Pesquisadores estudam relação entre microbiota intestinal e a epilepsia
Resultados foram publicados numa importante revista de neurobiologia e podem fornecer um novo caminho para prevenir e tratar a epilepsia adquirida
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O que o equilíbrio intestinal de uma pessoa tem a ver com o processo de crises epiléticas é o que pesquisadores da Ufal têm dedicado estudos para entender. Os resultados de uma dessas pesquisas foram publicados recentemente na renomada revista internacional Molecular Neurobiology, com alto impacto científico.
O artigo teve participação de pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Epilepsia Clínica e Experimental (GPECE), liderado pelo professor Daniel Gitaí, e do Grupo de Pesquisa em Genética e Microbiologia Aplicada, liderado pela professora Melissa Landell, ambos do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS). O trabalho também contou com a parceria de pesquisadores do Instituto de Química e Biotecnologia (IQB) da Ufal, da Universidade Federal do Ceará (UFC), e do Institute for Regenerative Medicine, da Texas A&M University.
As pesquisas realizadas pelo grupo do professor Daniel são voltadas para o tema epilepsia e as da professora Melissa são sobre microbioma. Eles, então, juntaram suas respectivas áreas para estudar a possível participação da microbiota intestinal no processo de epileptogênese, ou seja, na origem de crises epiléticas. Eles usaram uma abordagem específica para fazer os testes em ratos e obtiveram resultados importantes.
“Nossos dados revelaram uma correlação entre disbacteriose [desequilíbrio das bactérias boas do intestino] em animais epilépticos e metabólitos fecais que são conhecidos por serem relevantes para a manutenção da atividade cerebral epilética, aumentando a inflamação crônica, um desequilíbrio excitatório-inibitório e/ou um distúrbio metabólico”, explicou Melissa.
Para entender melhor como eles analisam essa relação entre as áreas, é preciso saber que a microbiota tem um papel relevante na transmissão de sinais químicos para o cérebro e muitos deles são moléculas que contribuem para o bom funcionamento do órgão. Melissa explica que elas são secretadas ou modificadas por bactérias do Trato Gastrointestinal (TGI) e, portanto, quando há o desequilíbrio das bactérias pode causar ou agravar doenças neuropsiquiátricas, como autismo, esclerose múltipla, doença de Parkinson, doença de Alzheimer e depressão.
“A hipótese vigente é que alterações na microbiota intestinal afetem significativamente a composição de metabólitos [metaboloma] presentes no organismo, e que interferem no funcionamento do cérebro”, reforçou.
A influência dos microrganismos do intestino
Epilepsia é uma condição neurológica que tem como principal característica a ocorrência de crises espontâneas e repetidas devido a uma atividade neuronal excessiva. O distúrbio afeta mais de 60 milhões de pessoas em todo o mundo e é apontado como a condição cerebral mais devastadora existente.
Na epilepsia do lobo temporal mesial (mTLE), a mais comum na população adulta, o estabelecimento e a manutenção das crises dependem de predisposição genética combinada com insultos epileptogênicos, como Status Epilepticus (SE), convulsões febris, traumatismo craniano ou neoplasias. Os pesquisadores explicam que o SE, desencadeia mudanças progressivas no cérebro, chamadas epileptogênese, que influenciam tanto em alterações estruturais quanto funcionais no sistema nervoso central. Com isso, o cérebro normal é convertido em cérebro epileptogênico.
O que ainda é incerto, segundo os pesquisadores, é a forma como esses insultos contribuem para o estabelecimento de circuitos cerebrais capazes de gerar crises epilépticas recorrentes.
É aí onde entram os estudos realizados pela Ufal, partindo do princípio que a microbiota intestinal e metabólitos-dependentes de bactérias influenciam na manutenção de uma atividade epiléptica. De acordo com Melissa, essa hipótese é pouco explorada, visto que as alterações na microbiota intestinal entre indivíduos epilépticos versus indivíduos saudáveis ainda não são compreendidas.
Análise e resultados
No modelo animal definido pelos pesquisadores, eles usaram uma abordagem multiômica, ou seja, integrando diferentes métodos e técnicas para avaliar alterações moleculares e químicas. O foco foi a análise da composição do bacterioma intestinal e o perfil metabolômico fecal em ratos antes e após serem submetidos à epilepsia do lobo temporal (ELT) induzida pelo estado de mal epiléptico (SE).
O sequenciamento do RNA ribossômico 16S (rRNA) de amostras fecais, que é a metodologia mais utilizada para as análises de microbioma, junto com a análise bioinformática revelou alterações de características, composição e funções nos ratos epilépticos.
“Nossos achados são um pontapé inicial para compreender como os grupos bacterianos e seus metabólitos encontrados de forma diferencial em animais epiléticos estão associados à manutenção e à progressão das crises epilépticas”, destacou a professora Melissa.
O estudo mostrou que ratos epiléticos apresentaram menos concentração de glicose e ácido láctico e maior concentração de ácido glutâmico, diretamente ligado ao metabolismo de carboidratos, além de glicina, também encontrada em altas dosagens. A glicina é um aminoácido que desempenha funções fundamentais no sistema nervoso central.
“Esses dados são promissores e sugerem que o direcionamento da microbiota intestinal pode fornecer um novo caminho para prevenir e tratar a epilepsia adquirida. No entanto, a relação causal entre esses componentes microbianos/metabólitos e a ocorrência de crises epilépticas ainda precisa ser melhor explorada”, concluiram os pesquisadores.
Os resultados desse trabalho fizeram parte da dissertação de mestrado da discente Maria Eduarda Tenório Oliveira, sob orientação dos professores Daniel Gitaí e Melissa Landel.