Pesquisa revela que a retirada do crack provoca ansiedade e depressão
Trabalho desenvolvido pela Ufal avaliou o envolvimento do sistema colinérgico hipocampal e a abstinência da droga
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O crack causa perda dos sentidos, surtos psicóticos e alucinações. Pesquisas mostram que o uso excessivo da droga pode causar danos irreversíveis ao organismo podendo levar à morte. Segundo a pesquisa mais recente do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), realizada em 2012 pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), aproximadamente dois milhões de pessoas já usaram a droga no país, considerado o maior mercado da droga no mundo, com 20% do consumo mundial de crack.
Explorando esta condição, o farmacêutico José Gomes Neto decidiu fazer um experimento com camundongos Swiss. A pesquisa foi realizada para sua dissertação no mestrado em Ciências da Saúde (PPGCS), na Ufal, orientada pelo professor Marcelo Duzzioni. O trabalho foi intitulado Envolvimento do sistema colinérgico hipocampal no efeito tipo depressivo provocado pela retirada do crack.
A ideia veio durante o Trabalho de Conclusão de Curso de Farmácia: Alterações comportamentais e bioquímicas em camundongos Swiss expostos à fumaça do crack. “Os efeitos do crack são devastadores. Na saúde pública, por exemplo, os impactos negativos incluem a ruptura de vínculos sociais, o envolvimento em atividades ilícitas e a prostituição”, afirma José Gomes.
O pesquisador tem por objetivo avaliar o envolvimento do sistema colinérgico hipocampal e a retirada do crack. Para entender o termo, ele explica que a acetilcolina age nos receptores colinérgicos do tipo M1, esses receptores estão localizados na região do hipocampo que é responsável pela memória e algumas fisiopatologias, como a depressão.
Ansiedade e depressão na abstinência
Os camundongos Swiss são os animais mais utilizados em pesquisas científicas, principalmente na Farmacologia, por apresentarem semelhanças com os seres humanos, o que permite o estabelecimento dos mecanismos envolvidos em diversos tipos de transtornos.
O planejamento foi feito levando em consideração dados prévios do laboratório, com o crack e o sistema colinérgico, e da literatura. Os resultados encontrados, após a retirada do crack nos camundongos, mostram ansiedade e depressão.
Segundo José Gomes, vários estudos têm demonstrado que sintomas de ansiedade e depressão são frequentes entre usuários de crack. “Durante a fase de abstinência, são comuns as manifestações de sintomas associados aos transtornos de ansiedade e humor”, reforça. E completa: “Dados da literatura e do nosso grupo de pesquisa têm demonstrado o envolvimento do sistema colinérgico nos transtornos de ansiedade e depressão. Assim, acreditamos que a redução dos sintomas, através da manipulação do sistema colinérgico, pode contribuir para reduzir a procura pela droga”.
Durante a abstinência da droga, em sua pesquisa, são observados, dependendo da fase, vários sintomas de retirada, que incluem o desejo intenso de retornar o uso da droga craving, depressão, irritabilidade, problemas de memória e ideação suicida.
A importância da pesquisa para a comunidade
A pesquisa trata de um estudo pré-clínico, os efeitos sócio-sanitários poderão ser sentidos em longo prazo. ‘‘Esperamos que esse trabalho contribua para o melhor entendimento dos mecanismos de busca da droga após a sua retirada, bem como da neurobiologia das comorbidades psiquiátricas associadas, em especial a ansiedade e depressão e, assim, na busca de alternativas terapêuticas para esses problemas’’, reforçou José Gomes.
O pesquisador espera que tais resultados chamem a atenção da comunidade científica para o papel do sistema colinérgico hipocampal no uso e comorbidades associadas ao crack. Ele conta, ainda, as dificuldades que teve para continuar a pesquisa.
“Os desafios foram muitos e incluem a obtenção da substância junto às autoridades competentes e a padronização do protocolo experimental. Mas, algo que marca quem trabalha com animais de experimentação é o risco da interrupção do fornecimento dos animais por parte do Biotério Central (Biocen), que pode comprometer o cronograma de desenvolvimento do projeto e, consequentemente, a entrega de relatórios às agências de fomento, comprometendo o financiamento futuro das pesquisas”, disse.
Prevenção ao uso do crack
O trabalho desenvolvido na Ufal mostra que o tratamento deve ser interdisciplinar e tem por objetivo iniciar a abstinência e prevenir as recaídas. O estudo aponta que existem diversas abordagens para quem deseja se recuperar da dependência do crack. “Além do arsenal farmacológico para a estabilização das condições psiquiátricas e médicas resultantes da desregulação simpatomimética e neuronal, existem medicamentos para o gerenciamento dos sintomas de retirada”, afirma José Gomes. “Não há um tratamento único, que seja apropriado para todos os casos. Uma das técnicas é a retirada abrupta, geralmente em clínicas de reabilitação’’, completa.
O acompanhamento, a terapia cognitiva comportamental e a redução dos danos, entre outras medidas, fazem parte da abordagem interdisciplinar. O pesquisador reforça também que a internação pode ajudar na prevenção contra o uso do crack.