“Eu sou, sobretudo, um nordestino”

Em entrevista, Ariano Suassuna explica por que Pernambuco desenvolveu uma relação tão intensa com a arte popular, destaca a produção do folclore alagoano e reconhece a existência de uma unidade cultural entre os estados do Nordeste.


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gazeta - No dia 10 de junho o senhor recebeu o título de doutor honoris causa da Univer­sidade Federal do Ceará (UFC). Em 2000, já havia recebido da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Ago­ra, foi aqui na Ufal. Para além da honraria em si, que signifi­cado, digamos, particular, esse título poderia ter?

ariano suassuna - Para mim, que fui professor a vida inteira - eu comecei a ensinar aos 17 anos e só parei (e eu não posso nem dizer que parei porque con­tinuo dando aula no Brasil in­teiro) oficialmente com 70 anos, com 33 de ensino universitário -, é a mais importante das hon­rarias. É a honraria universitária apresentada pelo título de dou­tor. Falando do Nordeste, a Uni­versidade Federal de Alagoas era a última. Eu recebi de todas as. outras. Eu sou um brasileiro, or­gulhoso do meu País e do meu povo, mas eu sou, sobretudo, um nordestino.

 

Alagoas e Pernambuco sepa­raram-se geográfica e politica­mente, mas parecem guardar ainda mutto em comum - es­pecialmente no meio rural. Es­sa 'sensação' de semelhança procede?

Procede. E eu vou levar até além. Não é só Alagoas e Pernambu­co não. Todos os estados do Nor­deste têm uma unidade muito grande. A Bahia eu não consi­dero. Da Bahia eu faria uma exceção para o sertão, porque o sertão tem uma unidade cultu­ral muito grande. Inclusive, o se­guinte: o sertão baiano parece mais com o sertão da Paraíba do que o sertão da Paraíba com a capital ou com a zona da mata. O Nordeste, de um modo geral, tem uma unidade muito grande. Eu sou um entusiasta do Piauí. Bastaria aquele património ru­pestre maravilhoso que ele tem. A caatinga do Piauí é a mais ri­ca do Nordeste. O próprio esta­do, para mim, que sou sertane­jo, tem uma diferença entre to­dos os outros. É que todos os ou­tros nasceram do mar para o ser­tão e o Piauí foi o único que não. Ele não tinha nem saída para o mar, aquele pedacinho de litoral foi negociado com o Ceará. Es­sa identidade eu sinto muito as­sim. Eu vou ser franco. Eu tenho percorrido o Brasil do Amazonas ao Rio Grande do Sul, do Nordes­te ao Goiás e o que me impres­siona no Brasil é a unidade. Uni­dade na diversidade. É impressi­onante, é o mesmo povo.

 

Na sua opinião, por que o per­nambucano desenvolveu uma relação tão intensa com as manifestações populares da sua terra?

Eu acho que por causa da pró­pria formação. Fatores económi­cos, políticos, sociais e culturais contribuíram para isso. Do pon­to de vista mais longínquo, vo­cê pega desde o regime das capi­tanias hereditárias. Pernambu­co foi uma das três que deram certo. No Nordeste, Pernambuco foi a única que deu certo. Olinda se tornou um centro político e cultural desde o século 16. Em torno dos colégios dos jesuítas de Olinda ali se encenou a pri­meira peça de que se tem notí­cia no Brasil: A História do Rico Avarento e Lázaro Pobre. No sé­culo 19, acontece emPerüambu1*, co um movimento importantís­simo chamado A Escola do Reci­fe, que de uma maneira nújitio significativa e muito iimportan-teparanós todos -jâque eu es­tou falando em unidade - foi li­derado por dois sergipanos: Tobias Barreto e Sílvio Homero. Es­se movimento foi mipqrtãntís-simo. Primeiro, deu tomo fruto o romance regionalísta do Cçará ainda no século 19, que é p pri­meiro grande movimento regionalista brasileiro. Todos os inte­grantes vieram da Escola do Re­cife. Depois daí vem o movimen­to regionalista sob a orientação geral de Gilberto Freyre. Então, veja, são movimentos que acon­teceram em Pernambuco e que representaram o Nordeste e o Brasil. A meu ver, esse é um dos motivos da presença de Pernambuco do ponto de vista cul­tural, inclusive porque os movi­mentos já valorizavam a cultura popular.

 

E podemos citar ainda o Movi­mento Armorial...

O Movimento Armoriai não foi criado pelo escritor, nem pelo dramaturgo, mas pelo cidadão brasileiro e professor. Eu, como cidadão brasileiro, eu me preo­cupo muito com a cultura brasi­leira e eu vi que a cultura brasi­leira estava sendo vulgarizada, corrompida e descaracterizada.

 

E Alagoas nessa história?

Aqui em Alagoas [a cultura po­pular] é muito forte, Alagoas tem um movimento de cultura do povo muito importante do ponto de vista do teatro, da mímica e da música. O reisado de Alagoas é uma coisa linda.

 

Já se disse que as culturais não são estanques e se manifestam no decorrer do tempo mediante uma dinâmi­ca própria, particular. Como o senhor avalia a situação atual da cultura popular no Nordeste e no Brasil?

A situação não é boa. O artista popular  não recebe a mesma consideração. Eu escrevo sobre arte popular, mas dão mais atenção a mim do que ao artista. Mesmo assim, eu acho que, ape­sar de tudo, hoje a situação é me­lhor do que no tempo em que era jovem. Eu vou lhe dar um exemplo só, um mais escanda­loso. Você acredita que o maracatu rural era roibido de desfilar no carnaval recifense? Hoje, já há até uma casa onde eles se reúnem. Ao menos estão dando um pouco mais de atenção e de respeito.

 

Lances da vida

 

» Ariano Villar Suassuna nasceu no dia 16 de junho de 1927, no Palácio da Redenção, na Paraíba - atual João Pessoa.

» Seu pai, João Urbano Pessoa de Vasconcellos Suassuna, foi governador da Paraíba e depois deputado federal, quando foi assassinado no centro da cidade do Rio de Janeiro.

» Em 1933, a família Suassuna voltou a morar no Nordeste -numa fazenda na cidade de Taperoá, no sertão da Paraíba.

» Após entrar para o internato do Colégio Americano Batista, no Recife, Ariano concluiu o então chamado curso clássico e começou o curso de Direito.

» Em 1947, escreveu sua primeira peça teatral, Uma Mulher Vestida de Sol, e ganhou o prémio Nicolau Carlos Magno. A partir daí, seu nome ganhou fama como dramaturgo.

» Auto da Compadecida foi escrito em 1955. Três anos depois, ele começou a escrever Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Votta, que só ficaria pronto 12 anos mais tarde.

» Após estudar Filosofia na Universidade Católica de Pernambuco, Ariano fundou, ao lado de Hermilo Borba Filho, o Teatro Popular do Nordeste.

» Ariano Suassuna foi um dos membros fundadores do Conselho Nacional de Cultura. Em 1970, ele lançou o Movimento Armorial.

 

* Matéria publicada no jornal Gazeta de Alagoas, em 29 de agosto, no Caderno B