Ufal homenageia as várias expressões artísticas no Dia Nacional das Artes
Data marca a conquista do reconhecimento da Arte como profissão
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Os versos de Chico Buarque, Apesar de você amanhã há de ser outro dia, são de um outro contexto, da década de 1970, mas, para a classe artística brasileira, pode soar como um canto de esperança de tempos melhores. E é nesse Dia Nacional das Artes, 12 de agosto, que a Universidade Federal de Alagoas homenageia seus artistas e se solidariza à categoria que compõe o universo dos cursos de Teatro, Dança, Música, da Escola Técnica de Artes e dos equipamentos culturais musicais, já que, por conta da pandemia do coronavírus, todos estão impedidos de fazer o que mais gostam: estar em contato direto com seus públicos.
Hoje não tem espetáculo, não tem palco nem plateia, mas é importante o registro porque a data marca o reconhecimento da profissão artista, a partir da Lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978, e significa a valorização da arte enquanto representação para a formação da cultura nacional. Para o diretor da Escola Técnica de Artes (ETA), David Farias, o Dia Nacional das Artes será sempre marcado como uma data para lembrar lutas e conquistas. “O Dia Nacional das Artes será sempre o dia da conquista de companheiros e companheiras pela luta do reconhecimento da Arte como profissão”, lembrou.
E completa: “Há sempre bons motivos para comemorar, mesmo com tantos bons combates, muitos são os mesmos, os de sempre, em todo o país. Outros novos brotam e nos deixa atônitos, como uma pandemia. Não bastando ser um dos primeiros setores a parar, será um dos últimos a voltar, e ainda tivemos que provar que somos necessários, lutando por direitos básicos, como a Lei Aldir Blanc [Lei Federal 14.017/2020, publicada em 29 de junho, tem como objetivo central estabelecer ajuda emergencial para artistas, coletivos e empresas que atuam no setor cultural e atravessam dificuldades financeiras durante a pandemia].”
Farias lembra a importância do artista na vida das pessoas e de como ela seria sem graça se não houvesse entretenimento, drama, comédia e, por que não, reflexão. “E se não fossem as lives, os livros, os canais de filmes e séries…? É uma luta infindável, cansativa, mas amanhã há de ser outro dia, diz a canção de Chico, o texto de Maria, a interpretação de José, a dança de João. É nisso que me apoio para todos os anos dizer às pessoas que se inscrevem no processo seletivo da Escola Técnica de Artes da nossa Ufal, que vale a pena sim, seguir seus sonhos, conquistar uma profissão digna como as demais, com todo o fascínio de sermos nós mesmos a matéria-prima que cria, inova, transforma e reinventa, como agora, a sua arte. É da observação do mundo, da natureza, dos sentimentos genuínos ao ser humano, a ser humano; é desse imaginário que expressamos por meio de símbolos, signos e códigos, criando interação e conexão (agora mais que nunca) entre o artista, a artista e o público. Viva o Dia Nacional das Artes!”, comemorou.
Apesar da pandemia, a ETA não parou e o diretor destaca o momento difícil que a Escola está passando. “Estamos num momento confuso, na luta para vislumbrar nosso ensino de maneira remota, como fazer o processo seletivo on-line, matrículas dos veteranos, edital de bolsa para alunos. Já as questões artísticas, foi momento de se reinventar com lives e adaptar eventos tradicionais presenciais para a versão virtual, como o Encontro de Sax, Encontro de Cordas, Moda Imagem, todos em suas 4ª e 5ª edição. E ainda temos o Projeto Renda-se, que tem o filé como inspiração e vai selecionar dez designers nas categorias estudantes do moda da ETA e profissionais de moda”, anunciou Farias.
Reinventar para não parar
Para Kamilla Mesquita, vice-coordenadora do curso de licenciatura em Dança, é importante destacar a mobilização para fortalecer a classe artística, não só no Dia Nacional das Artes. “Muitos docentes e discentes e egressos do curso estão envolvidos nas mobilizações políticas que vêm se fortalecendo nesse momento. Apesar do distanciamento social, tem havido união e organização da classe artística por meio de fóruns e comitês de representação política dos segmentos artísticos do Estado. Destacamos a criação do Fórum de Dança e Circo de Alagoas que vem se reunindo remotamente e fortalecendo essa organização representativa da classe artística destas duas linguagens cênicas”, revelou.
E acrescenta: “Bailarinos e circenses, tão acostumados com o encontro de corpos em cena, estão tendo que treinar de maneira solitária, mas não deixam de estarem juntos, unidos, ainda que virtualmente, em prol da dignidade de seus agentes -sabemos que muitos artistas vem passando por sérias dificuldades financeiras- e isso não exclui nossos discentes ou egressos. Também há o desejo dessa união, ainda que a distância, por uma necessidade vital dos artistas de se manterem em criação, cientes de que a arte é vital a qualquer ser humano. Isso tem se tornado cada vez mais evidente em tempos de isolamento”.
A professora lembra que a dança, como uma das artes da presença, sofre muito com esse momento de distanciamento social. “Não somente em relação à suspensão das atividades artístico-culturais em situação de espetáculo presencial, mas pela própria natureza do treinamento em dança que se faz normalmente em grupo. Outras formas de exploração desta arte presencial tem sido exploradas por docentes e discentes do curso por meio de iniciativas autônomas, como por exemplo, a criação de vídeos ou participação em lives, encontrando na tecnologia uma nova forma de exploração dessa ‘presença’. Com certeza, não substitui o corpo-a-corpo com o público, mas abre para outras possibilidades de exploração expressiva desses corpos em situação de isolamento social”.
Os professores do curso de Dança vêm se reunindo remotamente para planejar possíveis atividades de ensino de maneira não presencial, mas que, segundo Mesquita, contribuam efetivamente para a formação dos alunos nesse período atípico. “Continuamos com nossas atividades de pesquisa e extensão por meio de orientações remotas e as atividades do programa de extensão Corpo Cênico, que nesta edição vem sendo coordenado pelas professoras Noemi Loureiro e Isabelle Rocha. O corpo cênico também mantém remotamente suas atividades de pesquisa e criação”, confirmou.
Projetos adiados
A coordenadora da licenciatura em Teatro, Lara Couto, relata que o momento atual está complicado, porque os artistas tiveram de adiar seus projetos e se reinventar para continuar sonhando e buscando dias melhores. “Muitos artistas estão vivenciando a ansiedade da suspensão dos planos provocada pela crise pandêmica. Não sabemos quando nossos teatros, cinemas e demais espaços artísticos voltarão a funcionar. Ao mesmo tempo, muitos artistas estão engajados em propor novos formatos para a realização de atividades artísticas e de formação: temos festivais virtuais, cursos on-line, seminários, palestras, experimentações cênicas a distância, para citar alguns exemplos”, revelou.
Couto lembra, ainda, que as redes sociais são aliadas dos artistas nesse período de distanciamento social. “A intensificação do uso das redes possibilita potencialmente a aproximação entre artistas, professores e alunos de regiões diferentes em projetos comuns, embora lidar com as demandas tecnológicas e emocionais do isolamento permaneça como um desafio constante. Muitos dos nossos alunos irão precisar de apoio institucional para ter uma adesão efetiva às ações de ensino e experimentação artística de caráter remoto, suporte que envolve não apenas ajuda financeira e tecnológica, mas, até mesmo, de suporte psicológico para dar conta das dificuldades do momento”, explicou a professora.
Ganha pão
Artistas são trabalhadores que vivem e se sustentam com a arte. Com essa afirmação, o coordenador do curso de licenciatura em Música, Flávio Ferreira, quer mostrar que o trabalho com a arte é o ganha pão do artista. “É um trabalho grande e exigente. É importante aproveitarmos essa fase e esse dia para refletirmos sobre a importância da arte e do artista na sociedade. A arte está presente em cada momento de nossas vidas: nas festas, nas igrejas, nas academias, no lazer, nos momentos de luto, no relax, na meditação, no oração, etc. Então, como uma atividade tão presente e tão importante pode ser tão desvalorizada? Como as artes, tão presentes na vida de todos, podem ser tão desvalorizadas a ponto de deixar artistas desamparados?”, questionou.
Ferreira defende a importância de celebrar o Dia Nacional das Artes. “Comemorar no sentido de rememorar, trazer à memória e, consequentemente, trazer para a ‘ordem do dia’ que temos um dia das Artes. Um dia especial para refletir e falar sobre as artes no Brasil. E há tanto pra se falar… Esse ano está sendo muito difícil para todos e vemos as artes exercerem um papel primordial (e eu diria indispensável) para suportarmos e lidarmos melhor com toda essa situação. Filmes, séries, música, livros, artes visuais, museus, espetáculos transmitidos por televisão, rádio e internet. A arte está no dia a dia de todos”, lembrou.
O coordenador de Música também fala do momento desafiador que todos estão passando, inclusive seus alunos: “Infelizmente, tem sido um ano extremamente desafiador para os artistas e para a Arte! Principalmente, para aqueles artistas que trabalham com espetáculos e eventos e, entre esses, os músicos. A grande maioria dos músicos trabalha com espetáculos (shows, concertos, recitais...), eventos e com aulas de música. Com os cancelamentos das atividades públicas e presenciais, muitos ficaram sem trabalho e sem remuneração e tem passado dificuldades. Tem músico vendendo bens pessoais, equipamentos e, até mesmo, instrumentos (o que é muito doloroso!) para conseguir sobreviver. Nossos alunos são músicos e nós pensamos nessas dificuldades!”.
E finaliza, dizendo: “É importante lembrarmos que, para termos as obras e os espetáculos artísticos, precisamos dos artistas e das artistas e que essa categoria precisa dos cursos e dos professores de arte. É uma cadeia. Os cursos de artes, professores e professoras artistas formam artistas que produzem a arte que consumimos. Nessa cadeia está a universidade pública: maior instituição de formação de artistas no Brasil! E, em Alagoas, a Ufal exerce esse papel de formação artística em diversos níveis, com cursos gratuitos e abertos a toda a comunidade. Precisamos valorizar os cursos de Artes com espaços e estrutura adequadas para que possam realizar um serviço de excelência. Precisamos valorizar o artista e a artista! Hoje podemos perceber que a profissão do artista é uma atividade essencial na sociedade.”
Dia de reflexão
Para Nilton Souza, coordenador dos equipamentos musicais -Corufal e da Orquestra Sinfônica Universitária (OSU)-, o Dia Nacional das Artes é um um momento de reflexão sobre o fazer artístico e sobre como vencer esse momento de afastamento social. “Como conseguir fazer a economia da área cultural voltar a girar? Essa data é um dia de preocupação também tendo em vista as necessidades que todos têm para se manterem e sobreviverem. A arte tem por trás toda uma cadeia produtiva e que, agora, está tudo parado. Isso nos preocupa muito porque no Dia Nacional das Artes estamos sem os artistas nas ruas ou nos palcos. É um dia de grande preocupação”, ponderou.
Souza também faz uma reflexão em relação aos alunos dos cursos de Artes da Ufal. “Minha preocupação é em relação ao sofrimento que todos estão passando. É um momento difícil que muitos dos nossos alunos, formandos principalmente, estão passando por causa da impossibilidade de se apresentar em público. Alguns são capazes de se reinventar, de criar novas atividades para gerar renda, mas outros não conseguem. Não sabemos até quando as pessoas vão conseguir sobreviver diante dessa situação caótica. Ao mesmo tempo, sabemos que o artista tem de se preservar e cuidar da sua saúde para continuar fazendo o melhor que sabe fazer: arte”, falou.
Neste Dia das Artes, Souza ressalta que o artista vive um momento de muita insegurança e, talvez seja a classe trabalhadora mais prejudicada pela pandemia. “Dos trabalhadores do país, acredito que a classe artística foi uma das mais esquecidas nesse período de distanciamento social. Recentemente veio a Lei Aldir Blanc para tentar corrigir isso. Sabemos que o artista não vive de brisa, ele precisar se alimentar pagar contar, sobreviver”, revelou.
Sobre a atuação dos equipamentos musicais, Souza avisa que os dois equipamentos estão passando por um processo de reestruturação. “Foi um processo de muito estudo sobre viabilidade técnica. Fomos pegos de surpresa pela pandemia, mas começamos a estudar como poderíamos trabalhar de forma remota com os artistas. O Corufal já vinha em atividade permanente e precisava se manter ativo. A Orquestra estava praticamente parada. Buscamos um caminho, mesmo com a pandemia. Buscamos a reestruturação das cordas. Estamos com um projeto e previsão de ter um produto gravado, que já seria interessante para mostrar para toda sociedade que nossos grupos não pararam”, anunciou.
Apesar de ser um momento novo para todo mundo, o Corufal e a OSU estão produzindo e ensaiando em ambiente virtual, cada músico, cada coralista em suas casas. “O Corufal já está com alguns produtos e a orquestra também está ensaiando. Tanto eu como Moisés [Victor, regente do coro] e todos os envolvidos nesses dois equipamentos estamos vivenciando isso. A Universidade se preparou com sua produção cultural para levar o melhor possível para o público maceioense e do Estado de Alagoas como um todo. Estamos vivenciando uma sensação de impotência, porque o artista está acostumado a terminar a etapa de ensaios e se apresentar para o público. Então há uma carência muito grande em relação a essa questão. Essa é uma grande dificuldade que nossos equipamentos estão passando”, revelou Souza.
E continuou: “As pessoas se preparavam para o palco e o público já estava acostumado com os concertos da OSU e do Corufal [na programação do Quinta Sinfônica, projeto existente desde 2011]. Só que nesse momento de pandemia, a orquestra praticamente não existe para o público. Por isso, pretendemos, até o final deste ano, promover a renovação total da OSU para que ela esteja pronta para se apresentar. Enquanto não temos condições de fazer as atividades presenciais, estamos dando suporte a todos os músicos para que eles desenvolvam suas habilidades técnicas, cada um em sua residência, para conseguir chegar no nível de apresentação”.