Reportagem do The New York Times cita pesquisa do Lapis sobre desertificação

Desertificação no Nordeste Brasileiro foi o foco da reportagem do periódico americano

Por Diana Monteiro - jornalista
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É consenso científico do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), das Nações Unidas, que as mudanças climáticas aumentam a frequência e intensidade de eventos extremos, como secas, devido ao aumento nas temperaturas na Terra. Problemas como a desertificação, em razão das mudanças climáticas, estão na ordem do dia e na agenda ambiental global.

“Desastre climático em câmera lenta: a expansão de uma terra árida” é o título da reportagem de capa no The New York Times, no dia 3 de novembro, com alerta para a gravidade dessa situação. A reportagem, feita pelo jornalista Jack Nicas, com fotografia e vídeo de Victor Moriyama, contou com a colaboração do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) da Universidade Federal de Alagoas, que nos últimos 15 anos tem explorado bastante a desertificação com imagens de satélites e formação competente de recursos humanos. 

"A política ambiental brasileira tem chamado a atenção do mundo. A reportagem, manchete de capa do The New York Times, mostra que há um interesse pela sociedade e mídia norte-americana para algumas consequências graves da gestão ambiental no Brasil. Uma delas é a desertificação, um assunto extremamente complexo, do ponto de vista científico, social e econômico, que tem alcançado pouca repercussão nas políticas públicas. Em particular, junto aos formuladores dessas políticas, no Congresso Nacional", afirma o pesquisador  Humberto Barbosa,  coordenador do Lapis e  docente do Instituto de Ciências Atmosféricas (ICAT), da Ufal. 

Sobre a participação do Lapis no processo de elaboração da  destacada reportagem, Barbosa diz que, além do jornalista Jack Nicas ter visitados vários pontos recomendados pelo Lapis, a iniciativa do citado Laboratório da Ufal foi inédita por oferecer mapeamento da desertificação no Nordeste, com uso de tecnologia de geoprocessamento e sensoriamento remoto. Segundo o pesquisador, o mapeamento da desertificação é o maior desafio para as políticas públicas. Cada estado adota critérios diferentes para classificar os núcleos de desertificação e as áreas degradadas. E explica:

"O Lapis desenvolveu uma metodologia para o monitoramento da desertificação na região, a partir de imagens de satélites, complementado por drone e visita de campo. Como resultado, chegamos a um mapa padronizado, com uso dos mesmos critérios, que permite identificar quais as áreas atingidas pelo processo e o que pode ser feito, em termos de políticas de adaptação aos impactos. Conseguimos mostrar que, 13% do Semiárido brasileiro está afetado por desertificação e que 25% do território do Nordeste apresenta algum nível de degradação. Além disso, toda a região está em risco”.  

“Existe um enorme contingente de população afetada, e a colaboração do Lapis foi exatamente mostrar, com uso de inteligência de dados, onde estão essas pessoas e o que elas enfrentam, diante do processo de degradação das terras, que afeta, inclusive, a produção de alimentos, em uma economia baseada em agricultura familiar”. E reforça:  

“Recentemente, temos utilizado uma alta tecnologia global para monitoramento, com uso de dados da constelação de satélites Planet. São dados de alta resolução espacial, com precisão de 3 metros, que enriqueceram incrivelmente o nosso monitoramento”.

Mais sobre a matéria do The New York Times (traduzida) no link

 Desertificação e estudos científicos

 Humberto destaca que o Lapis da Ufal, desde 2014, faz o monitoramento semanal da situação da seca, na região do Semiárido brasileiro, com dados da cobertura vegetal, umidade do solo e chuva, além da previsão climática e previsão do tempo. Segundo ele, esse é o acompanhamento primordial, pois a principal consequência do processo de mudanças climáticas é o aumento na frequência das secas e da desertificação. A tecnologia das imagens do satélite Planet também fortaleceu esse processo de monitoramento, permitindo uma melhor validação e análise das áreas. 

Conforme os estudos científicos, “as áreas mais secas do Semiárido brasileiro, ou seja, aquelas com precipitação anual média inferior a 500 mm,  são as mais suscetíveis à desertificação, e cerca de 70% de sua área é seriamente afetada por processos de degradação ambiental. A gravidade das alterações climáticas previstas para a região foi um dos fatores que levaram os pesquisadores a realização do estudo.

“O processo de desertificação, à luz das mudanças climáticas, pode ser visto como uma mudança de estado. Ou seja, ponto de desequilíbrio, que pode ocorrer quando a taxa de aumento das temperaturas e diminuição da precipitação excedem em muito a capacidade dos ecossistemas em lidar com as mudanças ambientais”, afirma o pesquisador.

Nesse cenário, o monitoramento e a caracterização das respostas fenológicas da vegetação a eventos de seca em todo o bioma, em paralelo com previsões precisas de impactos futuros das mudanças climáticas, pode detectar, prematuramente, as regiões que se aproximam de um ponto de desequilíbrio ecológico para a desertificação.

“Então, o Lapis criou um mapa atualizado das regiões do Semiárido com maior vulnerabilidade a processos de desertificação, reavaliando as áreas já identificadas anteriormente e identificando novas áreas potenciais. O mapa semanal da vegetação permite melhor compreender a dinâmica fenológica e de produtividade da vegetação da Caatinga, em relação aos padrões de precipitação anuais, com foco nas respostas da vegetação em anos de seca mais extremas e de secas repetidas”, enfatiza o coordenador. 

Aproveita para dizer que altas taxas de perda de solo são sempre resultado de atividades humanas que constituem as causas mais diretas como, práticas de cultivo inadequado que desgastam os solos, o sobrepastejo e o desmatamento, que destroem a cobertura vegetal que protege o solo da erosão e a prática da irrigação em terras insustentáveis. E essa realidade, segundo Humberto, vem provocando outros problemas, a exemplo da salinização, perda de nutrientes e compactação dos solos.

 “Tudo isso ocasiona uma redução da cobertura vegetal, deixando os solos nus e mais vulneráveis aos processos erosivos que são tipos de degradação do solo. Finalmente, a desertificação é o resultado acumulado de eventos climáticos extremos, como secas, e da utilização inapropriada das terras. É importante salientar que as observações de imagens de satélites são fontes de informação sobre a extensão da erosão”.

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