Com versos e rimas, aluno de Psicologia usa cordel para apresentar trabalhos
As poesias escritas por Leonardo Melo ajudam na fixação do conteúdo e envolvem toda a turma
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“Sua escrita é diversa
E tem marca nordestina
De aprendizagem à linguagem
O cordel nos ensina”.
Com licença poética, essa matéria começa com os versos do aluno Leonardo Melo, do 6º período do curso de Psicologia da Ufal, derrubando qualquer estrutura padrão de texto jornalístico.
É isso que Léo, como é conhecido, tem o costume de fazer nas aulas. Ele usa a literatura de cordel para apresentar seus trabalhos, debater conteúdos aprendidos nas disciplinas e incentivar a cultura de uma forma inusitada. Bastou a permissão para “usar a criatividade” concedida por uma docente, que Leonardo aproveitou a oportunidade:
“Durante uma disciplina a professora [Angelina Vasconcelos] pediu que nos sentíssemos livres em nossa criatividade para semanalmente fazermos postagens no Padlet [ferramenta on-line] com conteúdos referentes aos textos e temáticas das aulas. No início fiquei em dúvida sobre o que publicar, não queria fazer resumos, então tive a ideia de fazer um cordel na primeira semana, depois disso, essa forma de aprendizagem se tornou cotidiana para mim”.
Melo não parou mais porque já tinha a arte na sua essência. “É prazeroso fazer os cordéis, é terapêutico, é algo que tenho que fazer todos os dias, não porque é uma obrigação, mas porque me faz sentir bem. Além de aprender, os cordéis mostram minha forma de ver e se situar no mundo, do lugar que estou, das minhas raízes, da minha terra que é o Nordeste. A literatura de cordel é uma expressão artística do povo nordestino, é uma das nossas marcas culturais do Brasil para o mundo”, comentou Leonardo.
A decisão de continuar aplicando o estilo literário nas aulas da Ufal foi apreciada pelas professoras Cristina Azevedo, Mariana Tavares e Telma Low, que acompanham o aluno. “O talento que Leo nos presenteia e desenvolve cotidianamente, de sintetizar em poesia/literatura os debates tecidos em sala de aula, com os referenciais teóricos lidos/estudados é de uma potência impressionante. A gente deseja muito que ele consiga publicar em livro todas as poesias”, destacou Telma, falando também sobre como ele envolve a turma nas temáticas:
“Ao final de cada aula, depois das rodas de conversa em que toda a turma participa, ele traz de modo leve, afetuoso e ético-politicamente comprometido o que ‘ficou’ sobre o que dialogamos e como a psicologia se insere no contexto estudado”.
A metodologia escolhida por Léo encanta os que participam das aulas, mas é, na verdade, a maneira que ele criou para fazer uma imersão nas próprias fragilidades. “Além de ser uma forma nova de aprendizagem para mim, os cordéis me ajudaram a fixar melhor palavras-chaves dos assuntos. Assim, incluir a arte durante as atividades acadêmicas se tornou terapêutico em minha vida, a criação de cordéis me traz bem-estar e encanto pelas palavras”, resumiu.
Um tempo para si
As escritas terapêuticas em cada verso construído por Leonardo Melo são apresentadas por ele assim: “Uma forma de autocuidado com minha saúde mental”. E isso tem um motivo especialmente desafiador. Enquanto está sentado lendo conteúdos inspiradores ou rabiscando no papel o que a mente transborda, ou ainda, digitando no bloco de notas do celular as rimas que surgem para não esquecer, ele segue na resiliência de uma espera na fila de transplante há 15 anos.
Leonardo é paciente renal crônico, em hemodiálise desde os 8 anos de idade. Ele saiu de Paulo Jacinto, no interior de Alagoas, para buscar melhores condições de tratamento na capital. A doença mudou a rotina da família e traçou o destino profissional do garoto.
“Durante meu processo no tratamento dialítico, a terapia me ajudou a lidar com as mudanças na minha vida. Então, ver o que eu consegui processar com tudo o que estava acontecendo me fez pensar: ‘É isso que eu quero. Ajudar e cuidar da saúde mental das pessoas!’”, lembrou.
Lições herdadas e repassadas
Leonardo Melo cresceu em meio aos livros. Filho de professora de Português, irmão de uma pedagoga e do primeiro doutor em Letras da família, ele seguiu apaixonado pela literatura. O estdante, aos 24 anos, já tem uma trajetória de escritor. Desde que venceu um concurso de Sarau Literário promovido pelo Instituto Federal de Alagoas (Ifal) em Viçosa, Leonardo foi premiado em 1º e 2º lugares de melhor poesia e 3º em declamação, e escreveu um livro de poesias que ainda sonha em conseguir publicar.
Mal sabe ele o quanto é inspiração. “Só temos a agradecer a Leo por nos encantar e inspirar a seguir apostando, defendendo, aprendendo e desfrutando da docência, que é uma profissão muito desafiadora, mas também muito prazerosa porque nos proporciona estar sempre em movimento de construção de um saber-fazer-sentir que não se esgota e que se faz junto com as pessoas”, sintetizou Telma, uma das professoras que mais aplaudem o talento do jovem.
É fácil perceber que os trabalhos que ele produz para as disciplinas são encarados com leveza. Os versos têm leitura fluida e transmitem exatamente o sentimento que Léo quer expressar. E como exemplo disso, o trecho de um dos seus cordéis:
“Deixo essa lembrança
que fez parte dessa história,
de saber e conhecimento
além do afeto que levo na memória”.