O homem que seguia nuvens

É provável que você nunca tenha ouvido falar de seu nome, mas foi graças às pesquisas e ao trabalho de campo de Ivan Fernandes Lima que Alagoas passou a conhecer seus limites, divisas e aspectos geográfico com precisão. Quinze anos após sua morte, o estudioso que percorreu e colheu informações sobre todos os cantos e recantos do Estado caiu na vala do esquecimento.A partir do depoimento de professores, pesquisadores e ex-alunos, nesta edição você vai saber por que o autor de diversos livros e de mais de uma centena de artigos sobre sua terra natal é considerado o mais importante geógrafo alagoano do século 20.


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O mestre em ação, comandando uma equipe durante pesquisa realizada no interior do estado
O mestre em ação, comandando uma equipe durante pesquisa realizada no interior do estado

 

 Por Fernando Coelho - Gazeta de Alagoas, 4 de julho de 2010

Alagoas sempre foi pródiga em revelar historiadores, figuras essenciais para a compreensão da nossa formação que continuam a ter suas ideias e estudos discutidos e aperfeiçoados. Já na Geografia, ciência que, ao menos no período escolar, anda de mãos dadas com a História, o caso não se repete. Mas o que poucos sabem é que após os escritos pioneiros de Craveiro Costa, Octávio Brandão, Moreira e Silva e Thomaz Espíndola, um homem apaixonado pelas paisagens e pelo relevo de sua terra natal se tornou o mais importante geógrafo alagoano do século 20.

 

Ivan Fernandes Lima - não confundir com o ex-governador José Fernandes Lima, cujo nome batiza uma das principais vias arteriais de Maceió - abraçou o estudo do espaço e de sua ocupação com rara determinação. E o melhor: seu principal objeto de estudo era o próprio estado de Alagoas. No decorrer de seus 67 anos, o geógrafo publicou uma centena de artigos e diversos livros sobre variados aspectos geográficos do "paraíso das águas".

 

O mapa de Alagoas, como se conhece hoje, tem seus limites precisamente esquadrinhados graças aos contínuos trabalhos de campo do mestre Ivan. Ele, que a bordo de uma antiga Rural e depois num jipe, percorreu cantos e recantos de todos os 102 municípios alagoanos.

 

Formado em Direito e em Geografia e História (licenciatura e bacharelado) pela antiga Faculdade de Filosofia de Pernambuco, Ivan Fernandes Lima não se limitou à sala de aula. O ex-professor do colégio Marista do Recife, do Lyceu Alagoano, do Colégio Batista e da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) sempre trilhou as subidas e descidas das serras alagoanas em paralelo ao percurso pedagógico.

 

"Não tenho dúvida de que ele foi o maior geógrafo de Alagoas até hoje. Ele tinha domínio da metodologia, da ciência", aponta Lindemberg Medeiros de Araújo, 48, professor do curso de Geografia da Ufal, doutor em Planejamento Turístico e ex-aluno de Ivan Fernandes Lima. "Sua importância é muito grande. Eu acredito que foi o único geógrafo que conheceu todos os municípios, todas as serras e todos os rios de Alagoas", afirma Lindemberg, mineiro radicado em Alagoas desde 1979.

 

"Eu diria que ele foi o pioneiro em aplicar os princípios científicos da geografia em Alagoas", atesta Jovesi de Almeida Costa, ex-professora do curso de Geografia da Ufal. "Os autores mais antigos, como Octávio Brandão e Thomaz Espíndola, eram mais descritivos. Ele tratou de nuances que os outros não conseguiram", acrescenta.

 

Fascinado pela obra de Fernandes Lima, o turismólogo e geógrafo David de Amorim vem coletando farto material sobre o ícone alagoano da geografia. "A divisão fisiográfica de Alagoas que foi estabelecida por ele está aí até hoje. Foi ele quem sistematizou os mapas de Alagoas. Toda essa divisão em mesorregiões foi ele quem iniciou", explica David que publicou um artigo sobre o mestre na edição de outubro do ano passado do Saber, suplemento mensal da Gazeta.

 

"Ele era um geógrafo de campo. O que é raro hoje em dia", assinala David. "Foi ele quem determinou os pontos extremos de Alagoas com aqueles altímetros antigos. Se você pegar um GPS hoje, vai ver que os dados batem com as medições antigas dele. Você não tem como conhecer Alagoas do ponto de vista geográfico sem passar por Ivan Fernandes Lima".

 

Obras

 

Entre inúmeras notas, cartilhas didáticas e artigos científicos, dois livros de Ivan Fernandes Lima merecem ser destacados. O primeiro, Maceió - A Cidade Restinga, é uma obra extremamente técnica sobre a formação geomorfológica da cidade. Lançado em 1961, serviu de tese para a admissão do geógrafo como professor no tradicional Lyceu Alagoano.

 

Já o clássico Geografia de Alagoas, livro didático lançado em 1965, veio como uma obra geográfica de porte. Ampla e abrangente, foi utilizada como base para o ensino da geografia de Alagoas nas escolas da rede pública da década de 60.

 

"Geografia de Alagoas foi distribuído pela Secretaria de Educação na época, e o livro tem muita qualidade", ressalta David de Amorim, que também trabalha como professor da disciplina nas escolas do Estado. "Hoje, na rede estadual, a gente não tem uma referência da geografia de Alagoas", afirma.

 

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