Há 30 anos, professor da Ufal já defendia teste molecular para detectar HPV

Pesquisa liderada por Eduardo Ramalho faz uso do PCR para diagnosticar e mapear tipos de HPV; ele afirma que, na região Nordeste, apenas a Ufal realiza todas as etapas do exame

Por Thâmara Gonzaga - jornalista
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Professor Eduardo Ramalho em seu Laboratório de Genética Molecular
Professor Eduardo Ramalho em seu Laboratório de Genética Molecular

Há cerca de 30 anos, o professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Eduardo Ramalho, falava e apresentava evidências sobre a maior efetividade do teste molecular de DNA para detectar, com antecedência, a presença e o tipo do vírus HPV (Papilomavírus humano), infecção sexualmente transmissível mais comum no mundo e fortemente associada ao desenvolvimento de câncer do colo do útero, conforme informações do Ministério da Saúde.

Em razão de seus estudos, foi chamado de “maluco” e, por algumas vezes, “convidado” a se retirar de eventos científicos. Apesar das contrariedades de colegas cientistas e de profissionais médicos, ele seguiu acreditando na pertinência de suas pesquisas e persistiu no tema, publicando artigos e orientando estudantes de mestrado e de doutorado.

O tempo passou e, em março deste ano, o Sistema Único de Saúde (SUS) anunciou que substituirá, gradualmente, o atual exame de papanicolau, realizado como preventivo, pelo teste que há décadas já era defendido por Ramalho. Eu andei o mundo todo nos congressos internacionais pregando isso, falando sobre isso. E por incrível que pareça, lá fora a aceitação foi muito maior do que aqui dentro. Aqui no Brasil, eu já fui expulso de congressos de obstetrícia e ginecologia. O que é que esse cara está fazendo aqui com esse negócio dos testes de DNA? Esse cara é um ‘doido’, é um ‘doido’ da Ufal”, recordou o pesquisador.

Ramalho conta que não pode afirmar que suas publicações possam ter embasado a mudança de procedimento adotada no SUS e informa também que não prestou nenhum tipo de consultoria ao Ministério da Saúde sobre o assunto, mas ele faz questão de ressaltar a vanguarda dos estudos realizados na Ufal há cerca três décadas e que contribuíram para esse avanço no cuidado da saúde da mulher.

“Na verdade, a origem de todo esse trabalho foi aqui na Ufal”, enfatizou o pesquisador ao mostrar a cópia de um artigo submetido em 2002 a uma revista científica internacional e publicado em 2005. Ao relembrar a sua trajetória científica, ele destaca que seu desejo nunca foi obter reconhecimento, por isso relevou os tantos insultos que ouviu e seguiu adiante nas pesquisas. O que sempre desejou, afirma, foi contribuir para a redução de mortes ocasionadas pela doença.

“A cada 80 minutos, uma mulher morre de câncer de colo do útero. Essa doença é uma tristeza e eu fiquei com muita vontade de fazer alguma coisa para diminuir. Praticamente, eu gastei a minha vida na Ufal com essa história. Eu já estava cansado quando, de repente, depois de 30 anos, olhei essa notícia e fiquei muito alegre. Para confessar a vocês, eu fiquei sem dormir até tarde”, contou.

A primeira amostra

Era por volta da década de 1990. Diante de um laboratório montado com o que tinha de mais moderno para realizar análises na área de genética molecular, professor Ramalho começou a se indagar em que poderia trabalhar, além da identificação de fungos e bactérias que já realizava no Laboratório de Genética Molecular, localizado no Campus de Engenharias e Ciências Agrárias (Ceca) da Ufal. Era o espírito crítico e inovativo que movia o cientista, sempre atrás de descobertas.

“A minha área é a biotecnologia. E a biotecnologia é universal. Eu tinha as máquinas para realizar o PCR e fiquei imaginando quais eram os problemas que eu poderia resolver com elas. A reação utilizada no PCR multiplica o material genético de qualquer organismo. É uma técnica muito poderosa, muito informativa, e que pode resolver grandes problemas, tal como tem resolvido ultimamente”, explicou.

Os exames de PCR são bastante utilizados para investigar a existência de infecções por vírus ou bactérias. Seu uso ficou muito conhecido durante a pandemia de covid-19, quando se recolhiam amostras na região das vias respiratórias para detectar a presença de material genético do coronavírus Sars-Cov-2.

Ainda nos anos 1990, durante conversa com uma médica ginecologista do Hospital Universitário (HU) da Ufal que atuava na área de patologia cervical, ele a questionou sobre a possibilidade de doação de amostras para extrair o DNA e recebeu uma escova utilizada durante o procedimento do exame de papanicolau. E foi aí que tudo começou.

“Ela colocou a escovinha em um tubinho de plástico que tinha uma solução que a gente desenvolveu aqui na Ufal. A partir daí, começamos a usar como fonte de extração do DNA viral”, contou. O primeiro teste não deu certo. Após ajustes no procedimento, o pesquisador conseguiu identificar na amostra, entre outras coisas, a presença do vírus HPV. Do teste inicial e pelas décadas seguintes, o professor informa que chegou a analisar mais de 5 mil amostras de mulheres de todos os estados da região Nordeste do Brasil.

“Passamos a aproveitar o próprio material que é feito para o papanicolau. Neste exame, o profissional da área médica introduz a escova cervical, dá um giro, pega aquela amostra e passa numa lâmina de microscópio. Tudo que a gente precisa é só da escovinha e colocar numa solução que já extrai o DNA. Depois, é só fazer a reação do PCR, que pode ser positiva ou negativa. E a gente vai adiante de qualquer teste: além de detectar a presença ou não do vírus, ainda identificamos qual é o tipo do vírus, porque são mais de 200 tipos”, esmiúça o pesquisador.

 Ao detalhar o procedimento, ele ainda ressalta que, no Nordeste, apenas a Ufal realiza esse tipo de exame em todas as suas etapas. “Só a Ufal faz o teste completo: pegar a amostra, extrair o DNA, fazer o PCR e identificar o vírus entre os 200 tipos existentes. Geralmente, solicitam e mandam para o Sul. E nós fazemos todas as etapas aqui”, informa.

Importância do exame

O câncer de colo do útero é o terceiro de maior incidência entre as mulheres, conforme o Instituto Nacional de Câncer (Inca). O uso do teste molecular de DNA para detectar o vírus HPV, destaca o professor, representa um grande avanço para o tratamento precoce da doença.

“O papanicolau é um teste citológico e ele só diz que a paciente está infectada pelo vírus depois que já começa o processo carcinogênico, ou seja, quando ela já tem alguma lesão. Já o teste do PCR identifica a presença do HPV antes de possíveis alterações, mesmo sem nenhum sintoma apresentado pela mulher. Se ela teve relação sexual hoje e teve contato com o vírus do HPV, amanhã, o teste PCR já consegue identificar. Não é uma maravilha?”, expõe o pesquisador.

Conforme Ramalho, os tipos de HPV são identificados por números e os 16, 18, 31 e 33 são alguns dos considerados de mais alto risco oncogênico. Com o novo teste preventivo, que permite a identificação do tipo viral, o professor acredita que o profissional da saúde terá mais condições de decidir qual a melhor conduta com mais antecedência.

“No Brasil, de cada quatro mulheres, uma porta o vírus HPV. E aqui na nossa região, no Nordeste, é uma em cada três. As estatísticas são devastadoras. Somente o fato de ter a certeza de que o vírus que está tratando é aquele e não outro, já é um grande avanço no tratamento”, afirma.

E acrescenta: “Não será mais como antes, quando só se sabia que está positivo, mas não sabia qual era o vírus. O fato de saber qual é o tipo de vírus vai ajudar muito ao profissional de saúde para acompanhar aquela mulher de perto, para ver se a lesão vai progredir ou não, que tipo de providências adotar ou que tipo de terapia aplicar, para que a mulher não corra o risco de, por exemplo, chegar a uma lesão precursora”.

O professor alerta que, além do câncer do colo do útero, o HPV também pode causar câncer de pênis, ânus, boca e garganta. “O câncer de pênis pode resultar em amputação do órgão e é importante informar que são milhares de amputações por ano”, avisa ao chamar atenção sobre a necessidade de o homem também ter cuidado em relação ao vírus.

Ramalho diz que, quando começou a defender a eficácia de se adotar o exame molecular para rastrear o HPV, ouviu que era muito caro, custoso, de que não tinha resultado e exigia muito trabalho a ser feito para poder chegar ao final. “O preço baixou muito e, agora, não passa de R$ 300. Na época, cada exame poderia custar entre R$ 1.600 e 1.800. E eu dizia: ‘Caro mesmo é a paciente terminal de câncer que custa R$ 30 mil por dia’”, conta.

Ao relembrar os embates e as contrariedades que enfrentou, para o professor da Ufal, a notícia da incorporação do teste pelo SUS trouxe a sensação de que valeu a pena persistir na pesquisa que, agora, beneficiará mulheres de todo o Brasil. “Foi uma maravilha essa notícia, comemorei bastante. Eu aguardo uma redução drástica de mortes, porque a mulher vai ser acompanhada de uma forma que nunca foi. Meu sonho é acabar com o câncer de colo do útero no Brasil”, enfatizou.

Para saber mais detalhes sobre as pesquisas de mapeamento do HPV lideradas pelo professor Eduardo Ramalho, ouça a entrevista com o pesquisador na Rádio Ufal.