Memorial de Fernando Pontes na Pinacoteca Universitária


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O Museu Théo Brandão "capturado" para a exposição: no tempo da luz. Foto: reprodução
O Museu Théo Brandão "capturado" para a exposição: no tempo da luz. Foto: reprodução

Por Carla Castellotti – jornal Gazeta de Alagoas, publicado em 24 de julho

As cidades estão em nós. De outra forma, como explicar a intimidade do olhar de Fernando Pontes com uma paisagem ausente há cinco anos de sua vida? Artista convidado da Pinacoteca Universitária em 2011, com a mostra Pássaros, que abre no espaço, nesta quinta-feira, 28 de julho, às 20h, o fotógrafo, tradutor, poeta e professor alagoano radicado em São Paulo mostra que a distância nem sempre afeta a memória. Muitas vezes tomadas por meros devaneios, as lembranças trazem consigo um grau de subjetividade capaz de gerar reflexão, discussões. É mais ou menos sobre o poder de lembrar que Fernando discorre na exposição que marca seu retorno (temporário) à cidade e também à casa situada nos arredores da praça Sinimbu, região em que viveu quando menino e que está entre suas reminiscências do Centro da capital. Pautado por episódios vividos justamente na infância, ele reuniu fotos digitais, cromos e uma vídeo-instalação para alinhavar o atual cenário encontrado no lugar, impensável na época em que era apenas um garoto, nos anos 60. Sem expor por aqui há quase uma década, na última terça-feira Fernando percorreu os corredores da praça ao lado da Gazeta. Na conversa com a reportagem, as origens, o tempo, a cidade. Não perca.
 
"Estou em casa". Foi o que disse Fernando Pontes ao receber Gazeta na Pinacoteca Universitária, na última terça-feira (19). Em 49 anos de vida, o artista visual alagoano nunca havia passado tanto tempo sem voltar à terra natal. Com nova exposição ele retorna não apenas a Maceió mas também às origens - fincadas justamente no entorno da praça Sinimbu, região na qual vivenciou boa parte da infância e onde fica localizada a galeria de arte contemporânea mantida pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
 
Após um hiato de cinco ano ao visitar a capital entre fins de 2010 e início de 2011 o fotógrafo tradutor, poeta e professor fica impressionado com o (nem tão) novo cenário da praça Sinimbu. Nessa mesma ocasião, ao voltar de um almoço no Litoral Sul o artista resolveu testar as possibilidades de uma câmera fotográfica digital. E assim, quase que acidentalmente, surgiu uma nova série de imagens. Nos registros, paisagens impregnadas de efeitos de luz, todas clicadas no percurso entre a Barra Nova e a praia de Pajuçara.
 
A esse primeiro conjunto somaram-se imagens da decadente praça Sinimbu e outras nas quais Fernando forjou um ensaio com uma família fictícia que, de férias na cidade, escolhe o Riacho Salgadinho como ponto turístico. Do contraste entre o Centro depredado e a orla preservada, pano de fundo pontilhado pelas memórias de infância de Fernando, surgiu Pássaros.
 
O nome do trabalho, explica ele, é uma referência a uma de suas mais antigas lembranças: a revoada de pássaros nos fins de tarde na praça Sinimbu. Em torno desse símbolo o artista montou a exposição, que 'começa' com a imagem ampliada de sua carteirinha de sócio do Clube Fênix - bastante usada por Fernando na infância. O nome do clube, ele nota, também se 'conecta' com o(s) conceito(s) da mostra.
 
No texto de abertura da exposição, Fernando, que foi seu próprio curador, apresenta-se ao visitante: "Foi no centro da 'Cidade Sorriso' que eu vivi a minha infância", escreve. Percorrendo as redondezas da praça Sinimbu com a reportagem, ele relembrou o tempo em que o pai, Seu Enéas, era dono de uma livraria na rua do Comércio, endereço que também serviu de moradia para a família. Da janela do sobrado, o então menino via o movimento da rua, e durante os passeios se encantava pelo entra-e-sai de pessoas no extinto Cinema São Luiz.
 
"Após o homem ter pisado na Lua, me mudei para uma casa modernista a uma quadra dali", prossegue Fernando em seu texto de apresentação. No número 25 da rua Sete de Setembro, a construção continua preservada. É lá que mora sua mãe, e onde ele está hospedado. Percorrendo os corredores da região, o artista lembra a época em que o lugar ainda era residencial e a praça, diz, "era praça". Nos idos dos anos 60, ele brincava com cerâmica e rabiscava os primeiros desenhos. De volta no tempo, o fotógrafo conta que aprendeu a nadar na Fênix e recorda de como corria pelas ruas com os amigos e jogava futebol de botão com os irmãos. Nas tardes de domingo, era comum contemplar os praticantes de aeromodelismo em suas manobras.
 
Foi nessa mesma Maceió dos anos 60, conta Fernando, que surgiram os marcos do modernismo na capital. Símbolo da época, o Mijãozinho - escultura de bronze do artista plástico alagoano Lourenço Peixoto - adornava a praça ao lado do painel feito em cerâmica do qual, hoje, resta apenas o vestígio. Na tentativa de preservar a memória desse tempo, Fernando pergunta: "Onde está o Mijãozinho?". Nas fotos, contudo, só o abandono do lugar que, há 20 anos, é alvo de vandalismo e descaso.
 
Na Estrada
 
Sem expor em Maceió há nove anos, Fernando Pontes deixou a cidade pela última vez em 2001, pouco antes de seu pai falecer. Nessa época, conta, montou um estúdio e realizou em 2002, também na Pinacoteca, a exposição Bagagem de Mão, trabalho cuja temática evidenciava o caráter portátil de sua arte, ainda mais depois de já ter passado por diferentes cidades do Brasil, dos Estados Unidos e da Europa.
 
"Em Maceió trabalho é difícil, então resolvi ir para São Paulo". Assim o artista mais uma vez fez as malas e se mudou para a capital paulista, onde está há oito anos e de onde, diz ele, não pretende sair. Lá, Pontes vive de dar aulas de inglês e de fazer traduções. "Eu tenho o meu trabalho de subsistência, mas eu também vivo para fazer minha produção artística. Tanto que eu tinha de trabalhar como professor para entrar dinheiro para comprar material, que é caro, e eu trabalhava muito com filme", observa Fernando.
 
Antes de fixar residência na metrópole paulista, porém, o artista rodou meio mundo. Mais jovem, quando era estudante, morou no Rio de Janeiro, onde fez faculdade e imergiu no universo artístico. "Foi no Rio que eu me aproximei mais da arte, indo às galerias, aos museus, conhecendo arte moderna e contemporânea, conhecendo arquitetura e design. Inclusive, quando comecei a cursar Design, tive a oportunidade de ter uma orientação técnica, em desenho, desenho geométrico e fotografia", rememora.
 
A mudança para a Cidade Maravilhosa aconteceu no início dos anos 80. Na década do 'desbunde', Fernando dividia um apartamento com dois amigos e já era conhecido na turma por fotografar. Foi nessa época que ele pediu transferência da Faculdade da Cidade para a Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ) e enveredou pela computação gráfica, cujos recursos não demoraram a pautar sua produção artística.
 
Ainda no Rio, Fernando fez teatro e estudou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde fez o curso Dinâmica de Ateliê com os artistas plásticos Daniel Senise, Luiz Pizarro e a Beatriz Milhazes. "Eu tinha todos os elementos que me permitiam experimentar. Meu circuito de amizades também estava ligado às artes em geral e (tinha) muita praia, que era o grande lounge do Rio de Janeiro", brinca.
 
Nesse período, Fernando Pontes trabalhava desenvolvendo comunicação visual para empresas, comércio d pequenas indústrias. A carreira mudou de rumo quando, na segunda metade da década de 80, foi lançado o Plano Cruzado na tentativa de estabilizar a economia brasileira, às voltas com uma inflação galopante. "Muita gente quebrou", lembra. Diante do cenário econômico pouco favorável, o artista viu na instabilidade a chance de estudar fora do País.
 
"Eu gostava muito de escultura em vidro, então me planejei e fui para Nova York. Mas não era lá que eu iria estudar. Eu queria ir para Seattle", relembra Fernando. "Quando eu cheguei em Nova York, no entanto, quis ficar. Então comecei a ver catálogos dos cursos da universidade, e me matriculei. Já estava trabalhando e não precisava sair de lá. Aí eu fui para a New York Experimental Glass Workshop, que é vinculada à Parsons School of Design, e fiquei lá um ano".
 
Depois da temporada em Nova York, Fernando voltou para o Rio, onde realizou sua primeira exposição. Instalação foi montada na Galeria Contemporânea, em 1991. "Era um espaço pequeno no Leblon, que lançava artistas que estavam começando. E como eu já morava no Rio e tinha a galera, levei a exposição para uma boate que tinha espaço para artistas", conta.
 
No ano seguinte, Fernando voltava a Maceió, para onde trouxe Instalações. No tempo que passou por aqui, aproveitou também para fazer uma espécie de 'circuito Nordeste'. "Fui para Recife, João Pessoa e Salvador". Ao chegar à capital baiana, em 1993, gostou do que encontrou e não demorou a mostrar seus projetos e começar a desenvolver trabalhos na cidade. Tanto que, em 1994, o artista ingressava na residência do Goethe Institut de Salvador, instituição na qual ficou por dois anos.
 
E essa não foi a última parada. "A partir daí fui para a Europa. Morei em Londres até fixar residência em Amsterdã e resolver fazer fotografia". Na capital holandesa, Fernando encontrou um workshop do Amsterdams Centrum voor Fotografie ministrado em inglês, o que lhe permitiu fazer novas amizades. "Lá eu conheci Wanda (Michalak), uma fotógrafa polonesa radicada em Amsterdã, que inaugurou uma galeria em sua casa (a WM) e me chamou para expor lá, em 2000". Nesse ponto a história volta outra vez a Maceió, para onde Fernando retornou novamente depois de morar na Europa, estada que, como se sabe, não durou muito tempo.
 

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