Doutorado de biólogo concluído na Ufal é marcado por exemplo de superação
Pesquisador, diagnosticado com a síndrome de Guillain-Barré, analisou a biologia reprodutiva de uma espécie de anuro que ocorre em Alagoas
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Conflitos intelectuais, alta carga de trabalho, escassez de recursos. Para um pesquisador, o doutorado é certamente um dos maiores desafios acadêmicos. Além do trabalho de pesquisa, a rotina ao longo dos anos do curso do biólogo Nelson Rodrigues da Silva também foi seriamente impactada pela síndrome de Guillain-Barré.
Ainda no sétimo mês do doutorado, Nelson Rodrigues precisou voltar ao Estado de São Paulo para realizar uma disciplina eletiva na Universidade Estadual de Rio Claro. Aproveitou a ida para visitar sua família em Sorocaba. Ainda no voo para São Paulo, ele se sentiu mal e começou a ter dificuldade para mover a perna direita. Dentro de 24 horas, o pesquisador estava tetraplégico.
A síndrome de Guillain-Barré é uma doença auto imune que paralisa os movimentos pois afeta os nervos dos músculos. É uma condição rara que pode afetar pessoas de qualquer idade. Após o diagnóstico, o biólogo vivenciou sete meses de tetraplegia e outros 14 sem possibilidade de andar. Foram diversos dias de internação em unidades de terapia intensiva e tratamento de imunoterapia. Com a ajuda de profissionais, um ano depois da doença diagnosticada, Nelson conseguiu voltar a escrever.
“Quando fiquei doente, o primeiro artigo ainda nem tinha sido publicado apesar de eu ter todos os dados, então, a primeira coisa que fiz quando voltei a ter movimentos nos dedos foi escrever esse artigo porque era uma das exigências para eu continuar, foi aquele gás total”, conta Nelson Rodrigues.
Em meio às dificuldades, ele tornou-se doutor em Biodiversidade, junto ao Programa de Pós-graduação em Diversidade Biológica e Conservação nos Trópicos (PPGDIBICT) do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS) da Universidade Federal de Alagoas sob orientação da professora Tamí Mott.
A tese desenvolvida foi: Aspectos da biologia reprodutiva de Dendropsophus haddadi (Anura: Hylidae) e a influência dos locais de oviposição no dimorfismo sexual e fecundidade em anuros. O estudo gerou dois artigos científicos, sendo um deles aceito pelo Biological Journal of the Linnean Society, uma das revistas biológicas mais antigas do mundo.
“Voltar para o doutorado era a minha maior meta. Fiquei desesperado porque era meu maior sonho. O doutorado me ajudou a manter a cabeça boa e ficar fora da minha doença. Quando voltei a escrever, eu comecei a pensar na publicação, no projeto, na escrita e tudo mais... Também tinham as disciplinas, que depois comecei a fazer a distância e no fim, as coisas foram se acertando. Eu consegui fazer os estágios e terminar a tese e nossa, muita alegria, graças a Deus e a todas as pessoas que estão envolvidas nessa segunda parte da tese, a gente conseguiu publicar em uma ótima revista e eu finalizei o doutorado muito melhor do que eu esperava, estou muito feliz com o resultado”, comemorou.
Para a orientadora Tamí Mott, Nelson se tornou um grande exemplo. “O grande aprendizado para mim foi que a gente orienta alunos, mas lida com pessoas e a saúde deve ser colocada sempre em primeiro lugar. Eu quero ver meus alunos, que são a minha família científica, sempre bem, com saúde, podendo desenvolver suas atividades. Eu nunca ouvi uma reclamação do Nelson. Continuamos nossas reuniões virtuais, ele sempre acompanhado por enfermeiros e assim ele foi seguindo suas atividades, conseguindo desenvolver as orientações. Para mim ele é um guerreiro, porque hoje, se voltou a andar e se é doutor, foi muito mérito dele”, comentou.
A proposição da pesquisa, assim como a vida do biólogo, foi alterada ao longo do percurso. Contudo, a tese entrega uma análise da biologia reprodutiva de uma espécie de anuro que ocorre em Alagoas, o Dendropsophus haddadi, endêmico da Mata Atlântica. O sapo, que vive em pequenas lagoas, deposita os ovos ao redor das folhas das plantas do bioma.
O pesquisador avaliou ainda se o local onde as fêmeas depositam os ovos exerce influência na fecundidade e se o lugar da postura dos ovos influencia ainda no grau de dimorfismo sexual. Enquanto a primeira parte da tese trata de uma biologia descritiva de história natural, a segunda realiza uma análise de metadados e dados publicados por outros autores e informações pessoais.
De acordo com o biólogo, os anfíbios anuros apresentam uma grande diversidade de modos reprodutivos. Os comportamentos de depositar os ovos na água ou na terra envolvem diferentes adaptações e a terrestrialidade evoluiu no grupo de forma independente. As diferenças morfológicas entre machos e fêmeas e a fecundidade das fêmeas são características importantes ligadas aos modos reprodutivos. Porém, para muitas espécies não há dados básicos sobre biologia, dificultando estudos em ecologia e evolução dos anuros, os sapos, rãs e pererecas.
Desta forma, o estudo visou analisar a biologia desta espécie, que possui o modo reprodutivo arborícola, bem como investigar a inter-relação entre modos arborícolas, fecundidade e o dimorfismo sexual em anuros. Para desenvolver a tese, duas populações foram estudadas em Maceió, Alagoas. Os indivíduos foram observados a uma altura média de 3 a 5 metros na vegetação à beira de corpos d'água temporários.
Para saber mais, confira a tese.