Pesquisadores da Medicina traçam perfil de doença genética cerebral em AL
Grupo constatou que no estado alagoano há uma prevalência de ataxias espinocerebelares (AEC) em dois para cada cem mil habitantes
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Uma pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas (Famed/Ufal) constatou que no estado alagoano há uma prevalência de Ataxias Espinocerebelares (AEC) em dois para cada cem mil habitantes. As AEC formam um grupo de doenças genéticas nas quais há comprometimento progressivo do cerebelo, órgão responsável pela coordenação dos movimentos, além de outras estruturas do sistema nervoso.
Segundo a professora Lívia Gitaí, médica neurologista e docente da Faculdade de Medicina da Ufal, embora as manifestações clínicas mais comuns refiram-se à incoordenação, os indivíduos acometidos também podem apresentar várias outras manifestações motoras, déficits sensitivos, déficits visuais e epilepsia. “Esse quadro clínico inicia de forma leve e progride inexoravelmente até a incapacidade para falar, deglutir, usar as mãos e andar”, alerta.
A pesquisa foi feita no Ambulatório de Ensino em Neurologia do Hospital Universitário da Ufal, e as avaliações moleculares pelo Laboratório de Neurogenética da Universidade de São Paulo (USP). A professora Lívia destaca a relevância do estudo: “pessoas com AEC estão presentes de forma significativa no nosso estado, com prevalência mínima semelhante à prevalência média mundial”, afirma.
Segundo estimativa dos pesquisadores, há cerca de 150 descendentes de pessoas com AEC sob risco de vir a desenvolver a doença. “As AEC são consideradas doenças raras com prevalência mundial média de 2,7 casos a cada 100.000 indivíduos. Dentre os mais de 40 tipos de AEC já identificados no mundo, o mais comum é a AEC do tipo 3 (AEC3), também conhecida como doença de Machado Joseph (DMJ), seguida pela AEC2, a AEC6, a AEC1 e a AEC7. A visão epidemiológica das AEC, entretanto, precisa considerar a distribuição geográfica. Nas Américas, por exemplo, a AEC2 é o tipo de AEC mais prevalente em Cuba e no México, enquanto a AEC7 é o tipo mais frequente na Venezuela e a AEC3 é o tipo mais frequente no Brasil. Em Alagoas, encontramos maior frequência de AEC3, seguida de SCA7, SCA1 e SCA2. Além disso, observamos que apenas 42% dos pacientes estavam em algum tipo de programa de reabilitação”, destaca a pesquisadora.
A pesquisa conseguiu, assim, colocar Alagoas no mapa mundial das AEC. “Mostrar que essas pessoas existem e que carecem de um programa de assistência interdisciplinar foi nosso objetivo. Além disso, com a perspectiva de desenvolvimento de terapias genéticas, tem se estabelecido um movimento mundial no sentido de estabelecer redes de colaboração objetivando construir um mapeamento mais preciso das AEC. Em Alagoas, não havia nenhum dado sobre a frequência das AEC, o que invisibilizava essas pessoas para as políticas públicas de assistência à saúde e para as comunidades científicas nacionais e internacionais”, diz.
Gitaí lembra ainda que este é um estudo inédito e muito relevante por dar visibilidade a um problema até então não relatado em Alagoas e que usou uma metodologia adaptável para locais de poucos recursos. Quem participou da pesquisa e foi identificado no grupo das AEC, foi contatado pelos pesquisadores para avaliação ambulatorial no HU ou em rede privada.
“Coletamos amostras de sangue que foram inicialmente processadas para extração de DNA pela equipe do médico e professor Daniel Gitaí, do Laboratório de Biologia Celular e Molecular do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde da Ufal (LBCM-ICBS) e que, em seguida, foram enviadas para diagnóstico molecular na FMRP-USP”, informa a professora.
A equipe foi composta pela professora Lívia Gitaí, pela neurologista e aluna de mestrado, Débora Vilar; por dois alunos de iniciação científica da Famed: Everton Silva e Tácio Coradine; pelos neurologistas e professores da FMRP, Wilson Marques-Jr e Vitor Tumas; e pelo professor da Ufal e responsável pelo LBCM-ICBS, Daniel Gitaí.
“É importante enfatizar que cada etapa da pesquisa se tornou possível pelo esforço e disponibilidade de cada membro da equipe, uma vez que não teve fontes de financiamento. Por outro lado, há limites para uma pesquisa desenvolvida sem financiamento. A ausência de participação das redes de atenção primária, por exemplo, é uma limitação para estabelecermos conclusões mais amplas sobre a prevalência das AEC no estado de Alagoas. Ainda não conseguimos detectar, por exemplo, nenhuma pessoa com AEC residente na região do sertão alagoano”, lembra a pesquisadora.
A ideia agora é alertar e sensibilizar as autoridades dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de Alagoas para viabilizarem programas de prevenção, diagnóstico e de assistência integral a essas pessoas e a seus familiares, em uma colaboração entre a Ufal e autoridades de administração pública em saúde. “Queremos consolidar o Ambulatório de Ensino em Neurologia do HU como um polo de referência em doenças neurológicas raras, além de equipar o LBCM-ICBS-Ufal para a realização do diagnóstico molecular das principais AEC e de outras doenças raras”, pontua.