Agosto Lilás: Violência sexual pode desenvolver vários transtornos e destruir gerações
Crianças do sexo feminino estão entre as maiores vítimas desse tipo de violência
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O silêncio esconde muitas vítimas e não interrompe o ciclo de violência que as mulheres passam todos os dias. A violência sexual está entre as mais subnotificadas. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que apenas 5% das mulheres denunciam. E elas sofrem caladas, desde muito cedo. Segundo o Fundo das Nações Unidas (Unicef), 180 mil crianças e adolescentes foram vítimas de abusos sexuais no Brasil entre 2016 e 2020, por isso, não é debate só de gente grande.
Combater esse crime salva gerações. A professora Paula Miura, do Instituto de Psicologia (IP) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), explica que os abusos intrafamiliares são um fator de risco para o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Isso porque produz efeitos na identidade, distúrbios de personalidade e adaptação social.
“As vítimas podem desenvolver diferentes tipos de transtornos: físicos, relacionados à dificuldade de sono e alimentação; comportamentais, como abuso de drogas, condutas autodestrutivas, fugas e baixo rendimento escolar; emocionais, expressos por sentimentos de medo, agressividade, culpa, vergonha, baixa autoestima, desconfiança e transtorno de estresse pós-traumático; sexuais, com masturbação compulsiva, excessiva curiosidade sexual, exibicionismo e confusão de identidade sexual; e, por fim, sociais, com déficit em habilidades sociais, isolamento e condutas antissociais”, descreveu Miura.
Agora imagine esses efeitos numa geração de meninas que sofre violência sexual já no início da vida? Os dados da Secretaria de Vigilância de Saúde (MS, 2019) revelam que 74,2% da vítimas são do sexo feminino, e mais da metade (51,9%) está na faixa etária entre 1 e 5 anos.
Outros dados importantes são referentes ao perfil dos agressores: estima-se que em 81,6% dos casos de abusos em meninas o ator da agressão era do sexo masculino e 37% tinha vínculo familiar com a vítima. A professora Elvira Barretto, líder do Grupo de Pesquisa Gênero, Diversidade e Direitos Humanos da Ufal (Diverge), do Programa de Pós-graduação em Serviço Social (PPGSS) da Faculdade de Serviço Social (FSSO) reitera:
“Não é natural. Os dados revelam a dimensão e a gravidade da problemática que configura como criminosos milhares de homens. Isso não pode ser tratado de forma natural”. E completa: “É uma problemática de cunho social e histórico fundada nas normatizações de gênero - de origem patriarcal-capitalista, racista - que instigam os homens a serem violentos. Portanto, institui-se a violência como valor positivo no processo de socialização destes, desde a infância”.
Como mudar essa lógica imposta
O conhecimento é o principal aliado da proteção das vítimas de violência sexual e um importante recurso para não produzir mais agressores. O grupo de pesquisa Epistemologia e Ciência Psicológica atua no projeto Investigação e Intervenção Junto à Rede de Atenção às Vítimas de Violência Sexual do Estado de Alagoas, que tem como um dos focos desenvolver oficinas de prevenção com profissionais da educação, crianças, adolescentes e suas famílias.
“Acreditamos que é por meio dessas oficinas que conseguiremos informar, sensibilizar e potencializar esse público. O uso de materiais lúdicos, como vídeos, cartilhas e livros infantis, foram percebidos como instrumentos importantes na realização das oficinas com todos os públicos”, destacou Paula Miura.
É também por meio da educação que a professora Elvira acredita que possa existir uma mudança nas próximas gerações. “É imprescindível uma educação para além da lógica patriarcal-capitalista, racista; desprovida de normas fixas de gênero e que a diversidade - cultural, sexual, religiosa - seja respeitada e valorizada”, afirmou.
Por mais proteção em todos os ambientes
Debater o assunto em casa e na escola é uma proposta para defesa. Mas o grupo coordenado pela professora Paula também atua na investigação e na intervenção junto à Rede de Atenção às Vítimas de Violência Sexual do Estado de Alagoas (Ravvs).
O trabalho é feito em parceria com a Sociedade de Educação Tiradentes (Unit-Maceió), Universidade de São Paulo (Escola de Artes, Ciências e Humanidades; Escola de Enfermagem e Instituto de Psicologia), Universidade de Coimbra e Serviço de Violência Familiar do Centro Hospitalar Sobral Cid de Coimbra.
Além das oficinas nas escolas, os pesquisadores realizam levantamentos de necessidades com os profissionais da Ravvs e criaram o Observatório de Violência contra a Criança e o Adolescente em Alagoas. O grupo identificou 320 equipamentos públicos em funcionamento que lidam diretamente com crianças e adolescentes em Maceió, mas há pouca articulação e trabalho em rede.
“Na área da educação há pouca ação com foco na criança; e na área da assistência social observou-se que as configurações espaço-territoriais e de temporalidade interferem diretamente nas formas como as violências e violações dos direitos das crianças irão aparecer nos contextos estudados”, observou Miura.
Há mais informações sobre o trabalho nas redes sociais do Observatório com o intuito de potencializar o enfrentamento da violência no Estado. Mas a professora Paula ainda deixa uma dica de livro infantil para trabalhar a temática com as crianças: O Segredo de Tartanina (SILVA; SOMA; WATARAI, 2011).
O livro aborda a violência sexual de forma lúdica e interativa, mostrando o sofrimento da protagonista, uma tartaruga, por ter que carregar o segredo do abuso. A obra voltada para o público infantil possibilita a discussão acerca dos sinais e sintomas de crianças que estão vivenciando esse tipo de violência, e aponta caminhos de como enfrentar.
“As diversas redes de apoio que a criança pode ter - seja da família, da escola, dos serviços de saúde, dos serviços de assistência social - são as principais redes de proteção e prevenção para esse público. O livro também aponta que a confiança da criança em alguém é um fator fundamental nesse processo de enfrentamento da violência”, destacou.