Pesquisadora da Ufal participa de livro sobre maternidade na pandemia
Coletânea publicada pela editora Bindi contempla relatos de 130 mães cientistas
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Ela é psicóloga com mestrado em Educação na PUC, doutorado e pós-doutorado na mesma área pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp). Autora de dezenas de artigos, capítulos de livros e publicações em eventos nacionais e internacionais. Mas, Suzana Marcolino, professora do Centro de Educação da Ufal, é a mãe do Francisco, de 6 anos. E esse é o título que mais importa para ela e o que mais priorizou durante a pandemia. A pesquisadora de Educação Infantil é uma das 130 mães que dividiram suas experiências no livro Maternidades plurais: os diferentes relatos, aventuras e oceanos das mães cientistas na pandemia.
“A proposta do livro surgiu em um momento em que algumas pesquisas mostravam que no primeiro trimestre da pandemia, havia crescido a submissão de artigos para as revistas científicas, mas que o percentual de autores homens era bem maior do que mulheres autoras”, conta. Foi pela necessidade de dar visibilidade à problemática das mães na universidade que ela ‘pediu licença’ ao Francisco e se debruçou na escrita do capítulo intitulado Mulheres e crianças: sozinhas em casa, outra vez?
A coletânea é organizada pelas professoras Ana Carolina Eiras C. Soares, da Universidade Federal de Goiás; Camilla de Almeida S. Cidade, da Universidade Federal Fluminense; e a Vanessa Clemente Cardoso, do grupo Mamães na Pós-graduação. Na obra, Marcolino fala sobre a responsabilização histórica que as mulheres assumiram com os filhos, a casa e o trabalho. “Na pandemia mulheres cuidam e trabalham integralmente e, por vezes, mesmo com parceiros, sentem-se sozinhas, pois cabe a elas, além do cuidado e trabalho, a maior parte das decisões relativas à administração da casa e educação dos filhos que se torna mais complexa nesse momento de crise”, ressalta.
A professora contextualiza o assunto no livro porque nesse período de isolamento decidiu não passar pela mesma exaustão física e emocional que viveu quando se tornou mãe. “Defendi minha tese [de doutorado] com sete meses de gravidez. Quando meu filho estava com seis meses de vida, eu já estava fazendo pós-doutoramento e atuando como professora substituta na Universidade Federal de São Carlos”, conta e relembra: “Nesse primeiro momento, como pesquisadora e mãe, o cansaço e o sentimento de inadequação foram meus companheiros. Mesmo tendo como colegas de trabalho e pesquisa, frise-se, majoritariamente, mulheres, sentia falta de acolhimento. A exigência de produzir e estar disponível para projetos, fazia-me sentir como se tivesse que sufocar minha maternidade, impondo reduzir drasticamente os momentos dedicados ao meu filho para me dedicar às atividades acadêmicas e produzir”.
Isolamento com encontros
Consciente da importância de cada papel que exerce, Suzana Marcolino decidiu dosar o peso da pandemia dentro de casa. “Fui estabelecendo um processo de escuta e diálogo para pensar e saber como poderíamos viver esse momento. Desistimos do ensino remoto, intensificamos a leitura de livros, as brincadeiras, comprei muita tinta e papel. Mesmo assim, a TV ainda é mais presente no cotidiano do que eu acho adequado, mas há as limitações do que conseguimos pensar e fazer no cotidiano em uma situação como essa em que temos que ficar muito tempo em casa. Cobranças em demasia não fazem bem e não são justas”, relatou sobre como conseguiu organizar uma rotina sem muitos traumas.
Ela dedicou tempos específicos para o filho e tratou com naturalidade e leveza o espaço compartilhado: “Enquanto ele brincava ou via a televisão eu estava com o computador no colo, trabalhando na sala. Posicionei-me que a casa era espaço nosso e, principalmente, dele. Então, muitas vezes, nas reuniões dizia: ‘Estou ouvindo, mas agora é a hora do lanche e vou fazer o lanche do Francisco’. Muitas vezes, ele passava correndo ou me fazia alguma solicitação no meio de uma reunião ou live. Fazia questão de frisar que aquele era o espaço do Francisco e que não fazia sentido escondê-lo ou pedir exageradamente por silêncio para uma criança de seis anos que estava em sua casa”.
No meio de toda essa experiência, Suzana Marcolino vislumbrou na proposta do livro uma oportunidade de pensar e refletir sobre as próprias vivências, comuns a tantas mulheres. É por isso que o capítulo do seu relato também fala sobre encontros. “O encontro de mulheres e crianças, quando aquelas ficam incumbidas do cuidado dessas e ao mesmo tempo que criam uma situação de invisibilidade, produz potenciais no sentido de se fazer ouvir vozes silenciadas”, diz.
Reflexões sobre o ambiente universitário
As mulheres pesquisadoras que tiveram seus relatos contemplados no livro dividem os conhecimentos numa obra prefaciada por Manuela D’Ávila, jornalista e mestra em políticas públicas e apresentação de Marinete da Silva, mãe da vereadora carioca Marielle Franco, brutalmente assassinada em março de 2018.
A chamada para participação na coletânea deixou livre o estilo e o formato dos textos, para que o livro fosse inclusivo, respeitando a individualidade de cada mãe. A professora Suzana Marcolino aproveitou para levantar a questão sobre o espaço da produção de conhecimento na universidade, identificado como ‘masculino’ e a luta das mulheres pela inserção nele.
“Badinter, feminista francesa, considera que a sociedade patriarcal exige os cuidados em relação à infância, mas se descompromete dele, responsabilizando as mulheres. Assim, estabelece-se para a mulher o espaço do privado, da casa, dos cuidados e da afetividade, enquanto o homem ocupa os espaços públicos, da produção, da racionalidade. As mulheres que atuam na universidade como pesquisadoras fazem um desafio a esse estado das coisas”, destaca.
Para Suzana, o marco que dividiu sua postura enquanto mãe e pesquisadora foi num evento internacional que participou como palestrante. “Tive que levar meu filho comigo, pois não tinha com quem deixá-lo. Ele ficou na mesa comigo, passando de colo para colo das demais oradoras; fez desenhos e mostrou para a plateia; perguntava bem alto: ‘já está acabando?’. Não foi fácil esse momento”, conta.
O sentimento que vivenciou ali foi tão importante para suas lutas feministas no âmbito da docência que ela retoma a história no livro, usa como foto de perfil do Lattes o registro do Francisco na mesa do seminário internacional e persiste no poder do debate sobre o assunto: “Se a reflexão sobre nossa condição como mulheres, mães e pesquisadoras não for diária, corre-se o risco de sermos tão opressoras com nossas colegas mães quanto o patriarcado é conosco”.
Confira o capítulo da professora Suzana Marcolino baixando o livro gratuitamente no site da editora Bindi.