Doutor Ariano: a coroação do dono do reino
Ele nasceu na Paraíba, mas toda sua obra foi criada em Pernambuco. Secretário de Cultura do Estado vizinho e criados do Movimento Armonial de redescobrimento e interpretação das raízes históricas do Nordeste, o dramaturgo e escritor Ariano Suassuna foi agraciado na última terça-feira (24) com o título de doutor honoris causa pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Em entrevista à Gazeta, o autor de Auto da Compadecida fala do que mais entende: de cultura, nas suas mais variadas manifestações.
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Por Fernando Coelho – repórter da Gazeta de Alagoas
Mesmo aos 83 anos, Ariano Suassuna não baixou a guarda. Arauto das tradições populares, ele soltou o verbo com o habitual vigor na entrega da honraria que lhe foi concebida pela Ufal.
"Eu sou político. Tudo o que eu faço é sobre política também". Eis a verdade por trás da língua afiada, da imaginação criativa e da atitude contestadora de Ariano Suassuna. Conservador e ultrapassado para uns, avançado e atemporal para outros, este senhor de 83 anos continua firme a perseguir os ideais de sua missão: reaproximar o povo brasileiro das expressões artísticas e culturais genuinamente nacionais.
Para tanto, o paraibano mais pernambucano do País sempre atacou em diversas frentes: ele é ensaísta, romancista, dramaturgo, professor e gestor público - há oito anos Suassuna comanda a Secretaria Estadual de Cultura de Pernambuco. Em suma, o autor de Auto da Compadecida busca na "poesia" a inspiração para a sua atuação "política" por meio da arte.
A frase que abre esta reportagem foi dita na entrevista que o mentor do Movimento Armorial concedeu á Gazeta na manhã da última terça-feira (24) e repetida no seu discurso no Museu Théo Brandão na noite em que foi condecorado como doutor honoris causa pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) - a última universidade federal de um Estado do Nordeste a conceder-lhe o título. Uma honraria justa e merecida a esse Dom Quixote da cultura nordestina.
Mesmo pouco à vontade na pomposa e obrigatória vestimenta do ritual de condecoração, Ariano esbanjou simpatia e bom humor. A voz levemente rouca e os movimentos contidos revelaram o peso da idade. Mas não se engane. O homem continua a encantar. Embora seu ritmo de produção literário continue a passos lentos - A Pedra do Reino levou 12 anos para ser escrito e seu próximo livro vem sendo anunciado desde 2007, mas só deverá ser lançado em 2011 -, o arauto das tradições populares direcionou seu foco artístico para as chamadas "aulas-espetáculos". Numa espécie de circo itinerante, ele rege o show ao intercalar números musicais, cênicos e poéticos com sua prosa irreverente. Em breve, Ariano Suassuna fará sua centésima nona apresentação no formato.
Quem foi ao Museu Théo Brandão pôde conferir uma "palhinha". Nitidamente emocionado com o tamanho da homenagem, o poeta - que foi professor dos 17 aos 70 anos - iniciou uma prosa agradável e dinâmica, em que entrelaçou reflexões sobre arte e cultura com causos pessoais, citações poéticas, anedotas e tiradas inusitadas e geniais. O momento "língua afiada" não poderia ficar de fora e dessa vez o alvo foi a música da banda paraense Calypso - impiedosamente metralhada.
Por fim, o homem avesso a estrangeirismos de todo e qualquer tipo abriu um sorriso de satisfação ao ser surpreendido com a apresentação da Banda Armorial de Piranhas, grupo de jovens músicos liderado pelo maestro Egildo Vieira, ex-integrante do Quinteto Armorial de Ariano. Mais uma, entre as muitas de suas sementes que floresceram.
O título de Doutor Honoris Causa
É um titulo honorífico concedido a quem destinou contribuições significativas em prol do saber e do conhecimento numa universidade ou instituição oficial de ensino, mas que não pertence ao seu quadro funcional. No caso da honraria concedida ao romancista e poeta Ariano Suassuna, a proposta foi encaminhada pelo Museu Théo Brandão à Ufal, cujo conselho acadêmico a aprovou por unanimidade.
Movimento Armorial
Miscigenada e multifacetada por essência, a cultura popular nordestina não se resume a expressões de linguagens primitivas ou naïf. Graças à iniciativa de Ariano Suassuna, o Brasil e o mundo conheceram os traços sofisticados embutidos no DNA das nossas tradições populares. Criado e lançado pelo dramaturgo em 1970, num espetáculo multicultural realizado no Pátio São Pedro, no Centro do Recife, o Movimento Armorial buscou formatar uma arte erudita a partir de elementos populares. Da música ao cinema, da dança à arquitetura, da literatura às artes plásticas, a chamada arte armorial bebe na fonte dos folhetos de cordel e da xilogravura, dos acordes da rabeca e do pífano, do teatro de mamulengo e dos personagens míticos do folclore brasileiro. Daí, formata uma estética de contornos eruditos que realça referências medievais, ibéricas e moçarabes previamente embutidas na formação cultural nordestina. Entre os representantes do movimento encontram-se nomes como Francisco Brennand, Bale Armorial do Nordeste, Quinteto Armorial, Orquestra Armorial de Câmara e Quinteto Romançal, além, claro, do próprio Ariano Suassuna, entre outros.
Celebridade cultural às avessas
A produção artística de Ariano Suassuna é ampla, abrangente e expressiva, mas nem de todo conhecida. No segmento literário, Auto da Compadecida, seu clássico maior, uma das obras imortais da dramaturgia brasileira, popularizou o nome do romancista ao ganhar diversas adaptações cinematográficas. Romance menos badalado, mas igualmente fundamental, A Pedra do Reino surgiu nas telas numa cuidadosa releitura de Luiz Fernando Carvalho.
Ariano refuta a fama internacional, mas sua vasta obra ganhou traduções mundo afora - com títulos vertidos para idiomas como polonês, holandês, francês, inglês, italiano e alemão. De fato, a ojeriza por viagens nunca atiçou a vontade de conhecer outros países, algo no mínimo paradoxal frente a uma curiosidade nata pelas "coisas do mundo".
No Brasil, as declarações polêmicas ajudaram a forjar o mito e fizeram dele uma celebridade às avessas no nosso universo cultural. Suassuna já se negou a participar de eventos e a receber prêmios patrocinados por multinacionais e, em 1981, chegou a declarar publicamente que abandonaria a literatura. Contudo, em 1990, passou a ocupar a cadeira de número 32 da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Quando a causa é justa, não é sempre que os holofotes o inibem. Defensor contumaz do governo Lula, recentemente Ariano não se furtou a subir ao palanque ao lado do presidente em Garanhuns para pedir votos para a candidata à Presidência, Dilma Rousseff.
Em 2008, o romancista foi tema da escola de samba Mancha Verde com o enredo És Imortal... Ariano Suassuna, sua Vida sua Obra, Patrimônio Cultural. Agraciado com a homenagem, não recusou o convite e fechou o desfile ao sair como destaque no último carro da agremiação, ao lado da esposa Zélia Andrade de Lima, com quem é casado desde 1957.
Com Zélia, Ariano Suassuna teve seis filhos. Segundo o genro e assessor pessoal Alexandre Nóbrega, o dramaturgo vive há décadas no bairro de Casa Forte, numa espécie de vila privada onde se encontram as casas de três de suas filhas.
Os laços familiares e as lembranças da infância na Fazenda Acahuan, na cidade de Taperoá, no sertão paraibano, continuam marcantes e presentes. Filho homem mais novo de nove irmãos, Ariano se emociona até hoje ao lembrar da morte do pai - que era governador da Paraíba quando o poeta nasceu -, assassinado por motivações políticas quando ele tinha apenas três anos de idade.
Em entrevista à Gazeta, Ariano Suassuna explica por que somente de um ano para cá conseguiu perdoar os assassinos de seu pai. E mais: você vai conferir a opinião do escritor sobre as razões que fizeram do estado de Pernambuco um exemplo na relação com a cultura popular, conhecer os motivos de sua aprovação ao governo Lula e saber do susto que ele levou quando soube que Auto da Compadecida seria levado às telas de cinema pêlos Trapalhões. Imperdível.
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* Matéria publicada na íntegra no jornal Gazeta de Alagoas, em 29 de agosto, no Caderno B