“Não tenho poder político, mas tenho uma língua afiada”

Sempre firme na defesa de seus ideais, o autor de A Pedra do Reino diz que perdoou os assassinos de seu pai.


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gazeta - Além de uma pro­dução que abrange dramatur­gia, romance, poesia, música e ensaios, o senhor conquista aplausos por onde passa com as suas aulas-espetáculos e ain­da exerce um cargo público no governo de Pernambuco. Entre tantas atividades, quais delas o senhor considera a sua mais importante contribuição para o povo brasileiro e qual a que mais o realiza?

ariano suassuna - Eu vou responder a que mais me reali­za porque se eu responder a pri­meira eu estou me considerando um sujeito absolutamente indis­pensável (risos). Mas a mais im­portante para mim é a de escri­tor, não só dramaturgo. Eu escre­vo quatro géneros: ensaio, poe­sia, romance e teatro. A minha poesia é completamente desco­nhecida. Eu sou mais conhecido como dramaturgo por causa de Auto da Compadecida. As outras peças são quase desconhecidas como eu. Agora, sou um pouco mais conhecido como romancis­ta por causa de A Pedra do Rei­no. Como poeta, eu sou comple­tamente desconhecido. Mas eu considero a minha poesia a fon­te profunda de tudo. Agora, es­tou dedicando o pouco tempo que me resta a escrever um li­vro no qual estou pela primeira vez testando fundir minha poe­sia, meu teatro e meu ensaio.

 

Ele terá o desfecho de A Pedra do Reino?

Olha, às vezes eu digo que sim, mas não posso garantir (risos).

 

Há alguma previsão de lança­mento?

No primeiro semestre de 2011. Ele já está pronto, está sendo di­gitado. Eu escrevo à mão e eu mesmo ilustro.

 

Na dissertação O Brasil dos Es­pertos: uma Análise da Cons­trução Social de Ariano Suassuna como 'Criador e Criatura', o pesquisador Eduardo Dimitrov investiga o que ele chama de "uma certa memória que, no limite, é sua, mas é também partilhada por um código social particular: as brigas de fa­mília - e a vingança - no con­texto do Nordeste brasileiro". Hoje, do alto de seus 83 anos, como o senhor enxerga aque­le sistema, que afinal vitimou o seu pai?

Perdoar é uma coisa muito difí­cil, para quem leva as coisas a sério. Dizer isso sem hipocrisia não é fácil. Eu só conseguir dizer isso faz um ano ou menos. Eu ti­ve meu pai assassinado [pausa, Ariano se emociona]. Eu pensei o seguinte: eu acredito no infer­no, mas não acredito que o in­ferno seja absoluto e eterno por­que não existe pecado absolu­to. Eu acredito que até o demó­nio vai ser perdoado porque se ele não fosse o Cristo seria me­nos importante. A morte de Cris­to vai redimir até o demónio. Eu cheguei à conclusão de que eu posso dizer hoje sem hipocrisia: se os assassinos do meu pai es­tivessem hoje ou ontem ou em qualquer tempo no último lugar do Purgatório, que para mim é o Inferno, e Deus dissesse "Só de­pende de você para eles saírem", eles sairiam.

 

Num depoimento em vídeo, o senhor falou que "felicidade é torcer pelo Sport". Como o se­nhor avalia o fato de o futebol exercer uma presença tio mar­cante na vida e na cultura do povo brasileiro?

Não lembro de ter dito isso, mas sei que gosto muito de futebol. Às vezes eu tiro até uma brinca­deira, porque o pessoal diz que o futebol foi criado na Inglaterra. Eu não sei se você viu que na Paraíba, o meu estado, exis­te uma pedra chamada Pedra do Ingá e nela tem uma figura hu­mana. Ela é representada de la­do, como nos murais egípcios, e no meio há uma bola. Eu dis­se: "Olha aqui, ele está fazendo um gol de letra e ainda dizem que o futebol foi inventado na Inglaterra... Essa pedra aqui tem mais de dois mil anos" (risos). O povo brasileiro é fundamental­mente musical, dançarino e te­atral e o futebol tem muito de dança. Garrincha jogava como a gente dançava. Era com ale­gria. Eu tenho impressão que é isso, através desta aproximação do futebol com a dança.

 

Recentemente o senhor este­ve com o presidente Lula e a candidata à Presidência Mima Rousseff num evento de cam­panha em Caranhuns, terra na­tal de Lula, aliás. Como o se­nhor avalia seus oito anos de governo?

O maior avanço político no Bra­sil ocorreu nos oito anos do governo Lula. Você não sabe a hu­milhação que eu sentia pela dí­vida do Brasil ao FMI. Olha, o presidente brasileiro não tinha condições de escolher um minis­tro que não fosse aprovado pe­lo FMI. O FMI tinha o direito de vetar. Agora, o Brasil pagou a dívida e o FMI está devendo à gente. E Lula disse: "Já pensou que coisa chique, o FMI está de­vendo ao Brasil". Foi para o po­vo brasileiro recuperar a autoestima. Lula baixou o número de pessoas que viviam na miséria. Ele baixou de 34% para 18%. Ele, Lula. E o percentual deve estar mais baixo ainda porque esses dados são do ano passado. Eu morria de vergonha do governo Fernando Henrique. Bastava dar um chapéu de doutor para ele entregar tudo. Eu votei no Lula em todas as vezes e não me arre­pendo. Escrevi, falei em comido, fiz o diabo, o que eu posso fazer eu faço. Eu não tenho poder po­lítico, nem econômico, nem ne­nhum outro, mas tenho uma lín­gua afiada que só a peste, e ela está a serviço do meu país.

 

“Eu não entenderia a vida sem ler e sem escrever”

Na última parte da entrevista, Ariano Suassuna avalia as principais adaptações de suas obras e reafirma sua relação orgânica com a arte literária.

 

gazeta - Entre as diversas adaptações teatrais, televisi­vas e cinematográficas de suas obras que o senhor teve opor­tunidade de assistir, quais de­las destacaria e por quê?

ariano suassuna - Cada ar­te tem o seu processo particular. Agora, no que se refere a mim, eu tive muita sorte. O primei­ro trabalho que eu tive adapta­do para a televisão foi Uma Mu­lher Vestida de Sol e foi muito boa a adaptação de Luiz Fernan­do Carvalho, maravilhosa, mui­to bem feita. Depois, ele próprio fez uma adaptação de Farsa da Boa Preguiça, que é minha adaptação predileta. Se bem que, de hoje, disparado, na pre­ferência do público é O Auto da Compadecida. Não tem nada que se compare. Mas a minha peça predileta é Farsa da Boa Pregui­ça. E ele fez uma adaptação mui­to boa para a televisão. A terceira foi Auto da Compadecida, que já tinha sido adaptada duas ve­zes para o cinema. Primeiro foi com George Jonas, que fez uma adaptação com Armando Bogus, António Fagundes e Regina Du­arte nos papéis principais e fi­cou muito bom. Depois, Auto da Compadecida foi adaptado por Roberto Farias e Os Trapalhões. Agora, a adaptação do Guel Arraes realmente foi a melhor de to­das. Inclusive, alguns atores en­cheram as medidas. Por exem­plo, Lima Duarte, eu já espera­va que fizesse bem como ele fez. Mas o Rogério Cardoso - que já morreu, infelizmente -, que fez o padre, eu tive um medo danado quando o Guel me disse que era ele, porque eu só o tinha visto nsses programas cômicos da televisão. Mas ele fez um padre extraordinário. O cangaceiro foi o melhor que eu vi em toda a história do Auto da Compadecida, com o Marco Nanini, extraordinário. Agora, recentemente, Luiz Fernando fez A Pedra do Reino, mas eu sabia que não seria um segundo O Auto da Compadecida, porque é uma obra muito mais complexa, misteriosa, é surreal, tem uma presença enorme do fantástico. Nem como livro, como romance. Ela é lida por pouca gente. É um livro enorme, ninguém lê mais um livro daquele tamanho. No tempo em que eu dava aula em Letras, os alunos chamavam de "O Tijolo do Reino" (risos).

 

O senhor Já afirmou que a li­teratura é uma forma de pro­testar contra a morte. Poderiamos então dizer que ela o ajudou a envelhecer? Ou ela o ajudou a permanecer jovem?

Ela ajuda a viver. Desde o começo... Eu não entenderia a vida sem ler e sem escrever. Eu gosto de escrever, gosto de ler e eu tenho a paixão pela vida. E ter a paixão pela vida, no caso, se identifica com a paixão pela lei­tura. Eu não faço distinção entre uma coisa e outra.

 

O Auto da Compadecida e Os Trapalhões

 

"Auto da Compadecida foi adaptado por Roberto Farias e Os Trapalhões. Eu até tirei uma brincadeira com ele porque ele me telefonou e disse: 'Ariano, eu tenho uma noticia ótima para você. Eu consegui que Os Trapalhões façam o filme'. Aí eu disse: 'Rapaz, quem tem um , amigo como você não precisa de inimigo não' (risos). Mas eu estou dizendo isso porque eu tinha medo da caricatura. Eu disse: 'Eu estou com medo que cada um deles vá fazer o per­sonagem que fazem na televi­são ao invés de fazer João Grilo e Chicó'. Ele disse: 'Não, eu já pensei sobre isso, eu não vou usar o Mussum'. f ai, eu falei: 'Pois é de quem eu tenho menos medo porque ele vai fazer o Cristo e não vai poder fazer 'Mussum'. Eu tenho medo é de Renato Aragão, porque o per­sonagem é próximo e eu temo que ele falsifique'. Mas não, eles se importaram com a histó­ria. Eles tiveram dificuldade por­que eles não eram propriamen­te atares, eles eram mímicos. Mas eles decoraram os papéis direitinho e fizeram direitinho. A versão ficou muito bonita. In­clusive, o Roberto Farias teve a atenção comigo de colocar a música do meu amigo Antônio Madureira, que é o compositor do Movimento Armorial. Eu fi­quei muito feliz com isso".

 

Produções de Suassuna

 

Teatro

» Uma Mulher Vestida de Sol” (l947)

» Cantam as Harpas de Sião (ou O Desertor de Princesa) (1948)

» Os Homens de Barro (1949)

» Auto de João da Cruz (195O)

 » Torturas dê um Coração (1951)

» O Arco Desolado (1952)

» O Castigo da Soberba (1953)

 » Auto da Compadecida (1955)

» O Desertor de Princesa (1958)

» O Casamento Suspeitoso (1957)

» O 5onfo e a Porra, Imitação Nordestina de Plauto (1957)

» O Homem da Vaca e o Poder da Fortuna (195B)

» A Pena e a Lei (1959)

» Farsa da Boa Preguiça (1960)

» A Caseira e a Catarina (1962)

» As Conchambranças de Quaderna (1987)

» A História de Amor de Romeu e Julieta (1997)

 

Ficção

» A História de Amor de Fernando e Isaura (1956)

» Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue Vai-e-Volta (1971)

» As Infâncias de Quaderna (1976-1977)

» História d'O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão/Ao Sol da Onça Caetana (1977)

» Fernando e Isaura (1956)

 

Outras obras

» O Pasto Incendiado(1945-1970)

» Ode (1955)

» Coletânea de Poesia Popular Nordestina (1964)

» O Movimento Armorial (1974)

 » Iniciação à Estética (1975)

»  A Onça Castanha e a Ilha Brasil: uma Reflexão sobre a Cultura Brasileira (1976)

» Sonetos com Mote Alheio (1980)

 » Sonetos de Albano Cervonegro (1985)

» Seleta em Prosae Verso (1974)

» Poemas (1999)

 

* Matéria publicada no jornal Gazeta de Alagoas, em 29 de agosto, no Caderno B