Pandemia de Covid-19 prejudica diagnóstico da hanseníase no país
O estudo inédito foi feito por pesquisadores do Nordeste e publicado na revista The Lancet
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Estudo inédito, realizado por pesquisadores de universidades da região Nordeste, mostra o impacto da pandemia da covid-19 na redução do diagnóstico dos casos de hanseníase em todas as regiões do Brasil. A pesquisa foi realizada em parceria por professores e estudantes de pós-graduação da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf).
O artigo sobre esse trabalho foi publicado em uma das revistas do grupo The Lancet (The Lancet Regional Health – Americas), um dos mais importantes grupos de jornais científicos da área de saúde de todo o mundo. Participaram do estudo os doutorandos Wandklebson Paz e Mariana Souza (UFS) e os professores Carlos Dornels (Ufal), Rodrigo Carmo (Univasf), Amélia Ribeiro, Allan Dantas, Débora Tavares e Márcio Bezerra (UFS).
Os pesquisadores destacam que a hanseníase é uma doença milenar e ainda negligenciada, e a implementação de medidas de controle da doença já era um desafio antes mesmo da pandemia no Brasil. “O país é o segundo no mundo em número de casos, cerca de 30 mil novos casos a cada ano. A doença é uma das principais causas de incapacidade permanente e estigma social e se destaca como uma das doenças negligenciadas mais importantes em países subdesenvolvidos, como Índia e Brasil”, informa o professor Carlos Dornels.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 3 milhões de pessoas no mundo vivem com deficiências causadas por complicações clínicas da hanseníase. “Apesar de ser uma doença antiga e tratável, a hanseníase ainda representa um importante problema de saúde pública, principalmente em populações vulneráveis, reflexo também da falta de investimentos em pesquisas para desenvolvimento de vacinas ou novos medicamentos”, complementa o pesquisador.
Neste estudo, os autores avaliaram a incidência mensal de casos de hanseníase e a variação percentual para verificar se houve aumento ou diminuição do número de casos de hanseníase em 2020, considerando a média mensal de casos nos últimos 5 anos anteriores à pandemia (2015 a 2019). Como resultado, foi observada uma redução de 41,4% dos casos diagnosticados de hanseníase no Brasil, em 2020. Essa redução foi maior na população com idade inferior a 15 anos (-56,82%).
Similarmente, todos os estados e regiões brasileiras apresentaram redução no diagnóstico de hanseníase, tanto na população geral, como em menores de 15 anos. Por outro lado, houve aumento no diagnóstico de hanseníase multibacilar (8,1%), principal forma transmissível do bacilo. Análises de tendência temporal realizadas pelos pesquisadores apontaram tendências decrescentes da incidência de hanseníase na população geral entre 2015 e 2020 no Brasil.
Mapas de análises espaciais elaborados pelos autores demonstraram também redução de até 100% nos casos novos de hanseníase, principalmente nos estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. “Nesse contexto, as medidas tomadas em relação à pandemia da Covid-19 podem impactar severamente nas estratégias de controle da hanseníase em todo o país. A redução do diagnóstico eleva a prevalência oculta, mantém a cadeia de transmissão ativa e eleva o risco de incapacidades físicas. É necessário implementar planos e políticas que permitam o controle da doença”, alerta Carlos Dornels.
Os autores do estudo esperam que esses resultados auxiliem os esforços de saúde pública na manutenção do atendimento aos pacientes e facilitando o acesso aos serviços de saúde, a fim de melhorar o diagnóstico e o tratamento oportuno dos pacientes. “Esse estudo demonstra o impacto severo e insidioso da pandemia de Covid-19 no combate à hanseníase no Brasil. Portanto, manter o atendimento aos doentes e reduzir as barreiras de acesso aos serviços de saúde deve ser uma prioridade para os governos e os gestores de saúde”, orienta o pesquisador.
O estudo aponta que as medidas para reduzir a propagação do SARS-CoV-2 são fundamentais, mas, ao lado delas, recomenda-se que ações práticas de emergência sejam tomadas para o controle de outras doenças, especialmente as negligenciadas, como a hanseníase; reforçando a importância do diagnóstico precoce para evitar a ocorrência de sequelas graves, que geram incapacidades físicas. “A publicação do estudo coincide com o mês de conscientização e combate à hanseníase no Brasil, o Janeiro Roxo. A Sociedade Brasileira de Dermatologia destaca em sua campanha que, se a hanseníase é uma doença negligenciada, a nossa saúde não é”, finaliza Carlos Dornels.