o curso de especialização em Educação no Semiárido, ofertada pela Universidade Federal de Alagoas, Campus do Sertão, foi essencial para o desenvolvimento de um olhar mais crítico e reflexivo sobre esta realidade.
“O interesse em pesquisar a temática proposta surge a partir das nossas vivências na comunidade Serra do Cavalo [Água Branca-AL] e, sobretudo, pela invisibilidade com que os estudantes de origem rural são tratados nas escolas da cidade. A partir do curso de especialização comecei a refletir sobre minha história escolar, sobre a invisibilidade que passei e nesse contexto surgiu a oportunidade de dar visibilidade a esse problema. Foi um passo muito importante na minha vida acadêmica e pessoal. O grande motivador para desenvolver essa pesquisa foi minha experiência pessoal como morador do rural e estudante de escola urbana”, conta Fábio.
O trabalho realizou um aprofundamento teórico-conceitual no que se refere às relações urbano-rurais em pequenas cidades e ao conhecimento da realidade geográfica municipal, além de ter desenvolvido novos olhares sobre os estudantes de origem rural, incentivando as escolas localizadas nos dois espaços a reverem suas propostas pedagógicas, buscando maior aproximação entre os conteúdos abordados na escola e a vivência dos estudantes.
Realidade negligenciada
A pesquisa foi construída em dois pilares centrais, o primeiro, a comunidade Serra do Cavalo, onde o pesquisador analisou o modo de vida dos moradores, bem como o cotidiano dos estudantes da comunidade. O segundo foi à vivência dos estudantes vindos da comunidade Serra do Cavalo na escola situada junto à cidade.
O estudo focou nos alunos do 3º ano do ensino médio de uma escola estadual, residentes na comunidade Serra do Cavalo, município de Água Branca, Sertão de Alagoas. O objetivo geral foi interpretar narrativas dos estudantes que revelem encontros e desencontros ligados a conteúdos da realidade local e aqueles experienciados pela formação em sala de aula.
O autor da pesquisa observou que a realidade rural não é abordada no ambiente escolar, os estudantes de origem rural vivenciam o processo de formação escolar e não se reconhecem nos planos de ensino trabalhados em sala de aula.
A aluna do 3° ano do Ensino Médio da Escola pesquisada, Paula Nunes*, conta que sentiu preconceito por parte de alguns alunos que moravam na cidade por ser de origem rural e que a escola não amenizava tais diferenças.
“Gostaria que tivessem mais assuntos ou projetos que falassem da minha comunidade. Os professores só passavam os assuntos que estavam nos livros didáticos e nem promoviam projetos que falassem sobre outros assuntos e das comunidades. A escola poderia promover projetos, falando sobre a agricultura que é onde desenvolvemos a nossa renda familiar para sustentar as famílias. A nossa pecuária. Eu me sentia desmotivada por isso” revela.
Esse foi um processo que o próprio Fábio vivenciou. “Estudei as primeiras séries na escola do povoado Serra do Cavalo, e o restante do ensino fundamental e ensino médio na escola da cidade. Foi nesse momento que percebi como era diferente estudar na cidade, a escola era maior, com vários professores, com maior diversidade cultural entre os estudantes. Passei todo o ensino fundamental e ensino médio e em nenhum momento durante as aulas as disciplinas - mesmo as que poderiam abordar e correlacionar o rural e o urbano - se propunham a fazer tal conversação de maneira que facilitasse o encontro com as realidades. Os alunos eram tratados de maneira homogênea como se todos fossem moradores da cidade. Meu cotidiano era pautado na lida com a terra, com a criação de animais, e esses processos não eram abordados em nenhuma disciplina”, lembra o pesquisador.
Resultados pedem educação “rurbana”
Os resultados obtidos na investigação não divergiram da hipótese inicial: a escola, até a data da pesquisa, não desenvolveu nenhum projeto vinculado à realidade rural. E os conteúdos de Geografia, por exemplo, ainda permanecem como observado inicialmente. As vivências dos alunos de origem rural, infelizmente, continuam no esquecimento. Fábio conta que alguns alunos têm esse entendimento e se afirmam como pertencentes ao rural e outros tentam ao máximo se adequar ao modo de vida urbano.
Todos os dias centenas de jovens de origem rural passam pelo padrão de escola urbana. Uma escola de cartilha pronta, muito distante das vivências dos estudantes. O pesquisador reforça que é, também, um alerta para começar a ver o rural e seus habitantes com outros olhos. “Pensar o rural como ‘arcaico’, ‘atrasado’, ‘lugar de gente matuta’, de ‘ignorantes’, tem sido um grande equívoco e essa realidade só mudará quando as propostas de ensino contemplarem as duas realidades: A rural e a urbana, num sentido de uma educação rurbana”, destaca Fábio .
O pesquisador aponta que desde a graduação trabalha as relações entre rural e o urbano e que tais relações são mais intensas no interior, em cidades pequenas. “Eu defendo que em cidades pequenas essas relações são muito mais próximas. No entanto, há sempre uma negação ‘silenciosa’ do rural. Por exemplo, o público da escola que pesquisei é, em sua maioria, oriundo do rural, mas as propostas de ensino-aprendizagem não trazem em seus currículos nada relacionado às suas realidades”, reforça.
A solução apontada pela pesquisa é pensar em concepções de ensino rurbanos, à exemplo das tradicionais contribuições teórico-conceituais de Gilberto Freyre, trazendo à tona temas como a formação espacial do município de Água Branca, trabalhando com os eixos da pecuária, agricultura, engenhos, monocultura da cana de açúcar e religiosidade. Outro aspecto apontado é a economia do município, por meio de temas como agricultura familiar, quintais produtivos no espaço urbano, mercados periódicos e comércio local. Fábio também citou, em sua pesquisa, a possibilidade das escolas explorarem a população rural e urbana, a migração sazonal e o trânsito temporário do rural para o urbano no município, tendo como referência os estudantes das comunidades, motoristas de cargas, feirantes, entre outros. Com isso, o trabalho desenvolvido na Ufal pode ser uma grande contribuição para as políticas públicas na área da educação do Estado.
*nome alterado para preservar a imagem da fonte.