Livro sobre Canudos inaugura a coleção Estudos Culturais
- Atualizado em
Jacqueline Batista - jornalista
O Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore da Universidade Federal de Alagoas abriu a coleção Estudos Culturais, com o lançamento, pela Editora Catavento, do livro Do Belo Montes das Promessas à Canudos destruída: o drama bíblico na Jerusalém do Sertão, de autoria de Pedro Lima Vasconcellos, professor do Programa de Estudos Pós Graduados em Ciência da Religião da PUC/SP. Com formação em filosofia e sociologia, mestrado em Ciência da Religião e doutorado em Ciências Sociais, autor de quatro livros sobre a temática religiosa, o autor utilizou parte de sua tese de doutorado para publicar este livro. Em entrevista, Vasconcellos fala, entre outros assuntos, sobre a sua trajetória de pesquisa, a relação da história de Canudos e a bíblia, e da satisfação em ter o seu livro lançado na ocasião da outorga do título de Doutor Honoris Causa a Ariano Suassuna.
O livro é o resultado de sua tese de doutorado na PUC?
O livro é o resultado da minha tese de doutorado, defendida na PUC/SP, em 2004, mas não é a tese completa. É apenas parte do trabalho, que tem 420 páginas. Utilizei um capítulo da tese e fiz os devidos ajustes, com elementos extraídos dos demais capítulos para que a compreensão do leitor não fosse prejudicada.
Como surgiu a ideia de pesquisar esse tema?
O mestrado que fiz em Ciência da Religião foi realizado com um foco nos estudos do Novo Testamento. Foi na leitura de um livro chamado Um herege vai ao paraíso, resultado de um mestrado em história, da USP”, que veio a ideia de pensar a presença do texto bíblico na cultura brasileira. O livro foi uma inspiração para o meu trabalho. Na nossa cultura, existe uma presença multifacetada do texto bíblico, temos expressões, temos imagens que se referem à bíblia. Há a inserção para além do texto escrito, que vai configurando o imaginário das pessoas, o modo como elas percebem a existência.
Como a pesquisa foi realizada? Onde o senhor encontrou documentos que fundamentaram seu trabalho?
Fui a Canudos, na época, havia um senhor filho de pessoas que viviam com Antônio Conselheiro. Então, pude colher o depoimento dele. Em termos de documentos, não há nada em Canudos. Muitos documentos foram encontrados em Salvador, para onde fui umas cinco vezes. Em Salvador existe o Núcleo Sertão, que fica no Centro de Estudos Baianos, na Biblioteca Central, da Universidade Federal da Bahia. É um acervo muito importante, a maior parte dos documentos encontrei lá, uma outra parte, em São Paulo.
E as dificuldades encontradas nesse percurso?
A dificuldade maior foi mesmo a metodologia, a vertente que o trabalho assumiu. Geralmente, quem lida com a bíblia, não trabalha com a questão de Canudos e vice versa. Lidar com esse encontro foi um desafio: construir um método que desse conta dessa perspectiva.
O título do livro é muito sugestivo. Qual o seu significado?
O grande problema era equacionar uma questão. Todo mundo conhece o episódio como a “a história de Canudos”. No entanto, o arraial foi denominado por Antônio Conselheiro como Belo Monte. É um nome que as pessoas não relacionam á temática de Canudos. Então, pensamos em um título que falasse sobre Belo Monte, mas que fizesse com que as pessoas remetessem à conhecida história. O texto expressa o horizonte que as pessoas tinham quando foram para lá, por isso, a promessa. O nome que Antônio Conselheiro deu foi Belo Monte; “das promessas”, eu acrescentei por causa da promessa que havia, tanto de obter a terra, em uma igualdade social, quanto no sentido religioso, a promessa de salvação após a morte. Já “à destruição” se refere aos setores que destruíram o arraial, esses setores oficiais tinham a palavra Canudos na cabeça porque aceitar o nome Belo Monte seria legitimar um novo empreendimento. “O drama bíblico” quer explicitar que o foco do trabalho é a presença do imaginário bíblico. Documentos dos sujeitos que fizeram aquela história fazem referência à bíblia. O tema bíblico povoa o imaginário dos envolvidos nessa história, mas a abordagem desse tema aparece de modo diverso, dependendo da perspectiva como cada sujeito se coloca e dá sentido àquela experiência de vida.
E a relação com a cidade de Jerusalém?
Parece que a cidade de Jerusalém estava na cabeça de todo mundo naquele contexto. Há um testemunho de que o povo ia para Belo Monte pela expectativa de cura atribuída ao Conselheiro. Fica claro para o Conselheiro que Belo Monte era a nova Jerusalém para o povo local.
Nos discursos do Conselheiro, Jerusalém está muito presente como cidade santa, principalmente nas construções da igreja. Existem sermões em que ele fala das construções do templo pelo rei Salomão, fazendo uma analogia com a construção que era exercida ali.
Existe também outro viés sobre essa analogia de Canudos à Jerusalém. O frei João Evagelhista, por exemplo, escreveu, na época do conflito, que se sentia como “o divino mestre diante de Jerusalém, anunciando a destruição daquela cidade”. Temos aqui uma visão negativa, na qual Canudos seria inevitavelmente destruída.
Euclides da Cunha, na reportagem que ele escreveu para o Estado de São Paulo, dizia que a cidade semi destruída com boa parte da construção em ruína, parecia “uma cidade bíblica fundamentada pela maldição tremenda dos profetas”. Euclides chama Belo Monte de “Jerusalém de taipa”.
Então não foi o senhor o primeiro a fazer a relação entre Jerusalém e Canudos?
Não. O que o meu trabalho tenta mostrar é que as relações já estavam presentes no sermão do conselheiro, na visão da igreja, no texto de Euclides da Cunha. O trabalho não pretende propor a existência dessa relação, mas quer mostrar que essa relação existe.
E a parceria com o Museu, como surgiu?
A tese foi apresentada à direção do Museu, que se interessou e considerou interessante publicar, por conta de a tipologia do Museu ser a cultura popular. Fico honrando em saber que o meu trabalho está abrindo uma coleção.
Como foi lançar o livro durante a cerimônia de homenagem a Ariano Suassuna?
Ariano tem se destacado na produção literária e como pensador que defende uma arte erudita brasileira. Ariano tem demonstrado um respeito profundo pela expressão cultural sertaneja. Ele considera o episódio de Canudos como o mais expressivo do Brasil porque ali se configurou o Brasil real e o Brasil oficial. O fato de o lançamento deste trabalho ter acontecido junto com a outorga do título a Ariano foi uma feliz coincidência. Fiquei extremamente honrado com este fato.