Ossos humanos encontrados por pesquisador da Ufal tem cerca de 1.600 anos
Professor Flavio Moraes afirma que, no Nordeste, há poucas evidências arqueológicas como as encontradas na cidade de Pocinhos, sobretudo, por conta do excelente grau de preservação e das marcas de corte bem evidenciada nos ossos
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Material ósseo humano com cerca de 1.600 anos foi encontrado no sítio Lajedo do Cruzeiro, situado na cidade de Pocinhos, estado da Paraíba. O principal indício é de que o local do achado arqueológico era utilizado para enterrar os povos desse grupo pré-histórico.
De acordo com o professor do Campus do Sertão da Universidade Federal de Alagoas, Flávio Moraes, responsável pelas escavações, em parceria com o arqueólogo Plínio Araújo Víctor, a descoberta surpreende porque, na região, há poucas evidências arqueológicas como as que foram achadas. “Aqui no Nordeste não temos nada que se assemelhe a esse material encontrado, em virtude da preservação associada às marcas de corte nos ossos humanos bem caracterizadas”, destacou o doutor em Arqueologia.
O pesquisador ressalta que as peças encontradas apresentam excelente estado de preservação. “Em sítios funerários, isso nem sempre é possível. Chama atenção o fato de se tratar de sepultamentos secundários, tendo sido verificados, até o momento, 12 indivíduos, sendo três adultos e nove não-adultos”, informou.
E descreve: “Foram observadas marcas de corte, possivelmente desmembramento, em ossos como escápula, ílio e púbis, bem como o corte total dos ossos longos, nomeadamente o rádio, na extremidade distal das diáfises [parte mais longa do osso ]”.
Nos ossos de indivíduos não adultos, inclusive bebês de 3 e 6 meses, ele relata que foram constatadas marcas de corte de desmembramento, especialmente, nos ossos longos. “Isso diz muito sobre o ritual funerário desse grupo pré-histórico. Já enviamos amostras para datação para que pudéssemos ter esse recorte cronológico”, informou. Ainda de acordo com o professor, os materiais ósseos correspondentes a indivíduos não adultos apresentam idade à morte estimada em 3 meses, 6 meses, 1 a 2 anos e 6 anos.
Tais observações já realizadas, explica Moraes, dão “indícios da ritualidade funerária praticada por este grupo, uma vez que apenas dois indivíduos adultos, até o momento, apresentaram o tratamento de corte na extremidade distal da diáfise, em um rádio e uma fíbula, sendo as demais marcas de corte destinadas a indivíduos não-adultos”.
Ao explicar a importância do achado arqueológico, o pesquisador afirma que “os sítios funerários são notavelmente importantes para a Arqueologia”, pois, a partir dos seus vestígios, é possível obter uma série de informações que contam a história dos povos antigos. “Cada detalhe nos informa acerca de um aspecto da vida deste grupo: a posição dos indivíduos na cova, a flexão do corpo, envoltório e objetos depositados junto ao morto, patologias ósseas. Já os adornos, dizem-nos sobre a sociedade, tais como diferenças hierárquicas, de gênero e etárias, sua simbologia, ou seja, como lidavam e ritualizavam a morte”, detalha.
E acrescenta: “O estudo da morte na arqueologia busca compreender, na verdade, como viviam esses indivíduos”.
Além dos aspectos culturais, outro enfoque importante nos estudos dos sítios funerários, aponta o pesquisador, é a análise dos esqueletos. “A partir deles, podemos traçar o perfil biológico das pessoas, estimando o número mínimo de indivíduos sepultados (NMI), idade da morte e sexo. Além disso, é possível identificar a condição de saúde, violência interpessoal, alimentação, paleopatologias, doenças congênitas, períodos de estresse alimentar, mortalidade infantil, atividades ocupacionais, dentre outras informações passíveis de obter nos remanescentes ósseos humanos”, enumerou.
De valor histórico inestimável, todo o material ósseo humano exumado no sítio Lajedo do Cruzeiro se encontra no Núcleo de Pesquisa e Estudos Arqueológicos (Nupeah), do Campus do Sertão da Ufal, do qual Moraes é coordenador. A bioarqueóloga Danúbia Rodrigues está fazendo a análise do material e os resultados farão parte de sua tese de doutorado em Arqueologia, pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), sob orientação da professora Olívia Carvalho.
Início dos estudos
A cidade Pocinhos, conta Flávio, fica numa região que apresenta grande potencial arqueológico. “As principais evidências, até o momento, são os sítios de Arte Rupestre. Estes grafismos foram amplamente estudados e classificados como subtradição dos Cariris Velhos por Ruth Almeida, ainda na década de 1970”, esclareceu.
Já em relação ao sítio Lajedo do Cruzeiro, especificamente, ele detalha que o local “apresenta uma configuração completamente distinta, pois, trata-se de um cemitério indígena datado em 1.680±30 antes do presente (BETA 543286)”.
A pesquisa coordenada pelo docente da Ufal e pelo arqueólogo Plínio Araújo teve início em 2016, a partir de relatos de moradores sobre a existência de possíveis vestígios arqueológicos no sítio em Pocinhos. Para surpresa dos pesquisadores, ao chegarem ao local, vértebras e costelas humanas já estavam visíveis na superfície. “No sítio, foi possível distinguir dezenas de ossos humanos, fragmentados e completos. Os remanescentes estavam expostos ao intemperismo, bem como ação de animais e pessoas, correndo risco de destruição”, relembrou o docente da Ufal.
Para proteger o espaço e os materiais, professor Moraes e Plínio Araújo, presidente do Instituto Memorial da Borborema, da cidade de Pocinhos, desenvolveram um projeto de pesquisa para escavar o sítio. “Os objetivos eram exumar os esqueletos, preservá-los e estudá-los. O projeto foi submetido ao Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] para a obtenção de portaria de autorização para a realização das pesquisas e, tão logo se obteve, iniciaram-se os trabalhos de escavação arqueológica”, relatou o pesquisador.
Também integram a equipe de pesquisadores estudantes de História do Campus do Sertão da Ufal e da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), além de alunos do mestrado em Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
A expectativa ao final da pesquisa, segundo Moraes, é “traçar um panorama biocultural deste grupo que sepultou seus mortos na região do Cariri Paraibano há cerca de 1.600 anos antes do presente”.