Neabi destaca importância da luta contra o racismo do historiador Edson Moreira
O alagoano, pela trajetória de vida e legado, é considerado um personagem importante da luta antirracista
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"Ele foi um exímio historiador, educador, guardião da memória e expressivo lutador contra o racismo. Sua trajetória de vida, como professor e ativista negro, inscreve-se como patrimônio da memória coletiva, da resistência cultural e da afirmação da dignidade do povo afro-indígena alagoano. Edson Moreira é um personagem importante da luta negra em Alagoas e no Brasil”, destacou a professora Rosa Lúcia Correia, vice-coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi) do Campus A.C.Simões da Ufal. Falecido no dia 2 deste mês, toda trajetória de vida do professor Edson Moreira foi de um ativista com inegável colaboração para a causa, tornando-se uma das grandes referências na luta antirracista.
Edson Moreira, além de participar das campanhas pelo tombamento da Serra da Barriga, pela criação do 20 de novembro como Dia da Consciência Negra em Alagoas, pela inclusão de Zumbi dos Palmares no panteão dos heróis nacionais, ele também ergueu em sua casa, no bairro do Farol, um lugar de memória para artefatos diversos da cultura negra: Casa-Museu Quilombo Real. “Ele catalogou e salvaguardou documentos, obras de arte, utensílios, ferramentas, artefatos gerais relacionados à vida de figuras negras importantes para nossa história, como Tia Marcelina e Mestre Zumba, além de outros objetos que são registros da vida privada e pública em Alagoas nas épocas da colônia, império e república”, afirma Rosa Lúcia, que é doutora em Sociologia e Antropologia. Ela pertence ao corpo docente do curso de Relações Públicas, uma das graduações do Instituto de Ciências Humanas Comunicação e Arte (Ichca), unidade acadêmica do Campus A.C.Simões.
Ao destacar a trajetória do professor, Rosa Lúcia enfatiza que Edson Moreira instituiu dois marcos da memória e da luta negra que fazem parte da paisagem e da história alagoana: o primeiro, de 1983, é uma estátua no topo da Serra da Barriga, uma escultura, de três metros de altura feita em pedra granito por José Faustino da Costa, de Zumbi dos Palmares e uma criança, simbolizando o maior líder quilombola brasileiro e o nascimento de um novo tempo. O segundo marco é a Praça Ganga Zumba, no bairro de Cruz das Almas, de frente para o Oceano Atlântico – de onde vieram tantos escravizados africanos para o Brasil – onde se ergue imponente a imagem desse líder palmarino que dá nome ao lugar. Uma escultura em granito, um homem negro segurando uma lança, uma pomba em cada mão, simbolizando a paz e a liberdade conquistada pela luta quilombola.
"Edson Moreira não foi professor dos quadros universitários, mas foi mestre em sentido pleno. Seu magistério nasceu no movimento, na filosofia da capoeira, na pedagogia da ginga e na memória coletiva. Foi um dos pioneiros em práticas que mais tarde viriam a se consolidar na universidade e nas escolas: realizava letramento racial, muito antes de o termo existir, e promovia o reconhecimento da história e da cultura negra como instrumentos de consciência política e social, conectando assim a educação formal à história e à cidadania do povo negro. E complementa dizendo que o historiador e ativista “estava sempre à porta”, pronto para receber, contar histórias e transmitir saberes. Seu lar não era apenas espaço de exposição de elementos da cultura negra e indígena, mas também escola, acolhimento e trincheira de luta. “Ali, a memória se fazia viva, o amor pela educação se tornava resistência e a história do povo negro se afirmava como patrimônio, legado e direito”, enfatizam a vice-coordenadora do Neabi e a graduada em Ciências Sociais. Sandra Hortêncio Santos Cordeiro, que desenvolveu estudo sobre toda trajetória de vida de Edson Moreira.
Coragem, militância e afeto
A importância da militância política e social de Edson Moreira, que se expressou em atos de coragem e simbolismo, também foi pontuada pelas pesquisadoras . “Ao lado do político e ativista Abdias do Nascimento, ele subiu a Serra da Barriga e entregou ao papa um Cristo negro, gesto carregado de significado político e espiritual, que reafirmou a centralidade da negritude na fé, na cultura e na história. Fez da capoeira território de liberdade, da memória espaço de resistência e da palavra instrumento de justiça. Acima de tudo, Edson Moreira foi também referência de ternura, coragem e dignidade. Sua grandeza não se limitava às ideias ou gestos públicos; estava na capacidade de transformar vida, memória e afeto em ensinamento permanente”.
E quando Rosa Lúcia e Sandra Hortêncio reafirmam, por exemplo, sofre a referência de tudo que representou professor e ativista, acrescentam: “Edson Moreira compreendeu, muito à frente de seu tempo, que o afeto e o acolhimento são também instrumentos de resistência. Sua casa e sua dedicação às pessoas que buscavam conhecimento e pertencimento demonstravam que um lar, uma família e o direito ao afeto são direitos fundamentais da população negra, historicamente violada pelo racismo. Cada gesto, cada ato de cuidado e cada narrativa compartilhada eram também afirmações políticas e éticas: ensinar, acolher e proteger eram formas de luta”.
Escrever sobre o historiador alagoano, assim como descrevê-lo, consistem numa homenagem prestada tanto pelo Neabi da Ufal, como pela ex-aluna do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da instituição alagoana, Sandra Hortêncio que realizou detalhada pesquisa sobre ele. Um reconhecimento, enfatizam, a sua singular importância e reverenciando sua vida como uma convocação à preservação da memória, à valorização da educação como instrumento de libertação, resistência e luta pela justiça racial.
“Edson Moreira permanecerá vivo na memória, no legado e na esperança de todos aqueles que acreditam que um país justo se constrói com conhecimento, memória e dignidade para todos. Seu corpo, sua voz e sua casa se fizeram história, e sua vida seguirá sendo elo fundamental da luta do povo negro em Alagoas e no Brasil”, afirmam Rosa Lúcia e Sandra Hortêncio dos Santos Cordeiro.